sábado, 18 de dezembro de 2021


 

 

AMORID-19 I – 15 DEZ 21

(Eleonora Duse, atriz de teatro, século XIX)


Amor é uma doença infecciosa,

que nos invade pelos olhos e o nariz,

mais expansiva do que um chafariz,

armadilha sorrateira e poderosa!

 

Se pandemia, porém, existe deliciosa

é esta que o deusinho cego quis

espalhar pelo mundo feito giz,

nuvem perpétua e de presença vaporosa,

que nos envolve desde a antiguidade

e para a vida aparente tem função

bem mais potente que a simples atração,

mesmo que ataque em tal deslealdade

de sintomas corporais e ação sensual,

todo o organismo perdido no sexual.

 

AMORID-19 II

Essa função vital chamada amor

é coisa realmente bem traiçoeira:

nesse domínio da humanidade inteira,

quanto ciúme causou e quanta dor!

 

Quanta vaidade e orgulho de fervor,

desavenças provocando numa esteira,

a quanta gente dominou essa altaneira

emoção e quanta morte em seu calor!

Porque o que chamam de amor é passageiro

e quando passa, deixa empós melancolia

ou um desatino que matar até podia,

que o ódio dizem se estampar ligeiro

no outro lado dessa moeda enferrujada

ou em suicídio nos conduz ao nada!

 

AMORID-19 III

Contudo, existe o verdadeiro amor,

em parte oriundo desse amor-instinto

que a mãe demonstra, porém sendo distinto,

só para um filho é que volta seu calor!

 

Não pelos filhos alheios seu pendor,

talvez por eles até rancor retinto;

mas por estranhos é este amor que pinto,

que aos poucos nos engloba em seu fervor.

O amor carnal é limitado por sexor,

mas é possível se formar dedicação

entre as mentes pela força do carinho,

que é permanente, mas despido de esplendor,

se a bactéria no espírito se entranha

e essa doença de amor perfeição ganha!

 

FUTURID-19 I – 16 DEZ 21

Tu crias teu futuro e o assassinas em segredo

ou então permites a teu passado cada escolha,

se de propósito não voltas cada folha,

mas ao que já foste deixas guiar tua vida...

 

Mas se  encruzilhada for por ti gerida,

será uma só vereda que se acolha,

que mil sendeiros cobrirás com rolha,

de tua existência a malha assim tecida.

Assim abraças tuas escolhas no presente,

mas extremamente veloz será a opção,

que a ti se expande em bem diversa dotação

que se outra estrada perante ti se assente,

um novo leque faz que logo se apresente,

largo o futuro e de perpétua alternação.

 

FUTURID-19 II

Quando escolhes um fio, chega o presente,

que muito mais que as Parcas, já o corta

e empurrado ao passado, ali se aborta:

nunca retorna a lembrança mais potente...

 

No antanho concentra o tesouro subjacente,

mas que aos poucos se mistura e já se entorta,

que o futuro já vivido é coisa morta,

que não se invoca pelo desejo mais urgente,

que esse destino que escolheste velozmente,

ainda mais rápido cruza o umbral do teu presente

e em teu passado se congela o teu porvir;

nesse processo vital duro e inclemente,

não tens presente sem buscar o teu futuro,

que do passado se argamassa em inerte muro.

 

FUTURID-19 III

Mas na verdade, essa escolha não existe

entre quereres capturar o teu futuro

e a conservar-te no presente bem seguro,

por mais que tal noção pareça triste...

 

Que esse presente que por instante viste

logo se mescla a teu passado impuro;

se teu presente te deu fruto maduro,

foi devorado e já não mais persiste,

porque mastigas a tua vida diariamente,

que no momento seguinte se faz história,

uma lembrança em sobrevida na memória,

que nunca mais vivenciarás completamente

e através de escolhas diárias do porvir

em teu presente ele já deixa de existir!

 

A RAINHA ESQUECIDA I – 17 DEZ 21

Uma rainha existiu no antigo Egito,

por nome Udjebten, mas que ninguém recorda;

só na lembrança do eigiptólogo se acorda

e mesmo nesta não causa grande agito!

 

Mas de Udjebten ter pirâmide é descrito,

no deserto da Líbia erguida à borda,

pouco ao sul de Saqqara e se concorda

que Inhotep talvez seu plano tenha escrito,

sua construção ordenada pelo então faraó,

Djoser, que a teria muito amado

e quis seu túmulo erguido do seu lado,

mas com modéstia talvez de causar dó,

ante a imponência da Pirâmide de Degraus,

em que sua múmia enfrentou os tempos maus!

 

A RAINHA ESQUECIDA II

Não será fácil obter-se informação

sobre Udjebten, que nunca foi famosa

como Hatshepsut, nem por igual formosa

à Nefertiti que despertou adoração!

 

Tão somente se conhece a situação

e hieróglifos a dizer que foi graciosa,

que de Djoser a esposa foi honrosa,

no Antigo Reino de tão longa duração,

que seis mil anos atrás ela viveu

e não se sabe o ano em que morreu,

unicamente que mereceu tal homenagem

e que Inhotepo foi o provável construtor

do monumento a seu precário amor,

devorado pelo tempo em sua voragem!

 

A RAINHA ESQUECIDA III

Já não se encontram múmias em Mennefer,

a Mêmfis grega, há muito pirateadas

as antigas pirâmides então avantajadas

(talvez o nome tenha sido Mennofer).

 

Forma um triângulo para quem quiser

visitá-la, ao sudoeste das arruinadas

construções antes ali galhardoadas,

o vento e a areia tudo a desfazer.

Não tem de longe essa audaz imponência

das três famosas Pirâmides de Gizé,

foi bem recente sua descoberta até,

mas se não fosse das areias a potência

ou a ausência de chuvas nesse Egito,

não restaria sequer no tênue som de um grito...

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