segunda-feira, 21 de março de 2022


 

 

AMOR DE SOMBRAS I  (2006) [Revisado a l6/3/2022]

 

Pensamentos me espreitam dos fulcros mais secretos:

são morcegos alados, com asas de algodão

ou gaivotas famintas, roendo o coração,

na ciranda opressiva da morte dos afetos...

 

Aqui eu vivo a sós, meus céus são mais discretos

que as bênçãos zodiacais de arcana maldição:

não faço o que me querem, recuso a indicação

dos signos tortuosos de antigos dialetos...

 

Sou a sombra fugaz da sombra indiferente:

sou reflexo despido e desnudo é meu reflexo,

sou frestas cristalinas de mil cristais rachados.

 

Sou porta-voz das sombras e sinto-me impotente

para negar minha língua aos que não têm mais sexo

e a campainha me apertam com dedos descarnados.

 

AMOR DE SOMBRAS II  (9/8/2009)

 

Há coisas que nem sei se te falar devia,

não de erradas ou secretas, mas de inúteis.

Existem certas coisas que, inconsúteis

na alma não provocam o efeito que eu queria.

 

É inútil te falar, porque não quererias

ouvir.  Mesmo que saibas serem úteis

as coisas que te digo e em nada fúteis,

evitas escutar.  Talvez que esperarias

 

que minha boca ficasse aberta eternamente.

Passado o tempo em que escutar devias,

quando quiseres, meu tempo já passou.

 

Escuta agora, enquanto estou presente,

antes que cale a boca e cheguem dias

em que tudo que era inútil se acabou.

 

AMOR DE SOMBRAS III

 

Irei tentar novos ritmos e esquemas,

mas não agora.   Já sinto a nostalgia

da influência dos mortos neste dia,

não que pretenda plagiar-lhes seus poemas.

 

Porém se encaixam em mim os entimemas   (*)

que hão de levar-me à chuva serôdia

de novos artifícios, de escusa fancaria:

a desusadas métricas, apenas...

 

Não que meu estro em tal filão copie

porque, de fato, são métricas antigas,

que permiti-me empregar por livre escolha.

 

E que meus versos, então, não mais adie,

num rutilar agudo, em velhas bigas,

conforme o vento em que se agita a folha.

(*)  Silogismo truncado.  Argumento em que  uma das proposições

é subentendida, seja a antecedente, seja a consequente.

 

AMOR DE SOMBRAS IV

 

Meu amor ama a paixão da solidão:

não que paixão amor final revele,

se bem que, em solidão, eu te desvele

o verdadeiro amor do coração.

 

Não que te ame em clara exultação,

como te amei um dia, mas que anele

poder amar o amor que mais compele,

desvele e vele a mais pura emoção.

 

Amar amor é real paixão de esteta,

que não deseja real o que deseja,

mas realiza, no ensejo que desliza

 

a lisa sorte escusa de um poeta,

gastrônomo do odor da solidão,

na qual espuma e flutua o coração.

 

AMOR DE SOMBRAS V (Completado 17/3/22]

 

Nem sei se sabes o que queres.   Queres

poder dizer que queres o que sabes,

mas o que queres tu não sabes.   Sabes

que não queres ouvir e assim me feres,

 

porque feres a ti.   Mas não esperes

saber porque ferir hoje me caiba.

Cabe ferir a quem mais ferir saiba,

mas não te ferirá se um dia quiseres

 

um lance breve, em que outra dor recaia

no ferimento antigo que nutriste

na aguardança de outra dor que nele caia,

 

sobre a ferida, em gesto calculado.

Talvez te fira, mas não qual me feriste,

na distração de um amor já congelado. 

 

AMOR DE SOMBRAS VI

 

Que seja amor sem esperança a espera

de que essa espera não se faça em desespero,

que o resultado pleno não se torne em zero,

gerando a sombra do amor que a sombra gera.

 

Que seja amor um retorno, quem me dera!

Que seja o sonho da sombra um sonho vero

e que não seja a esperança apenas mero

esperar da sombra que ao amor não aquiescera.

