domingo, 18 de abril de 2021


 

 

PRISIONEIRAS I – 15 ABR 2021

 

Em toda mulher jovem existe a velha,

ano após ano, lutando por sair,

que certamente haverá de conseguir

e é mais seu rosto que tal idade espelha.

 

Tal como numa casa, quando a telha

a velhice inicialmente irá sentir,

do que as paredes; goteiras a surgir,

em decadência sempre desparelha.

 

E assim ocorre no corpo da mulher,

ainda no corpo uma falsa juventude,

enquanto seu semblante a idade trai;

já bem madura alguma expor-se quer,

com maquiagem suas rugas meio ilude,

nessa armadilha em que tanta velha cai!

 

PRISIONEIRAS II

 

Vi um retrato de Hilda Furacão,

em seus noventa anos, num asilo,

a morte já a aguardar no peristilo,

certos fotógrafos bem sádicos serão!

 

Não digo aquela que interpretou-a em ocasião,

naquela série de escandaloso filo,

não que a fosse procurar, nem qui-lo,

quase em tocaia assaltou a minha visão!

 

Vou ressaltar que não busquei retrato

de quando ela era jovem e atraente,

mas seu semblante aos noventa me chocou...

e quanta idosa contemplo com recato,

só a imaginar o quanto era diferente,

antes que o tempo seu rosto assim marcou.

 

PRISIONEIRAS III

 

Longa a tragédia do transitório feminino:

bem mais que os homens têm o que perder,

seu rosto antigo mal se pode conhecer,

mesmo das plásticas em pleno desatino.

 

Melhor aquela que aceita o seu destino,

sem inglória luta aos anos combater;

quanto foi bela ainda se pode perceber,

pela ossatura que subjaz ao rosto fino.

 

A maioria, porém, nunca foi bela,

apenas foram atraentes na ocasião,

seu rosto agora em eclipse lunar,

mas se confunde o frescor de uma donzela

com formosura e assim mais sofrerão,

quando a amargura se vier manifestar.

 

PRISIONEIRAS IV

 

Eu penso então na bela atriz americana,

Vanessa Redgrave, que aos noventa,

sua formosura digna ainda ostenta,

sob a cabeleira branca que a recama.

 

A verdadeira beleza é a que proclama

o rosto de uma velha que aparenta

a idade que tem, mas que apresenta

beleza antiga de perpétua chama.

 

Quando se olha de outras os retratos,

tão fáceis de encontrar hodiernamente,

que diferença entre sua mocidade

e os rostos desmanchados, tristes fatos

que nunca como agora, realmente,

deixam tão clara sua transitoriedade!

 

SONETOS MONSTRUOSOS X

O INCENDIÁRIO  I – 16 ABR 21

 

Nada mais belo que a chama que se eleva

de um alto prédio consumido em flama!

Qual archote imortal que à mente clama

para afastar dentre nós a eterna treva!

Quando se ergue a chama, na longeva

fagulha multicor que mais exclama,

junto ao grito das vidas que reclama,

na pré-estreia que até o inferno leva!...

E o cheiro que se esvoa na fuligem!...

A carne perfumada em tal churrasco,

que me leva ao prazer em plena calma!

Um dia, eu mesmo dançarei nessa vertigem,

para mim belo o que a outros causa asco,

bendito fogaréu, que assim me queima a alma!

 

O INCENDIÁRIO  II

 

Afinal, eu só adianto a cremação,

muito mais limpa que o sepultamento:

nada a proíbe no Velho Testamento

e já no Novo nem sequer se faz menção!

Esse costume de enterrar é tradição

vinda de terras que não têm florestamento,

caríssima a pira, igual que um monumento,

mas entre nós se conserva sem razão

e ainda há quem a algum carbonizado

coloque entre as tábuas de um caixão!

Melhor seria completar-se a operação

e que o pó seja depois todo espalhado,

como um adubo para a nova geração,

ao invés de tanto túmulo empilhado!...

 

O INCENDIÁRIO  III

 

O fogo é sempre belo e purifica,

a carne livra de toda a corrupção;

é uma tolice pensar em ressurreição

do corpo material, tal como explica

São Paulo, nessa Epístola tão rica,

aos Romanos, a combater essa noção:

corpos espirituais é que retornarão,

quando a graça do batismo os santifica!

Além disso, falando francamente,

em incêndio a gente morre sufocada

e só depois é que vem a ser queimada,

sem um martírio de tortura inclemente;

de certo modo, é como esse carvão

que de tua grelha alimenta a combustão!

 

O INCENDIÁRIO  IV

 

Mas a quem busco eu iludir agora?

Meu interesse não é a cremação,

mas ver as chamas que se levantarão,

tal como em pilha de lixo posto fora;

por que guardar resíduos nessa hora,

quando em fumaça mil volutas são,

que essas chamas gentis produzirão

por que de novo anseio sem demora!...

talvez me acusem de ser piromaníaco,

mas bem pior é quem causa essas queimadas

na Amazônia, Pantanal ou no Cerrado,

que em geral causa um raio dionisíaco,

desperdiçado nessas áreas desmatadas,

quando eu queria era a fogueira do meu lado!


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