GLÓRIA
TERRENAL I – 23 FEV 22
“Os
céus declaram a glória de Deus
e
o firmamento anuncia a obra de Suas Mãos”,
disse
o salmista há tantas gerações,
nos
velhos tempos do reino dos Hebreus.
Talvez
já nesse período os Saduceus,
que
não acreditavam em ressurreições,
pensassem
antes nas próprias intenções
e
se esforçassem tão só por lucros seus.
Já
os Fariseus, que nelas acreditavam,
só
pela letra da Lei as procuravam,
sem
qualquer crença na graça ou na bondade.
E
desse modo, uns e outros mais buscavam
sua
própria honra e sua trivialidade,
em
desespero, mais que por vaidade.
GLÓRIA
TERRENAL II
Em
grande parte, a glória que buscavam
não
era em absoluto a luz divina,
mas
qualquer luz visível que os fascina,
que
para eles só brilhar consideravam.
Os
céus assim aos homens declaravam
cada
tendência que sua própria vida inclina;
para
os Judeus, qual pecado se destina,
sem
sentir culpa, os demais povos os louvavam.
Eram
outros tantos deuses que temiam
e
aos quais ofereciam holocaustos,
de
que os deuses, em poderosos haustos,
respiravam
o “suave cheiro” e o apreciariam;
mesmo
na Bíblia se repete esta expressão,
tal
qual se Jeová apreciasse essa ilusão!
GLÓRIA
TERRENAL III
Mas
quando sacrifícios se enviavam,
era
uma forma de aos deuses dominar:
os
céus declaram o quanto podem desejar
e
suas volúpias distantes se acalmavam.
Em
seu primevo entender os enganavam
e
assim os céus poderiam controlar.
(Mesmo
Abraão julgou poder argumentar
com
Jeová e os dois que O acompanhavam!)
Assim
a glória terrena prosseguia,
ficando
os deuses só a cochilar,
os
seus pulmões satisfeitos da fumaça.
E
a negociata diariamente se fazia,
a
Terra dos homens a glória a declarar,
julgando
assim se afastar toda a desgraça.
GLÓRIA
TERRENAL IV
Foli
desse modo que surgiu a astrologia:
os
céus dos homens a declarar a glória,
o
seu destino, suas tristezas ou vitória,
consoante
a hora e a data em que nascia.
Cada
figura do Zodíaco mostraria
o
seu futuro já em registrada história,
nos
decanatos dominada e merencória
e
nem um deus transformá-la poderia!
O
firmamento à sua obra o prenderia;
assim
a glória humana manifesta!
(Sendo
um Deus Único mais fácil dominar!)
Ainda
mais que a Sua Lei já nos dizia,
enquanto
a multidão que os céus empesta
era
preciso diariamente propiciar!...
OLOR
DE AMOR I – 24 FEV 22
o
perfume do amor sinto no rosto,
em
cada poro penetra lentamente,
em
minhas lágrimas se esfrega redolente,
nas
comissuras dos lábios ainda posto.
esse
perfume de amor não traz desgosto,
mesmo
esvaído em fumaça iridescente,
em
minha memória sempre onipresente,
sem
o ressaibo que nos deixa o mosto.
o
perfume do amor me torna vivo,
mesmo
durante minha pequena morte,
essa
modorra que se chama sono;
ainda
percebo nos poros o seu crivo ,
ainda
me orienta, minha bússola, meu norte,
por
mais longínquo que seja o abandono.
OLOR
DE AMOR II
o
perfume do amor é meu tambor,
o
meu surdo, meu bombo, minha tarola,
o
meu ritmo cardíaco controla
e
marcho avante ao ritmo do odor;
esse
perfume de amor é meu vigor,
mesmo
dentre a tempestade me consola,
fios
amolgados constantemente amola,
nesse
perfume metálico do amor.
o
perfume do amor é a sedução
que
me entra nos ouvidos e ressoa
em
minhas cocleias e cada tímpano estremece;
o
perfume do amor é minha visão,
que
no quiasma ótico não se escoa,
mas
faz teu rosto tremeluzir em prece.
OLOR
DE AMOR III
já
nem sei quantos, através da vida
foram
os milhares de poemas que escrevi,
para
estrofes de amor me transferi,
em
sua semente plúmbea e incontida.
cada
palavra que de meus dedos é vertida
dá-me
a impressão de que por ela escorri,
que
o derradeiro soneto concluí,
tudo
foi dito, a ilusão foi desvarida.
e
então, como em fúria de alvorada,
o
teu perfume retorna-me às narinas
e
algo começa de novo a coalescer,
versos
novos a assoviar em disparada,
quais
esmeraldas de olvidada mina,
sobre
meus dedos glaucas a escorrer.