 

Que todo amor é sonho de esperança

e toda a sombra é da sombra a geração,

a sombra-mãe abraçada à sombra-filha,

 

enquanto amor adormece na mudança

e a oração de ouro a nova estilha,

sombra gerando em seu próprio coração.

 

AMOR DE SOMBRAS VII

 

Cada um de nós ganha sua estrela

no momento mesmo de sua concepção,

com ela vive, dela recebe galardão,

conforme o brilho a brilhar dessa janela,

 

encrustrada no manto que congela

essa cósmica e infinita escuridão,

tal qual nos conta a antiga tradição,

alguns com má estrela, outros com bela.

 

Cada um de nós é uma sombra do estelar

que se reflete no espectro das cores,

estrelas verdes, amarelas ou encarnadas,

 

sombras de estrelas, amor a apascentar,

tendo igualmente os múltiplos pendores

de que as almas humanas são dotadas.

 

AMOR DE SOMBRAS VIII

 

E no momento que torna a escuridão

e a vida terrenal em nós se apaga,

sai a alma a fluir qual luciérnaga,

na busca de outro astro seu irmão,

 

em que se apega e reside com paixão,

seus gume e prancha a brilhar igual adaga,

a quem amor na Terra ainda afaga,

porém amor de amigo ou amor de irmão.

 

E a cada qual sua estrela magnifica

numa vida fugaz neste planeta,

criadas todas para a humanidade,

 

porque o centro do Universo ainda fica

ao redor deste Sol que nos secreta

diariamente o seu vigor e claridade.

 

AMOR DE SOMBRAS IX (Completado a l8/3/22)

 

Mas caso surja qualquer objeção

de que não haja estrelas para tantos,

só os astrônomos é que calculam quantos

são esses fachos de cor na escuridão

 

e dessa forma, através da exploração

se identificam mais jóias nesses mantos,

gravando a música das esferas em seus cantos,

novas galáxias dando a cada geração,

 

que são criadas para cada ser humano

e se não as avistaram os antigos

é que nos céus não haviam ainda surgido,

 

bem menos os ancestrais greco-romanos,

quando ao cair das beiradas havia perigos

da Terra Plana desse mundo conhecido.

 

AMOR DE SOMBRAS X

 

Porque não é que se descubra realmente

deste mundo de sombras o que há;

é a nossa mente que o total conceberá

a engalanar a ciência totalmente,

 

pois só depois que a redondeza se pressente

é que a Terra redonda se fará;

naturalmente que habitantes não terá,

foram criados pelo espanto de uma mente

 

e só depois por Portugueses ou Saxões,

antes vazio o mundo além do Oceano,

até que olhares humanos devassassem,

 

apenas sombras em escuros quarteirões,

moldadas todas pelo esforço humano,

para que seus descendentes encontrassem.

 

AMOR DE SOMBRAS XI

 

Os pensamentos espreitam de tocaia,

para criar na mente humana seus reflexos,

sombras sutís que em nós encontram nexos,

hastes de leques em variegada baia,

 

que em nossos corações explodem raia

e nos sugerem o gozo dos amplexos

e transformam em amor ritos de sexos,

que a alma sobre o corpo assim recaia

 

e traga à luz os mais nobres sentimentos,

constante luta com lustrais instintos,

gerando estrelas em castiços pensamentos

 

e cada vida na morte se incendeia,

recorta sombras em formais recintos,

com que se expande o Universo nessa teia.

 

AMOR DE SOMBRAS XII

 

Porque quem as sombras ama, ama o amor,

que todo amor não passa de uma sombra;

fechadas as janelas, cresce a alfombra

e se expande em seu trilho de negror;

 

mas essas sombras são de estrelas o vigor

e cada amor a nova estrela assombra

e no vagido da criança assim ressumbra

o canto augusto do universo multicor.

 

Nesta toada meus pensamentos revelei

e não percebo porque não concordarias

com a zodiacal e multiarcana confissão,

 

com que minha sombra pela tua rocei,

sem dar-te o amor que de mim esperarias,

mas tão somente nova sombra de ilusão.

 

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