ESCOLHA
IMPROVÁVEL I – 19 MAR 22
Não
sei porque fui de minha esposa o escolhido.
Não
foi, de fato, por dinheiro ou posição,
que
destas tive limitada minha porção:
bem
poderia alguém melhor ter obtido.
Não
que a tenha em nada destituído,
sempre
a mantive em adequada provisão;
sem
dar-lhe luxo, dei-lhe a nutrição,
mas
muito mais ter podia conseguido.
Não
foi por falta de outros pretendentes,
do
que eu bem melhor aquinhoados,
que
lhe dessem vida de luxo ou confortável
e
no entretanto, os pôs de lado, descontentes,
mesmo
que fossem bem melhor apessoados
ou
mais que eu tendo aspecto saudável.
ESCOLHA
IMPROVÁVEL II
Mas
aqui estou, porque fui seu escolhido,
mesmo
sabendo ser bastante inconveniente;
anos
passados, ainda estou presente,
ainda
que a tenha alguma vez desiludo;
por
corte longa fui enfim introduzido
neste
relacionamento um tanto diferente,
até
que enfim demonstrasse-se aquiescente
e
desde então, temos sempre convivido.
Pois
de fato, em muitas coisas me ajudou,
como
apoio foi-me sempre a garantia,
inda
que de ânimo fosse imponderável;
mas
quando tive necessidade, me amparou
e
novamente esta dúvida me espia:
por
que a mim escolheu, tão amorável?
ESCOLHA
IMPROVÁVEL III
Por
certo que do amor fui cuidadoso,
nunca
retive palavras de carinho,
sempre
estive a seu lado no caminho
e
no geral demonstrei ser amoroso;
mas
a razão de ser assim ditoso,
se
bem perdido nestes versos de azevinho,
a
dedicar tantas horas neste linho
bordado
a versos de modo fabuloso,
em
tantas horas desse alado conceber,
em
tantos meses a desgastar, perdida,
a
hora e o tempo que deveriam ser seu,
ainda
me foge, pois julguei não merecer
o
seu amor através da longa vida,
enquanto
ela ainda merece todo o meu!
MEMÓRIA
PONDERÁVEL I – 20 MAR 22
Memórias
são memórias, mas contatos
têm
existência apenas nas memórias;
e
as relações serão mais peremptórias
ou
sobrevivem neste fluxo dos fatos?
Quais
memórias sobrevivem nos palatos?
Temos
na língua arquivo das histórias
de
cada sabor de delicadas glórias
ou
de cada amargor de azedos pratos?
Será
preciso que o paladar envie
até
o cérebro, para obter perícia,
qualquer
gosto que na língua se derrame?
Quando
a resposta que de lá se crie
dará
tempo ao veneno em sua nequícia,
até
que a morte seu império nos proclame?
MEMÓRIA
PONDERÁVEL II
Quais
as memórias a viver em teu olhar?
Certamente
as manipula o teu quiasma,
atrás
da testa, mas será que pasma
a
definir qual o valor de algum brilhar?
E
se direto ao Sol fores fitar,
sem
entender que tua pupila espasma
e
que tua vista precisará de cataplasma,
por
esse trânsito podes esperar?
Ou
mesmo no que tange à tua audição,
terão
memórias individuais os teus ouvidos,
sem
aguardar pela resposta das cocléias?
E
se ameaça de estrondosa duração
se
manifesta, antes que sejam perdidos
momentos
breves para tal preservação?
MEMÓRIA
PONDERÁVEL III
De
modo igual, no referente ao tato,
se
a retirada é imediata de tua mão,
teriam
essas papilas realmente condição
de
reagir antes que chegue o desacato?
Ou
dependerão da memória nesse fato,
até
que chegue desde a mente a permissão,
quando
a palma já queimaste sem perdão?
(Para
nós menos importante sendo o olfato.)
As
memórias, embora julgue necessárias,
armazenadas
em numerosos escaninhos,
não
nos permitem a reação mais imediata
em
nossas múltiplas relações diárias,
por
isso erramos dos jeitos mais mesquinhos,
enquanto
a memória ainda pondera timorata!...
DANÇA
INCONTROLÁVEL I – 21 MAR 22
O
tempo da noite trouxe-me a miragem,
toda
composta por proposições,
em
cada aresta mil preposições,
da
cor do vento a esbater a estalagem
em
que habita minhalma, na visagem
que
recobria de meus olhos suas funções,
quais
bactérias a proclamar suas mutações,
na
composição negrejante da mensagem.
O
tempo da noite me soprou o vento,
pelas
cocléias reabriu-me o pensamento,
num
encontro de diluídas sensações;
o
tempo da noite mediu-me o parapeito
e
se instalou dentro dalma, com despeito
pelas
quimeras que soprei de meus pulmões.
DANÇA
INCONTROLÁVEL II
O
tempo da noite fingiu-me dotações,
mentiras
a gerar em passatempo,
deixando
o sono perdido em tal momento,
psicotrópicas
a mesclar-me datações,
num
polvorinho de vida e de ilusões,
suas
mil palavras assopradas num portento,
liquefazendo
ao meu humano figmento,
qual
um corpo abraçado em mil paixões.
Suas
palavras a sussurrar em seiva morna,
entre
meus braços devaneio que se torna
quase
verdade nesse sonho sem perdões;
quando
a palavra se faz vento suave
dentro
da mente a flutuar-me feito ave,
seus
remígios a bater-me em turbilhões. (*)
(*)
As penas-guia nas pontas da asas.
DANÇA
INCONTROLÁVEL III
A
palavra em meus braços faz-se humana,
embora
eu não soubesse me vigiara,
a
palavra que era carne me abraçara
na
solidão dessa noite trans-humana.
Vento
e palavra na mais sagrada gana,
o
tempo ao sonho nessa dança derramara,
a
palavra feita carne unhas cravara
e
me transpassa em antimonia plana,
sem
permitir-me, de fato, que vigiasse,
meu
relógio enlouquece à cabeceira
e
a cabeça se rebolca nessa poeira,
enquanto
o vento todo o tempo reclamasse,
até
a palavra enroscada no lençol
perder-se
inteira em dobras vivas do arrebol.
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