BICO
DE CHALEIRA I – 25 fev 22
a
água da chaleira forma um arco
quando
na térmica vai se projetar;
diariamente
eu me ponho a meditar:
por
que não forma um retilíneo marco?
quando
bem cheia, começa a formar charco,
cobre
o tampo do balcão no seu pingar;
com
pano de prato em vão busco secar:
logo
se empapa o velame desse barco!
não
me recordo se no tempo antigo,
quando
cada chaleira tinha um bico,
se
era reto o jato ou se era curvo;
há
dias mexo na memória e não consigo,
com
outras coisas ensimesmado fico:
perde-se
a imagem no passado turvo!
BICO
DE CHALEIRA II
as
coisas mudam através da vida,
não
foi escolha por mim deliberada,
mas
com frequência pelo uso mutilada
caía
o bico da chaleira desvalida...
soldar
de volta era coisa até querida,
mas
raramente ficava bem pregada,
por
uma fenda era a água resvalada,
talvez
os dedos se queimassem em seguida!
abandonado
o bico da chaleira velha,
hoje
a chaleira sem bico triunfou,
com
bicos quase não mais se fabricou
e
na memória a lembrança não se espelha:
será
que o jato com o bico era mais reto
ou
a gravidade o entortava já completo?
BICO
DE CHALEIRA III
de
igual modo, acabou abandonado
o
tampo opaco de sua cobertura:
ficava
ele a tremer de forma impura,
como
um sininho de natal apalermado!
dizem
que james watt foi por ele inspirado
a
imaginar uma potência mais segura
de
transportar sem cavalos viatura,
mas
que faria se por olhar atravessado?
decerto
logo se perceberia a fervura,
mas
hoje em dia o tampo é transparente,
para
a inspiração de watt já não serve!
mas
a chaleira ainda tem resposta dura:
não
quer ficar sendo espiada pela gente,
porque
chaleira cuidada nunca ferve!..
O
OLOR DA PALAVRA I – 26 FEV 22
a
Bíblia é clara mas pouco compreendida:
“o
Verbo se fez carne e habitou entre nós”
ou
a Palavra se tornou em humana voz:
como
em um ventre se tornaria reduzida?
já
é difícil a natalidade concebida
por
deeneá bordado em tal ilhós,
mas
não houve carne antecedendo o cós
dessa
fazenda humana assim tecida.
há
quem imagine como pomba a divindade,
ou
que Maria sozinha concebesse
ou
que houve algo de laboratorial
ou
até José a gerar paternidade,
quando
a semente do Espírito nele desce,
como
algo de incontestável material.
O
OLOR DA PALAVRA II
Deus
é a Palavra derramada sobre nós,
toda
palavra a transmitir alguma prece;
Deus
é a canção que sobre nós aquece,
todo
o poema que se segue empós.
Deus
é a palavra, por mais que seja atroz,
toda
a palavra de esperança que nos tece,
cada
palavra infeliz que te entristece,
cada
grito e maldição de teu algoz.
pela
Palavra é revestida assim,
qual
servidora trajada de arlequim,
cada
palavra com direito a ver a luz,
por
mais pareça ser tão só verborragia,
toda
palavra na mente humana cria,
que
para muitas veredas nos conduz.
O
OLOR DA PALAVRA III
mas
nada disso pode ser por ti criado,
mesmo
apelando à imaginação sutil,
ou
a um deboche perfeitamente vil,
quando
nada havia por matéria limitado;
ao
encarar-se o que foi claro ensinado,
foi
o Verbo como um som, nada viril
que
encarnou nesse corpo feminil:
a
voz do Verbo assim transmogrifado.
bem
reconheço que não é o que se ensina
por
toda a terra, em teologias cristãs,
por
ser difícil o seu entendimento,
mas
isso que concebeu carne divina
vai
muito além de nossas paixões vãs,
sendo
a pura encarnação do Entendimento!
EM
SONHO UM ROSTO I – 27 FEV 22
Eu
tive um sonho claramente iluminado
pelo
teu rosto em cintilar de estrela,
mais
que o zodíaco em tal faísca bela,
meu
sonho inteiro por teu rosto perolado;
eu
tive um sonho de cores compassado:
o
arco-íris todo em teu rosto se congela,
cada
anel saturnino em ti se anela,
cada
cometa em colar aveludado.
Eu
tive um sonho e vi-me dominado
pelo
esplendor suave de um semblante,
delineado
ali apenas nesse instante,
só
a silhueta, como um véu alado,
mais
que qualquer noção do firmamento,
para
à luz de meus olhos dar alento.
EM
SONHO UM ROSTO II
Eu
tive um sonho claramente dominado
pela
tua voz em conselho bem sutil,
pelo
teu canto contra o céu de anil,
todo
o meu sonho por tua voz sonorizado;
eu
tive um sonho por faixas recruzado
em
ouro e ciano formado num redil,
voz
sussurrante em ressonâncias mil,
por
microfones de estrelas ampliado.
