sexta-feira, 10 de dezembro de 2021


 

 

AMOR NÃO TÃO DEVOTO I – 5 DEZ 21

 (Clara Bow, atriz do cinema mudo)


Quando a mulher escolhe o seu parceiro,

homem qualquer que do alhures lhe surgiu,

não saberá quanto de fato a compeliu,

por mais que seja atraente e seresteiro;

traz certo ar que transporta parelheiro,

sobre seus ombros, pois algures já existiu

e nenhures achará quem já sentiu

amor igual ao de seu amor primeiro.

Já dizia Neruda: “!Ay, el primer amor

jamás se olvida!” Como isto é verdadeiro!

Por mais que ao novo amor deseje inteiro

do amor antigo se recorda algum calor,

ou quem sabe? Se foi um amor perverso,

seu mal recorda, meio em temor converso.

 

AMOR NÃO TÃO DEVOTO II

 

Mas após a sua primeira rejeição,

seu coração, já em parte remendado,

só se dispõe a aceitar o deus alado

com a máxima e devida precaução.

O amor se esconde não só no coração,

mas nas dobras do ventre abandonado,

nas entranhas do cérebro espantado,

no fígado hormonal de sua emoção.

Sempre é difícil aceitar um novo amor,

a não ser sob o disfarce de paixão,

quando percebe desde o começo, então,

que nada dele será conservador,

pois já passou por esse turbilhão,

breve centelha que desfaz-se sem razão.

 

AMOR NÃO TÃO DEVOTO III

 

Assim escolhe um novo amor sem nostalgia,

bem sopesado, se o deseja permanente,

da sedução não se acolhe no aparente,

seu coração para o futuro espia,

julgando assim até que ponto serviria

seu novo par, sem demasiadamente

aguardar pela fagulha evanescente

do antigo amor com que antes se iludia.

O que importa é a firmeza de seu lar,

com alguns filhos que, de fato, possa amar,

mesmo que o amor por seu par seja macio,

sem arroubos de emoção, mas de carinho,

só lhe votando um fervor mais pequeninho,

porém mais sólido que o velho amor de cio.

 

O RICO E O TERREMOTO I – 6 DEZ 21

 

Na Surata Vinte e Oito, “As Narrativas”,

ou Surat Alkassas, o Alcorão

menciona o exemplo de um orgulho vão,

de suas Parábolas, uma das mais vivas.

Invoca Alá, com exortações altivas,

a testemunhas de cada nação,

que não sigam do Livro a Sua noção,

que justifiquem, com provas incisivas,

o real valor dos deuses a que adoram

e nesse instante de puro julgamento,

as divindades que haviam inventado

se desvanecem e então elas deploram,

talvez veraz seu arrependimento,

esses erros que haviam consagrado.

 

O RICO E O TERREMOTO II

 

Dá como exemplo a luz, caso a apagasse

e o dia conservasse em noite eterna,

qual outro deus de energia mais superna

poderia fazer que a luz brilhasse?

E havia um Judeu, a quem Deus abastasse,

chamado Karum, com Sua piedade terna,

que de muitos bens enchera, mas se aderna

para a soberba de que se jactanciasse.

Narra a Surata possuir tantos tesouros

que só homens robustos suas chaves poderiam

transportar e que o próprio povo de Moisés

o repreendia por seus erros duradouros:

“Não te gabes assim, quais se terias

só por teus méritos conquistado o quanto és!”

 

O RICO E O TERREMOTO III

 

Porém Karum não se dispôs à humildade

e afirmou que se Deus lhe concedera

o quanto tinha era por mérito que tivera

e não somente por Sua grande bondade.

E acrescentando mais orgulho à sua maldade,

exibiu suas riquezas a quem quisera

assistir a um desfile em que expusera,

para mostrar a sua extensão em realidade.

Porém a Providência causou um terremoto

e foi tragado com toda a sua vaidade,

quando até mesmo sua casa se afundou!

Alá tudo vê, por mais seja remoto

e assim despiu-o de Sua prodigalidade:

quem o invejava, arrependeu-se e O adorou!

 

O ALENTO MAIS REMOTO I – 7 DEZ 21

 

Caso aceitares o tempo por constante

ser, pela prova que te dá de um novo alento,

pensa somente quão veloz é tal momento

em que já o ar expeliste nesse instante;

seria tua vida mesmo então periclitante,

caso o tempo parasse em seu acento,

ficasse o ar em teu pulmão assento,

sem o oxigênio te distribuir, vibrante!

Não dura o tempo por mais que essa centelha

que abrangeste com tua inspiração,

em que o guardaste dentro do pulmão

e a seguir o expiraste para a relha

dos ventos, que de novo o espalharam

para os confins e nada dele te deixaram...

 

O ALENTO MAIS REMOTO II

 

Como sabes se foi o ar guardado no passado

ou, pelo menos, esse ar que já foi teu?

Onde o oxigênio desse ar que se perdeu?

tão só a lembrança de teu pulmão inflado.

Como sabes se algum ar existe reservado

para ti em algum futuro, sob o céu?

Não há sequer garantia desse véu:

apenas julgas que algum tempo está guardado.

Se, por acaso, algum vento guardarás,

como sabes se ficará guardado para ti?

O vento sobra aonde quer e o escutas,

mas tão somente seus efeitos notarás:

o ar só para o vento é que sorri,

teu respirar é o resultado de labutas!

 

O ALENTO MAIS REMOTO III

 

Na realidade, precisas sempre decidir

a cada instante, se vais de novo respirar

e qual porção desse intangível ar

dentro de ti então podes discernir?

Os teus pulmões encher irás sentir,

mas qual é a brisa que lá foste buscar?

Foi tua escolha à direita te voltar

ou para a esquerda teu rosto compelir.

Só porque é teu o tempo inteiro existe,

tu mesmo o crias com cada decisão:

teu é esse tempo e já de ninguém mais.

Por mais que isto parecer te possa triste,

ninguém depende que te bata o coração,

nem o tempo alheio respirarás jamais!

 

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