A GESTALT DA MULHER I – 29 JUL 21
Vejo a mulher em seu corpo idealizado,
guardada a imagem para geração futura,
tanta beleza que tão pouco dura,
nesse infinito então fotografado;
não percebo no que possa haver pecado
em se sentir atração por tal figura,
sem pretender qualquer ação impura:
jamais tal corpo pelo meu será tocado!...
Mas quanto é bela a forma feminina!
Mais do que outras um templo consagrado
ao Santo Espírito, qual diz-nos a Escritura!
Num ser humano a se ver carne divina,
para outro humano nela ser gerado,
quer para ser feliz, quer para agrura!
A GESTALT DA MULHER II
Não me condenem por um ideal machista,
porque a mulher respeito integralmente;
velha ou menina, não serei indiferente:
eu sou romântico e cada uma me conquista!
Que não se pense que eu queira que desista
de qualquer atividade ali imanente,
pode ser mãe e exercer perfeitamente
seja qual for o ideal que tenha em vista!
Mas sem pensar na mulher como objeto,
o corpo belo encaro sem desejo,
por mais que vibre minha percepção estética
e a todas elas manifesto pleno afeto,
cada soneto muito mais que um beijo
e cada beijo muito mais que a ética!...
A GESTALT DA MULHER III
Mas me confrange sua transitoriedade,
até que ponto tal beleza se desgasta,
assim que o menstruar lhe dá um basta,
sem a Natureza lhe mostrar magnanimidade;
há um conjunto de artifícios, é verdade,
que a senectude facilmente afasta,
seja ao prazer, ou por mostrar-se casta,
indiferente a qualquer sensualidade.
Em seu estado natural, toda mulher
e todo homem poderão ser dispensados,
aos trinta e poucos anos de sua vida,
embora a civilização hoje lhe der
várias décadas a mais com seus cuidados
e a deixe bela até chegar sua despedida!
A GESTALT DO TEMPO I – 30 JUL 21
Vejo que o tempo me acompanha sem ternura;
as coisas se acumulam e não dá
para fazê-las todas. Percebo saberá
somente Deus a duração de minha tortura,
mansa e singela, persistente e pura,
que ano após ano me persistirá,
companheira fiel, que igual não há,
que junto a mim, dia após dia perdura.
E quando passo no tempo amortalhado,
mal se percebe a hesitação no passo,
que minhas dores para mim conservo apenas;
de modo igual, um coração magoado,
que não revela senão um longo traço
deste registro de lamentos às dezenas!
A GESTALT DO TEMPO II
Há uma névoa a meu redor. As lentes
de contato se embaciaram e por aqui,
em lugar público, ocasião não defini
para tentar lavá-las. Muitas gentes
utilizam os banheiros e os agentes
microbianos e virais estão ali
e em seu combate somos todos impotentes.
Terei então de aceitar o embaçamento
até chegar em casa e nem será,
um tempo longo afinal, é um passo só;
sei meu castigo de hoje, o vazamento
de minhas energias apenas durará
quanto uma barra de giz desfeita em pó!
A GESTALT DO TEMPO III
A Terra se percorre e não se voa,
salvo no sonho ou na imaginação,
porque é inútil se pensar na aviação:
é andando a pé que nossa vida escoa.
E quando a imaginação é menos boa,
nem se sobe às estrelas da ilusão,
que o abstrato nos parece apenas vão,
que pouco ou nada à nossa vida doa.
Mas que seria de nós sem a noção
que no futuro se encontra uma guarida?
Que no tempo só há perigo natural,
mas é tão humano se criar antecipação,
de certo modo assim passando a vida
numa prisão de sabor suborbital...
A GESTALT DO TOMATE I – 31 JUL 2021
Cinco sépalas no alto de um tomate
dão a impressão de um verde bonequinho,
chapéu pontudo, qual um duendezinho,
configurado assim para o combate,
ou talvez como um rosto que nos bate
nessa impressão de um traço pequeninho,
qual de um rosto indicando o seu carinho,
dois olhos e nariz e então da boca o engate.
Sendo à distância percebido claramente,
seria mesmo a suave origem dessa luz
que nossa inteira imaginação seduz;
mas cinco sépalas vêm nos mostrar somente
verdes ponteiros figurando braços,
de uma esmirrada flor em simples traços.
A GESTALT DO TOMATE II
Com frequência buscamos um sentido
nos objetos que vemos ao redor,
que percepção nos garanta superior
àquela que temos normalmente percebido;
claro que terá um artista concebido
deliberadamente uma forma em tal teor,
que o inspire à sua obra com ardor,
algo além do normalmente consentido.
Mas quantas vezes já deves ter olhado
para um tomate vermelho de maduro,
as cinco sépalas ali o coroando,
sem que nada ali tenham te inspirado,
senão cinco folhinhas a te tornar mais duro
seu descascar antes da fruta ir devorando!
A GESTALT DO TOMATE III
Podes a fruta também comer inteira,
mas será raro que prefiras mastigar
as cinco sépalas mesmo sem descascar:
com um puxão as retiras bem ligeiro!
Teu inconsciente sendo às vezes bem arteiro,
quer uma peça quem sabe te pregar,
a sugerir que vá o tomate lamentar
ser devorado por qualquer interesseiro!
Essa tendência a encontrar figuração
em elementos bem díspares é comum,
sem que isso indique dano neurológico...
Tudo revestes com tua antropomorfização,
algo de humano transferindo para algum
pequeno ídolo em sacrifício até antológico!
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