domingo, 20 de março de 2022


 

 

TELA DE TOQUE I  (Dezembro 2006

[Revisada a 13/3/2022]

 

De fato, não importa em que lugar

você se encontre agora, mas aonde,

pelo seu próprio esforço, possa achar

esse sucesso que o futuro esconde.

 

Mas para isso, é preciso conhecer

aonde quer chegar, a qual destino,

qual resultado almeja receber,

ao toque límpido da mística do sino

 

que o convoque para o rumo certo.

Se nem souber aonde quer chegar,

qualquer lugar lhe serve -- e é qualquer

 

esse fadário que lhe será aberto,

não a meta que poderia conquistar,

mas somente a que o fado lhe trouxer.

 

TELA DE TOQUE II  (11/2/2009)

 

Pessoas mudam, com frequência inesperada:

não são mais o que eram, com certeza.

Aquilo que atraiu, riso ou beleza,

desaparece em canção inacabada.

 

Mas quando vemos desse modo transformada

tal pessoa que se senta à nossa mesa,

não há motivo para que a incerteza

nos afaste de quem já foi amada.

 

Porque qualquer pessoa se transforma,

mas nem por isso se torna um novo ser:

muitas vezes, nem sequer é responsável,

 

mesmo quando a distância é que conforma

o esfriamento de um amor, o seu poder

ainda perdura de forma imponderável.

 

TELA DE TOQUE III

 

Quem não controla as próprias decisões

será por elas sempre controlado:

são essas luzes que brilham do teu lado

e que te atraem para ondulações...

 

Assim orbitas ao redor dos corações

que te chamam a si, escravizado

por tal fulgor, que sempre fascinado

te mantém, por suas novas seduções.

 

E orbitas outra vez, até sabendo:

no momento em que abraço conseguires,

te queimarás em lábios que enlouquecem.

 

Fui inseto cauteloso, não morrendo,

apenas circulando os reluzires,

estranhas luzes, que no frio me aquecem.                

 

TELA DE TOQUE IV

 

Aprenda com seus erros e tristezas.

Pelo menos, nunca tente difundir

sua amargura entre outros;  saiba ouvir

e guardar para si suas incertezas.

 

As pessoas se iludem nas belezas

de versos e palavras.   Contribuir

para essa trama lenta é produzir,

mais cedo ou tarde, uma série de baixezas.

 

Console sempre e nada espere em troca.

Quando ajudar, não espere ser amado

e muito menos por tal bem agradecido.

 

É agindo como adulto que se aloca.

sobre alicerces firmes no passado,

a construção do futuro pretendido.

 

TELA DE TOQUE V – Completada 14/3/2022

 

Mais cedo ou mais tarde, aprenderá

que ajudar e acorrentar próximos são;

que, no momento de estender a mão,

sua escolha é livre...  Assim, não deverá

 

esperar por eterna gratidão,

bem ao contrário.   Pois quem ajudará

irá marcar a ferro e poderá

criar rancor mais firme que paixão.

 

Isto eu já vi.  Quando um presente caro

dar decidi, por generosidade,

ocasião houve em que mal interpretado

 

por certo eu fui.   Ofereci amparo

gratuitamente e pensaram ser maldade

esse presente que mal chegou a ser usado. 

 

TELA DE TOQUE VI

 

Havia uma serpente matutina

enroscada na Lua, em plena glória;

seus feitos relatados pela história,

enregelada na luz que o Sol afina

 

e suaviza, em manteiga e margarina

ou em queijos de prata e merencória

papa de prata, limalha de uma escória

que metal nobre foi e agora ensina

 

unicamente o poder do magnetismo:

ao ímã aparas correm; junto aos polos

se aninham, conformando outra serpente,

 

numa implosão de metal e mimetismo,

desenrolando o papiro em estranhos rolos,

que tem, ao menos, um desfecho diferente.

  
TELA DE TOQUE VII

 

Não é nova a sensação.  Já muitas vezes

bati contra as paredes, sem que portas

nelas abrisse, essas muralhas tortas,

em que deixei meu sangue tantos meses...

 

Em minha cela, convivo com minhas fezes,

longo produto de grávidas retortas

e as moldo entre meus dedos, folhas mortas,

para compor sonetos que até prezes...

 

Às vezes, penso poder abrir passagem,

mas vejo o sangue e a pele nas paredes,

marcas fetais em busca da miragem.

 

Contaminado eu fui pelas minhas sedes,

que me impedem de nascer, grossa trançagem,

que me emplacenta em reforçadas redes...

 

TELA DE TOQUE VIII

 

Abro o outlook  e vejo, ao rodapé,

"Nenhuma mensagem nova" e desconecto:

mais um insulto ao meu triste intelecto,

que ser reconhecido um dia, até,

 

pensou possível ser e teve fé

de poder alcançar melhor afeto

e escapar-se de ser prenda e objeto:

dos deuses um inseto, a seu sopé.

 

Mas não encontro na tela lenitivo,

pois só escrevem os que de mim precisam

alguma coisa de mim, que assim lhes desse.

 

E os enleios da Internet, em dom esquivo,

me negam mesmo o solo em que já pisam

e nunca encontro as mensagens que quisesse.

 

TELA DE TOQUE IX – Completada a 15/3/2022

 

Busquei na Lua o chocalho da serpente

que mordia a própria cauda,  permanente,

já concebido por quimera diferente,

fruto da atual mitologia mais dolente;

 

era apenas um demônio dragoniente,

tal criatura criada por paciente

longuesidão, dos meses frente a frente,

com frio de inverno, neve e privação.

 

Criaram então um par para o dragão,

esse São Jorge de constante aceitação,

em que orixá se introduziu furtivamente,

 

nessa batalha de tão longa duração,

que observa o povo diuturnamente,

nessas montanhas e crateras que lá estão.

 

TELA DE TOQUE X

 

Mas Ouroboros tinha mística função,

sinal e símbolo de toda a humanidade,

em sua impassível progressividade,

chegando ao homem derradeiro desde Adão.

 

Naturalmente, bem diversos são

esses pendores da anterior civilidade:

a religião compreendia, na verdade,

cada momento da civilização.

 

Cada cidade na mágica do arcano,

que a conservava plenamente no ritual

e obrigação de cada ser humano

 

para com as sombras temidas do ancestral

tal qual julgava o cidadão Romano,

até que ponto se inserisse em seu fanal.

 

TELA DE TOQUE XI

 

E lá no norte plantou-se Yggdrasil,

cujos galhos mantinham forte abraço

e sustentava toda a Terra em seu regaço,

que não caísse pelo céu de anil,

 

suas raízes percorrendo num funil

a Terra inteira em onipotente laço,

não a deixando tombar louca pelo espaço

e a preservando de qualquer destino vil;

 

e ainda existe quem aviste um saco

nas costas desse homem encurvado,

que há milhares de anos pisa a Lua;

 

dizem ser Judas saído de um buraco

ou o Judeu Errante condenado,

até que Cristo retorne em sua falua.

 

TELA DE TOQUE XII

 

Mas hoje a Lua se tornou tela de toque

na interface de algum computador:

toca-se o dedo, com um pingo de calor

e se obtém o destino que se invoque,

 

a cada um conforme se lhe aloque,

seja um pandeiro de prata, em resplendor,

uma deusinha coroada em seu andor

ou uma velha com a cabeleira em coque.

 

Cada um pode assim ver na própria lua

a imagem que lhe acusa  a fantasia,

seja a matrona, seja a jovem nua,

 

que seu próprio destino a mente cria

e enquanto o fado nova esquina abria,

vai percorrendo incauto a mesma rua.

 

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