AMORID-19 I – 15 DEZ
21
(Eleonora Duse, atriz de teatro, século XIX)
Amor é uma doença
infecciosa,
que nos invade pelos
olhos e o nariz,
mais expansiva do que
um chafariz,
armadilha sorrateira
e poderosa!
Se pandemia, porém,
existe deliciosa
é esta que o deusinho
cego quis
espalhar pelo mundo
feito giz,
nuvem perpétua e de
presença vaporosa,
que nos envolve desde
a antiguidade
e para a vida
aparente tem função
bem mais potente que
a simples atração,
mesmo que ataque em
tal deslealdade
de sintomas corporais
e ação sensual,
todo o organismo
perdido no sexual.
AMORID-19 II
Essa função vital
chamada amor
é coisa realmente bem
traiçoeira:
nesse domínio da
humanidade inteira,
quanto ciúme causou e
quanta dor!
Quanta vaidade e
orgulho de fervor,
desavenças provocando
numa esteira,
a quanta gente
dominou essa altaneira
emoção e quanta morte
em seu calor!
Porque o que chamam
de amor é passageiro
e quando passa, deixa
empós melancolia
ou um desatino que
matar até podia,
que o ódio dizem se
estampar ligeiro
no outro lado dessa
moeda enferrujada
ou em suicídio nos
conduz ao nada!
AMORID-19 III
Contudo, existe o
verdadeiro amor,
em parte oriundo desse
amor-instinto
que a mãe demonstra,
porém sendo distinto,
só para um filho é
que volta seu calor!
Não pelos filhos
alheios seu pendor,
talvez por eles até
rancor retinto;
mas por estranhos é
este amor que pinto,
que aos poucos nos
engloba em seu fervor.
O amor carnal é
limitado por sexor,
mas é possível se
formar dedicação
entre as mentes pela
força do carinho,
que é permanente, mas
despido de esplendor,
se a bactéria no
espírito se entranha
e essa doença de amor
perfeição ganha!
FUTURID-19 I – 16 DEZ 21
Tu crias teu futuro e o assassinas em segredo
ou então permites a teu passado cada escolha,
se de propósito não voltas cada folha,
mas ao que já foste deixas guiar tua vida...
Mas se encruzilhada for por ti
gerida,
será uma só vereda que se acolha,
que mil sendeiros cobrirás com rolha,
de tua existência a malha assim tecida.
Assim abraças tuas escolhas no presente,
mas extremamente veloz será a opção,
que a ti se expande em bem diversa dotação
que se outra estrada perante ti se assente,
um novo leque faz que logo se apresente,
largo o futuro e de perpétua alternação.
FUTURID-19 II
Quando escolhes um fio, chega o presente,
que muito mais que as Parcas, já o corta
e empurrado ao passado, ali se aborta:
nunca retorna a lembrança mais potente...
No antanho concentra o tesouro subjacente,
mas que aos poucos se mistura e já se entorta,
que o futuro já vivido é coisa morta,
que não se invoca pelo desejo mais urgente,
que esse destino que escolheste velozmente,
ainda mais rápido cruza o umbral do teu presente
e em teu passado se congela o teu porvir;
nesse processo vital duro e inclemente,
não tens presente sem buscar o teu futuro,
que do passado se argamassa em inerte muro.
FUTURID-19 III
Mas na verdade, essa escolha não existe
entre quereres capturar o teu futuro
e a conservar-te no presente bem seguro,
por mais que tal noção pareça triste...
Que esse presente que por instante viste
logo se mescla a teu passado impuro;
se teu presente te deu fruto maduro,
foi devorado e já não mais persiste,
porque mastigas a tua vida diariamente,
que no momento seguinte se faz história,
uma lembrança em sobrevida na memória,
que nunca mais vivenciarás completamente
e através de escolhas diárias do porvir
em teu presente ele já deixa de existir!
A RAINHA ESQUECIDA I – 17 DEZ 21
Uma rainha existiu no antigo Egito,
por nome Udjebten, mas que ninguém recorda;
só na lembrança do eigiptólogo se acorda
e mesmo nesta não causa grande agito!
Mas de Udjebten ter pirâmide é descrito,
no deserto da Líbia erguida à borda,
pouco ao sul de Saqqara e se concorda
que Inhotep talvez seu plano tenha escrito,
sua construção ordenada pelo então faraó,
Djoser, que a teria muito amado
e quis seu túmulo erguido do seu lado,
mas com modéstia talvez de causar dó,
ante a imponência da Pirâmide de Degraus,
em que sua múmia enfrentou os tempos maus!
A RAINHA ESQUECIDA II
Não será fácil obter-se informação
sobre Udjebten, que nunca foi famosa
como Hatshepsut, nem por igual formosa
à Nefertiti que despertou adoração!
Tão somente se conhece a situação
e hieróglifos a dizer que foi graciosa,
que de Djoser a esposa foi honrosa,
no Antigo Reino de tão longa duração,
que seis mil anos atrás ela viveu
e não se sabe o ano em que morreu,
unicamente que mereceu tal homenagem
e que Inhotepo foi o provável construtor
do monumento a seu precário amor,
devorado pelo tempo em sua voragem!
A RAINHA ESQUECIDA III
Já não se encontram múmias em Mennefer,
a Mêmfis grega, há muito pirateadas
as antigas pirâmides então avantajadas
(talvez o nome tenha sido Mennofer).
Forma um triângulo para quem quiser
visitá-la, ao sudoeste das arruinadas
construções antes ali galhardoadas,
o vento e a areia tudo a desfazer.
Não tem de longe essa audaz imponência
das três famosas Pirâmides de Gizé,
foi bem recente sua descoberta até,
mas se não fosse das areias a potência
ou a ausência de chuvas nesse Egito,
não restaria sequer no tênue som de um grito...
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