Senti
no sonho a força do recado
de
onde veio para mim a redundância,
qual
a miragem de toda a onirosfera,
qual
foi o beijo que me foi soprado,
qual
o carinho silvado em abundância,
qual
a promessa contida nessa espera.
EM
SONHO UM ROSTO III
Eu
tive um sonho claramente sopesado
por
outro sonho forjado de platina,
pesada
jóia que ao coração destina
a
margem pura de tal sonho marchetado;
não
foi um sonho debruado de pecado,
nem
a malsina de minha futura sina,
sonho
afilado por boca feminina,
na
luz, na voz, seu peso confinado.
Pois
tive um sonho assaz crepuscular,
todo
em dilúculo envolto matutino,
foi
sonho meu em desejo peregrino,
decerto
eu mesmo tudo a imaginar,
na
luz de opala de um anseio pequenino
de
contigo habitar em real sonhar.
EM
FAUNA A DEVOÇÃO I – 28 FEV 22
Ouso
dizer que a devoção felina
é
bem menor que a mostrada pelo cão;
este
é capaz de total abnegação,
enquanto
aquele a bem menos se inclina;
também
se diz que a gata é feminina
e
assim requer cuidado e proteção,
enquanto
o cão tem diversa posição,
numa
atitude talvez mais masculina.
Dizem
que a amante fará por seu marido
qualquer
coisa enquanto esteja apaixonada,
mas
que a paixão não se conserva inteira,
enquanto
o cão, até sua hora derradeira,
sua
devoção mais e mais será ampliada,
nessa
paixão que foi de início concebida.
EM
FAUNA A DEVOÇÃO II
Costuma
o cão caçar em sua matilha,
sempre
aos demais mostra colaboração,
igual
que os lobos em idêntica atuação,
à
alcateia lealdade em toda a trilha.
porém
desde que um filhote se perfilha,
surge
a amizade já ancestral do cão;
cessa
dos lobos a feroz competição,
forma-se
o elo que ao dono o cão encilha.
Fica
o cachorro em torno ao amo a orbitar,
como
o cão-alfa em sua nova dependência;
e
o caçador ou pastor, em seu lugar,
igualmente
a depender desse liame:
nenhum
amor a ter mais consequência
que
esse laço de amor com que nos ame.
EM
FAUNA A DEVOÇÃO III
Mostra-se
o gato mais individualista,
hipnótico
a lançar-nos seu fitar;
somente
aos poucos irá se aproximar,
fingindo
não querer que a gente insista;
e
desse modo, seu bel-prazer conquista,
com
a meiguice de criança em seu olhar,
amor
materno facilmente a inspirar,
mas
falso é o amor que em tal olhar se avista.
Pois
dificilmente um gato morrerá
para
salvar a dama que o criou,
busca
vantagens nessa dependência,
enquanto
o amor não empalidecerá
nesse
animal que a um homem adotou
como
um deus a quem adora com paciência.
EM
ARCO O CORTE I – 1º MAR 2022
O
arco da lua pode cortar o humano arco,
aos
homens despojando de potência;
há
nesse arco uma constante impermanência,
sempre
seu brilho interminente e parco;
o
arco da lua, do firmamento o barco
que
te carrega, sem ter benemerência,
nunca
te busca demonstrar leniência,
nem
te oferece um luminoso marco.
Tampouco
odeia, em sua condescendência,
o
arco da lua, minguante quer crescente:
em
lua cheia tão só te desafia
e
quando a Terra lhe interpõe sua agência,
cobrindo
a Lua em halo indiferente,
o
seu contorno astuto ainda vigia.
EM
ARCO O CORTE II
O
arco da lua simplesmente passa,
sem
se cuidar de teus planos ou desejos;
embalde
aos céus enviarás teus beijos,
nem
bem nem mal tal arco te repassa;
não
esperes se torne o arco teu comparsa,
que
a silhueta a flutuar nos seus adejos,
perante
o albedo terrestre sinta pejos
ou
agradeça, sequer por qualquer farsa.
O
arco da lua não nos traz feitiçaria,
é
apenas belo porque é belo em si,
quando
se apaga não requer teu mal,
quando
se acende não devolve a tua magia:
é
só o milagre que habitava em ti,
em
sua placidez argêntea de coral.
EM
ARCO O CORTE III
O
arco da lua se move compassado,
por
milênios iluminou os teus avós,
esmaga
estrelas qual pilão em mós,
o
arco da lua em mausoléu mostrado;
nunca
Selene ou a Astarteia de pecado
em
sua alvura se interessou por nós,
pende
dos céus como um brilhante ilhós
o
arco da lua, triste raio desbotado.
Contudo
eu amo essa Lua indiferente,
tal
qual no antanho foi amada por poetas,
sem
esperar ter seu amor correspondido,
de
modo igual que o olhar mais indulgente
de
uma mulher tem afeições secretas,
pelas
quais tantos poetas tem morrido!
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