sábado, 17 de abril de 2021


 

 

O CASTIGO SEM CRIME I – 13 ABR 2021

 

Certa ocasião, por ter sentido fome,

foi Jesus Cristo procurar uma figueira,

que à margem de um regato estava inteira

a sua folhagem que a seca não consome;

mas quando um figo procurou que dela tome,

nada encontrou na planta hospitaleira,

a proferir maldição bem altaneira:

“Que jamais brote de ti o que se come!”

 

Porém não era uma época de figos...

Qual o crime da figueira que secou?

Será que o Mestre por rancor pecou?

Que está bem claro nos livros antigos

que no outro dia a figueira ressecara...

Ou foi só lenda que criou gente ignara?

 

O CASTIGO SEM CRIME II

 

Sempre pensei ser tão fora de contexto

uma árvore amaldiçoada por Jesus,

igual que o lenho posterior da cruz

louvor achando em cada palimpsexto... (*)

O que estranho é não haver pretexto,

já que a Escritura claramente aduz

não ser época de figos... E a essa luz,

por que motivo se justificaria o gesto...?

 

Talvez seja imaginária a maldição,

tendo um raio queimado essa figueira

e por superstição bem natural,

algum discípulo, nessa estranha situação,

imaginou maldição tão chocarreira

e caprichosa conotação fatal?

(*) Pergaminho com texto clássico apagado por monges

para escrever hinos religiosos, em geral à Virgem Maria.

 

O CASTIGO SEM CRIME III

 

Nunca encontrei até hoje um sacerdote

de quem pudesse aceitar a explicação,

nem padre, nem pastor.  Consultação

eu não faria de um rabino ao mote,

a quem do Novo Testamento o dote

não faz sentido, nem tem aceitação...

Já me falaram de parábola em ocasião

ou que o poder supremo isso denote.

 

Tal qual a aposta que o diabo apresentou

a Jeová, na provação de Job,

quando o infeliz, sem razão, foi humilhado;

ou que deixamos de cumprir qualquer missão

que recebemos ao nascer, virando pó,

nessa indolência a sofrer corrupção.

 

O CASTIGO SEM CRIME IV

 

Seria exemplo de um pecado de omissão...

Mas mesmo assim, como seria cobrado

o que de nós não poderia ser tomado,

em um momento estranho de inspeção?

De modo igual que o nosso coração

para possível desobediência foi gerado;

por que então seria condenado

quando uma culpa ocorresse em ocasião?

 

“Digna-te, Senhor, guardar-nos hoje sem pecado,”

é um trecho do Te Deum dos ancestrais

e muita vez há na Bíblia igual menção,

que Deus permite ou nega tal cuidado,

possibilidades já criadas naturais

dos Mandamentos em sua quebrantação!

 

O CASTIGO SEM CRIME V

 

Mas tudo isso só no tempo ocorre,

pois nos vivemos nessa contingência,

causa e efeito tendo igual potência

e só no tempo é que também se morre;

e quando a qualquer prece se recorre,

em outro plano se acha a Providência,

eterna sendo essa divina essência,

quando intervalo algum ali transcorre.

 

Se foi a prece atendida, é que já o foi

e não porque existisse um intervalo

em que essa reza se atenderá ou não,

que somente ao ser humano o tempo rói

entre o início e o final de cada abalo,

pois já tudo nos foi dado de antemão.

 

O CASTIGO SEM CRIME VI

 

Assim nos cabe apenas dar louvor,

igual que Job, pelo bem e pelo mal

e agradecer de forma consensual,

pois tudo é parte de um igual teor;

foi essa tremenda diferença de pendor

que a Encarnação fez necessária no final:

que o Messias inserido no carnal,

de todo o tempo se tornasse Remidor.

 

Na aceitação da condição humana,

já que a Palavra só no tempo se profere,

vindo o Paráclito depois de sua Ascensão. (*)

Pobre figueira em maldição tirana,

alvo casual de um raio que a ela fere,

sem sequer poder pedir por seu perdão!

(*) O Paráclito ou Consolador é o Espírito Santo.

 

SONETOS MONSTRUOSOS IX

O TRAFICANTE DE ÓRGÃOS  I – 14 ABR 21

 

Que importância têm esses miseráveis?

Provavelmente vão morrer em breve:

ou tomam overdose ou então deve

bala perdida acabar com a vida deles!

 

Quando então incham quais balões infláveis

e apodrecem num buraco em que já esteve

uma porção de outros.  Melhor então que eu leve

a quem precise o que se encontra neles!...

 

É claro que eu só faço por dinheiro,

ninguém pretende trabalhar de graça,

mas realizo um duplo benefício,

livro o infeliz de sofrer o tempo inteiro,

termino de uma vez com sua desgraça:

não faço nada de errado!  É meu ofício!

 

O TRAFICANTE DE ÓRGÃOS  II

 

Tanta gente de algum órgão necessita!

Por certo alguns a si mesmo castigaram

pelo mau uso do corpo que ganharam,

quem o cigarro ou a droga não evita...

 

Quem encapsula a carne um dia bonita

nas camadas de gordura que juntaram,

pelos excessos com que tanto devoraram

ou que em exercício qualquer nunca se agita!

 

Mas e quem já nasceu com deficiência,

desde criança vivendo na diálise,

ou requerendo até um novo coração?

A esperar de um doador com impaciência,

um rim ou meio fígado a realizar catálise,

após sofrer desnecessária operação?

 

O TRAFICANTE DE ÓRGÃOS  III

 

E essa lista de espera é tão comprida!

Tantos que morrem sem nunca receber,

precisando de aguardar alguém morrer,

e a retirada pela família permitida!...

 

Quanto transplante capaz de salvar vida

será negado por quem vá sobreviver,

nessa tolice de no corpo não mexer,

como uma oferta aos vermes concedida!

 

Assim eu sirvo como o intermediário,

compro uma córnea ou adquiro um rim

e se não acho por dinheiro quem doar,

um fim eu ponho à sua miséria e seu fadário,

salvo uma vida necessária assim,

a inútil vida em adubo a transformar!...

 

 

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