sexta-feira, 30 de abril de 2021


 

JEFTÉ E EFRAIM I – 30 ABR 21

 

Essa questão de sacrifícios humanos

é muito relativa.  Especificamente,

a outra menção é a ideia insolente

que torturou Abraão por vários osnos;

em sua velhice, lhe dera Deus dois ramos:

Ismael, filho de Agar, ação clemente

de Sara, velha, estéril e impotente

para ao marido atender a seus reclamos.

 

Depois Isaac, o filho prometido,

de forma desusada, qual em arcano obtido,

talvez por inseminação artificial?

Depois Sara desconfiou das brincadeiras

de Ismael com Isaac ou só por ciumeiras,

seu sacrifício exigiu assim insistencial.

 

JEFTÉ E EFRAIM II

 

Abraão, porém, não quis fazer-lhe mal

e o enviou com Agar para o deserto.

Os muçulmanos, de coração aberto,

afirmam que Abraão foi, afinal,

aos dois unir-se de forma paternal,

que os levou até a Arábia, sendo certo

que na construção da Kaaba, bem de perto,

auxiliou Ismael e seus servos nesse areal.

 

Logo depois, retornou a Canaã,

reencontrando ali Isaac e Sara,

mas de remorso seu coração dispara

e ideia louca lhe percorre a mente vã,

pretende Isaac sacrificar a Jeová,

que certamente ordem dessas não lhe dá.

 

JEFTÉ E EFRAIM III

 

O que é comum são os extermínios,

povos completos passando a fio de espada,

perdeu Saul sua coroa consagrada

por não matar o gado após os assassínios

de uma população inteira, latrocínios,

que o profeta Samuel, de face iluminada,

lhe reprova – toda a vida a ser cortada,

antes que Jeová ali exerça seus domínios!

 

Mas no caso de Jefté, pai inclemente,

grande revolta no coração ardente,

de alguma forma precisava se cobrar

e quando o atacaram os Efraimitas,

por não ganharem espólio das benditas

vitórias suas, não os quis perdoar.

 

JEFTÉ E EFRAIM IV

 

De certo modo, era neles que vingava

de sua filha a morte indesejada

e após ter sido a grande tropa derrotada,

sobrevivente algum ele perdoava!

Nos vaus do Jordão suas guardas colocava

e quando a travessia era tentada,

naturalmente pelo infeliz coisa negada,

indagavam se de Efraimita se tratava.

 

Diziam-lhe então: “Pronuncia Chibolete”,

pois a pronúncia efraimita era diversa

e o fugitivo pronunciava Sibolete!...

Era então de imediato degolado,

quarenta e dois mil sofrendo morte tersa,

antes que Jefté se achasse consolado!...

 

JEFTÉ E EFRAIM V

 

No meu Rio Grande coisa igual aconteceu,

durante a Revolução de Noventa e Três,

quando Uruguaios e Argentinos, dessa vez

participaram e o combate endureceu,

muito gaúcho de tortura padeceu

ou foi castrado e mutilado como rês,

como em documentos históricos ainda lês...

E após a luta, se algum deles pretendeu

 

atravessar para o Uruguay, então diziam:

“Diz José.” Com esforço, o “jota” pronunciavam,

mas ali haviam mais duas armadilhas:

ao invés de “José” eles “Jossê” repetiam;

guardadas sendo todas essas trilhas,

em sangrentas pilhas a todos amontoavam!

 

JEFTÉ E EFRAIM VI

 

Na Bíblia formas há de execução,

a pior sendo talvez o apedrejamento;

Santo Estêvão sendo réu de tal assento,

mesmo dos Romanos tendo má disposição,

os seus juristas aplicavam a exceção:

matar alguém após um julgamento

não seria um sacrifício em tal momento,

sendo do crime pura e simples punição...

 

Por isso consta a dita “Pena de Talião”:

“Olho por olho, mão por mão, dente por dente,

injúria por injúria e cabeça por cabeça.”

Porque a tendência, num ato de emoção

é causar dano mais forte e mais veemente:

que por um dente a morte então se peça!

 

VIGÍLIA 1 – 30 ABR 21

 

As gentes sentem certa superioridade

quando encontram alguém adormecido;

havendo amor, certo carinho concebido,

num sentimento de cumplicidade...

 

Todos partilham dessa soneiridade,

um terço de cada dia ali perdido;

quanto a mim, não me deixo ser contido

por um tão longo lazer de inermidade.

 

Mas quem não sente certo laivo de ternura

ao contemplar uma criança adormecida,

mesmo que seja uma perfeita estranha?

Nessa entrega total, sem amargura,

toda a tristeza em jaula recolhida,

enquanto a nova energia ali se amanha...

 

VIGÍLIA 2

 

Do mesmo modo, se for mulher amada

ou esse homem que mantemos no regaço,

presa ou preso do sono nesse abraço,

essa ternura é de novo palmilhada...

 

Contemplamos ali então a paliçada

dos cílios a conter do sonho o passo,

que não se expanda além do interno traço,

a vida externa assim sendo inundada...

 

E assistimos esse agitado movimento

do sono REM... Quem saberá qual sonho

está sendo perlustrado em tal momento,

se nem ao menos, pelo mais das vezes,

nem tu recordas teu próprio ideal bisonho,

quando a balança alerta da consciência peses?

 

VIGÍLIA 3

 

Já muitas vezes comentei em meus sonetos

esses goéticos mundos que percorro, (*)

não que divise castelos sobre um morro:

coisas mais simples compõem tais dons secretos.

(*) Mundos de magia branca.

 

Se movem em imagens, mas são reais objetos,

bem semelhantes aos do inverso forro

da vida aberta, que supostamente eu corro,

não será o sonho que envolve meus afetos?

 

Ou é esse estado que existe, intermediário,

o semissonho a que chamas devaneio,

o mais real de todos os momentos?

Coisas que fluem em marulhar amplo e diário,

mas que consegues dominar a meio...

não são a origem quiçá dos sentimentos?

 

 


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