AMOR
NÃO TÃO DEVOTO I – 5 DEZ 21
Quando
a mulher escolhe o seu parceiro,
homem
qualquer que do alhures lhe surgiu,
não
saberá quanto de fato a compeliu,
por
mais que seja atraente e seresteiro;
traz
certo ar que transporta parelheiro,
sobre
seus ombros, pois algures já existiu
e
nenhures achará quem já sentiu
amor
igual ao de seu amor primeiro.
Já
dizia Neruda: “!Ay, el primer amor
jamás
se olvida!” Como
isto é verdadeiro!
Por
mais que ao novo amor deseje inteiro
do
amor antigo se recorda algum calor,
ou
quem sabe? Se foi um amor perverso,
seu
mal recorda, meio em temor converso.
AMOR
NÃO TÃO DEVOTO II
Mas
após a sua primeira rejeição,
seu
coração, já em parte remendado,
só
se dispõe a aceitar o deus alado
com
a máxima e devida precaução.
O
amor se esconde não só no coração,
mas
nas dobras do ventre abandonado,
nas
entranhas do cérebro espantado,
no
fígado hormonal de sua emoção.
Sempre
é difícil aceitar um novo amor,
a
não ser sob o disfarce de paixão,
quando
percebe desde o começo, então,
que
nada dele será conservador,
pois
já passou por esse turbilhão,
breve
centelha que desfaz-se sem razão.
AMOR
NÃO TÃO DEVOTO III
Assim
escolhe um novo amor sem nostalgia,
bem
sopesado, se o deseja permanente,
da
sedução não se acolhe no aparente,
seu
coração para o futuro espia,
julgando
assim até que ponto serviria
seu
novo par, sem demasiadamente
aguardar
pela fagulha evanescente
do
antigo amor com que antes se iludia.
O
que importa é a firmeza de seu lar,
com
alguns filhos que, de fato, possa amar,
mesmo
que o amor por seu par seja macio,
sem
arroubos de emoção, mas de carinho,
só
lhe votando um fervor mais pequeninho,
porém
mais sólido que o velho amor de cio.
O
RICO E O TERREMOTO I – 6 DEZ 21
Na
Surata Vinte e Oito, “As Narrativas”,
ou
Surat Alkassas, o Alcorão
menciona
o exemplo de um orgulho vão,
de
suas Parábolas, uma das mais vivas.
Invoca
Alá, com exortações altivas,
a
testemunhas de cada nação,
que
não sigam do Livro a Sua noção,
que
justifiquem, com provas incisivas,
o
real valor dos deuses a que adoram
e
nesse instante de puro julgamento,
as
divindades que haviam inventado
se
desvanecem e então elas deploram,
talvez
veraz seu arrependimento,
esses
erros que haviam consagrado.
O
RICO E O TERREMOTO II
Dá
como exemplo a luz, caso a apagasse
e
o dia conservasse em noite eterna,
qual
outro deus de energia mais superna
poderia
fazer que a luz brilhasse?
E
havia um Judeu, a quem Deus abastasse,
chamado
Karum, com Sua piedade terna,
que
de muitos bens enchera, mas se aderna
para
a soberba de que se jactanciasse.
Narra
a Surata possuir tantos tesouros
que
só homens robustos suas chaves poderiam
transportar
e que o próprio povo de Moisés
o
repreendia por seus erros duradouros:
“Não
te gabes assim, quais se terias
só
por teus méritos conquistado o quanto és!”
O
RICO E O TERREMOTO III
Porém
Karum não se dispôs à humildade
e
afirmou que se Deus lhe concedera
o
quanto tinha era por mérito que tivera
e
não somente por Sua grande bondade.
E
acrescentando mais orgulho à sua maldade,
exibiu
suas riquezas a quem quisera
assistir
a um desfile em que expusera,
para
mostrar a sua extensão em realidade.
Porém
a Providência causou um terremoto
e
foi tragado com toda a sua vaidade,
quando
até mesmo sua casa se afundou!
Alá
tudo vê, por mais seja remoto
e
assim despiu-o de Sua prodigalidade:
quem
o invejava, arrependeu-se e O adorou!
O
ALENTO MAIS REMOTO I – 7 DEZ 21
Caso
aceitares o tempo por constante
ser,
pela prova que te dá de um novo alento,
pensa
somente quão veloz é tal momento
em
que já o ar expeliste nesse instante;
seria
tua vida mesmo então periclitante,
caso
o tempo parasse em seu acento,
ficasse
o ar em teu pulmão assento,
sem
o oxigênio te distribuir, vibrante!
Não
dura o tempo por mais que essa centelha
que
abrangeste com tua inspiração,
em
que o guardaste dentro do pulmão
e
a seguir o expiraste para a relha
dos
ventos, que de novo o espalharam
para
os confins e nada dele te deixaram...
O
ALENTO MAIS REMOTO II
Como
sabes se foi o ar guardado no passado
ou,
pelo menos, esse ar que já foi teu?
Onde
o oxigênio desse ar que se perdeu?
tão
só a lembrança de teu pulmão inflado.
Como
sabes se algum ar existe reservado
para
ti em algum futuro, sob o céu?
Não
há sequer garantia desse véu:
apenas
julgas que algum tempo está guardado.
Se,
por acaso, algum vento guardarás,
como
sabes se ficará guardado para ti?
O
vento sobra aonde quer e o escutas,
mas
tão somente seus efeitos notarás:
o
ar só para o vento é que sorri,
teu
respirar é o resultado de labutas!
O
ALENTO MAIS REMOTO III
Na
realidade, precisas sempre decidir
a
cada instante, se vais de novo respirar
e
qual porção desse intangível ar
dentro
de ti então podes discernir?
Os
teus pulmões encher irás sentir,
mas
qual é a brisa que lá foste buscar?
Foi
tua escolha à direita te voltar
ou
para a esquerda teu rosto compelir.
Só
porque é teu o tempo inteiro existe,
tu
mesmo o crias com cada decisão:
teu
é esse tempo e já de ninguém mais.
Por
mais que isto parecer te possa triste,
ninguém
depende que te bata o coração,
nem
o tempo alheio respirarás jamais!
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