O CASTIGO SEM CRIME I – 13
ABR 2021
Certa ocasião, por ter
sentido fome,
foi Jesus Cristo procurar
uma figueira,
que à margem de um regato
estava inteira
a sua folhagem que a seca
não consome;
mas quando um figo procurou
que dela tome,
nada encontrou na planta
hospitaleira,
a proferir maldição bem
altaneira:
“Que jamais brote de ti o
que se come!”
Porém não era uma época de
figos...
Qual o crime da figueira
que secou?
Será que o Mestre por
rancor pecou?
Que está bem claro nos
livros antigos
que no outro dia a figueira
ressecara...
Ou foi só lenda que criou
gente ignara?
O CASTIGO SEM CRIME II
Sempre pensei ser tão fora
de contexto
uma árvore amaldiçoada por
Jesus,
igual que o lenho posterior
da cruz
louvor achando em cada
palimpsexto... (*)
O que estranho é não haver
pretexto,
já que a Escritura
claramente aduz
não ser época de figos... E
a essa luz,
por que motivo se justificaria
o gesto...?
Talvez seja imaginária a
maldição,
tendo um raio queimado essa
figueira
e por superstição bem
natural,
algum discípulo, nessa
estranha situação,
imaginou maldição tão
chocarreira
e caprichosa conotação
fatal?
(*) Pergaminho com texto
clássico apagado por monges
para escrever hinos
religiosos, em geral à Virgem Maria.
O CASTIGO SEM CRIME III
Nunca encontrei até hoje um
sacerdote
de quem pudesse aceitar a
explicação,
nem padre, nem pastor. Consultação
eu não faria de um rabino
ao mote,
a quem do Novo Testamento o
dote
não faz sentido, nem tem
aceitação...
Já me falaram de parábola
em ocasião
ou que o poder supremo isso
denote.
Tal qual a aposta que o
diabo apresentou
a Jeová, na provação de
Job,
quando o infeliz, sem
razão, foi humilhado;
ou que deixamos de cumprir
qualquer missão
que recebemos ao nascer,
virando pó,
nessa indolência a sofrer
corrupção.
O CASTIGO SEM CRIME IV
Seria exemplo de um pecado
de omissão...
Mas mesmo assim, como seria
cobrado
o que de nós não poderia
ser tomado,
em um momento estranho de
inspeção?
De modo igual que o nosso
coração
para possível desobediência
foi gerado;
por que então seria
condenado
quando uma culpa ocorresse
em ocasião?
“Digna-te, Senhor,
guardar-nos hoje sem pecado,”
é um trecho do Te Deum dos ancestrais
e muita vez há na Bíblia
igual menção,
que Deus permite ou nega
tal cuidado,
possibilidades já criadas
naturais
dos Mandamentos em sua
quebrantação!
O CASTIGO SEM CRIME V
Mas tudo isso só no tempo
ocorre,
pois nos vivemos nessa
contingência,
causa e efeito tendo igual
potência
e só no tempo é que também
se morre;
e quando a qualquer prece
se recorre,
em outro plano se acha a
Providência,
eterna sendo essa divina
essência,
quando intervalo algum ali
transcorre.
Se foi a prece atendida, é
que já o foi
e não porque existisse um
intervalo
em que essa reza se
atenderá ou não,
que somente ao ser humano o
tempo rói
entre o início e o final de
cada abalo,
pois já tudo nos foi dado
de antemão.
O CASTIGO SEM CRIME VI
Assim nos cabe apenas dar
louvor,
igual que Job, pelo bem e
pelo mal
e agradecer de forma
consensual,
pois tudo é parte de um
igual teor;
foi essa tremenda diferença
de pendor
que a Encarnação fez
necessária no final:
que o Messias inserido no
carnal,
de todo o tempo se tornasse
Remidor.
Na aceitação da condição
humana,
já que a Palavra só no
tempo se profere,
vindo o Paráclito depois de
sua Ascensão. (*)
Pobre figueira em maldição
tirana,
alvo casual de um raio que
a ela fere,
sem sequer poder pedir por
seu perdão!
(*) O Paráclito ou
Consolador é o Espírito Santo.
SONETOS MONSTRUOSOS IX
O TRAFICANTE DE ÓRGÃOS I – 14 ABR 21
Que importância têm esses miseráveis?
Provavelmente vão morrer em breve:
ou tomam overdose ou então deve
bala perdida acabar com a vida deles!
Quando então incham quais balões
infláveis
e apodrecem num buraco em que já
esteve
uma porção de outros. Melhor então que eu leve
a quem precise o que se encontra
neles!...
É claro que eu só faço por dinheiro,
ninguém pretende trabalhar de graça,
mas realizo um duplo benefício,
livro o infeliz de sofrer o tempo
inteiro,
termino de uma vez com sua desgraça:
não faço nada de errado! É meu ofício!
O TRAFICANTE DE ÓRGÃOS II
Tanta gente de algum órgão necessita!
Por certo alguns a si mesmo
castigaram
pelo mau uso do corpo que ganharam,
quem o cigarro ou a droga não
evita...
Quem encapsula a carne um dia bonita
nas camadas de gordura que juntaram,
pelos excessos com que tanto
devoraram
ou que em exercício qualquer nunca se
agita!
Mas e quem já nasceu com deficiência,
desde criança vivendo na diálise,
ou requerendo até um novo coração?
A esperar de um doador com
impaciência,
um rim ou meio fígado a realizar
catálise,
após sofrer desnecessária operação?
O TRAFICANTE DE ÓRGÃOS III
E essa lista de espera é tão
comprida!
Tantos que morrem sem nunca receber,
precisando de aguardar alguém morrer,
e a retirada pela família
permitida!...
Quanto transplante capaz de salvar
vida
será negado por quem vá sobreviver,
nessa tolice de no corpo não mexer,
como uma oferta aos vermes concedida!
Assim eu sirvo como o intermediário,
compro uma córnea ou adquiro um rim
e se não acho por dinheiro quem doar,
um fim eu ponho à sua miséria e seu
fadário,
salvo uma vida necessária assim,
a inútil vida em adubo a
transformar!...
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