segunda-feira, 30 de agosto de 2021


 

 

ORBE AMOROSO I – 21 AGO 21

(Anne Baxter e Yul Brynner, "Os Dez Mandamentos").

 

O estranho mundo que engloba uma paixão

é um universo plenamente arborizado,

um vasto bosque que jamais foi incendiado,

tem habitantes, mas que ignotos são.

 

Pensas saber, mas cuja exploração

requer coragem e grande habilidade,

iniciativa plena exigindo na verdade,

nele se ingressa tão só pela ilusão.

 

Nenhum produto de tua imaginação,

é bem real e por palavras conformado,

palavras simples como o ar que dorme ao lado,

 

sem aguilhão em si mesmas, sem razão,

porém que aos poucos se vão insinuando,

teu coração alfim inteiro dominando.

 

ORBE AMOROSO II

 

Não é um mundo que se busque geralmente;

julgam incautos ser tudo diferente

e quando o amor lhes surge pela frente;

ingressam nele, sem pensar em precaução.

 

Nos dias seguintes eles sempre buscarão,

desprovidos de receio e de intenção,

amor mais simples, brinquedo sem paixão,

que acreditem poder deixar bem facilmente.

 

Mas no momento que se ingressa na floresta,

não se sai dela assim tão casualmente,

cada renque de carvalhos labirinto...

 

Nele se dança qual em alegre festa,

mas o cenário se transmuta impertinente

nesse fugaz desejo que igual sinto.

 

ORBE AMOROSO III

 

Pois na hora de sair, não há caminho,

não foi marcado por migalhas de pão,

que os habitantes devoraram na ocasião,

sem por João e Maria ter carinho.

 

E quem entrou confiante em seu mesquinho

orgulho, se descobre em tal prisão,

não há um mapa que se encontre à mão,

que amor te amarra com sarças e espinho.

 

Fechado está assim todo o exterior,

é obrigatório permanecer na mata,

mas que alegrias se encontram nas clareiras!

 

Pois a prisão de amor se quer eterna,

que nenhum laço de seu grilhão desata

e mente e alma ainda domine por inteiras!

 

RAIO AMOROSO I – 22 AGO 2021

 

Mas quando um raio tomba sobre a mata

e ali inicia queimada em vastidão,

para que ponto os amantes fugirão,

qual a passagem que aberta se desata?

 

De que forma os dois sobrevivem à sucata?

Pela mesma senda estreita escaparão?

Mas em geral se perderão na vastidão,

serapilheira diversa cruzando nessa data.

 

Trilha se abre aos passos assolados

e cada um irá seguir a sua vereda,

pois conflagrado foi todo o encantamento.

 

Nada mais une os tristes namorados,

se ao próprio raio então cada qual ceda,

enfim buscando um novo assentamento.

 

RAIO AMOROSO II

 

Será melhor na prisão permanecer,

arbórea e bela no musgo da emoção,

ou esperar de um relâmpago a ocasião

e desse ergástulo de amor se desfazer?

 

Porque a prisão nao se pode externa ver,

vive dentro do peito em ilusão,

desafiando os ditames da razão,

por isso dela tão difícil se perder.

 

Quem se deixou prender nessa floresta,

mal e mal se dá conta que é no peito

que cada árvore cresce e brota sem defeito,

 

qual em gaiola de canção de gesta

e não de giesta, arbusto tão gentil,

as grades feitas de seus odores mil.

 

RAIO AMOROSO III

 

Porque a razão principal dessa prisão

é que queremos lhe demonstrar fervor,

cada grade aureolada em tal vigor

quanto o sangue que nos corre na paixão,

 

feita de artérias do próprio coração,

feita de veias já de menor pendor,

de capilares de fragilimo teor,

feita do aroma grisáceo da ilusão,

pois quando amamos, a nós mesmos amamos

e por sermos amados mais ansiamos,

quem ama... ama ainda mais o próprio amor

 

e assim a tal prisão nos entregamos,

no calabouço que para nós armamos,

vendendo a vida por seu ideal calor.

 

ATEU DESAMOROSO I – 23 AGO 2021

 

Cada ateu nos países do Ocidente

é um crente que ficou desapontado:

foi ensinado haver um Servo Onipotente,

pediu serviço.   Não obedeceu o seu criado.

 

Com Papai Noel também foi enganado

e descobriu ser tal lenda improcedente;

tendo o Papai do Céu ao Noel identificado,

se um não existe, o outro é impermanente.

 

“Pedi e recebereis; buscai e achareis,

batei e abrir-se-vos-á.”  Mas é de fato?

E quantas vezes pediu sem receber?

 

Quantas desculpas ao pobre então dareis?

Foi falta de fé ou falta de recato!

Deus é Quem sabe o que te deve conceder!

 

ATEU DESAMOROSO II

 

E realmente é assim, mas a questão

é que Deus é totalmente atemporal,

entronizado muito além do Bem e Mal,

tudo que ocorre já sabe de antemão.

 

Nós que buscamos reduzi-Lo, sem noção,

a nossos termos de condição casual:

primeiro a prece; depois do seu final

é que o Senhor nos dará aceitação.

 

Deus não partilha de nossa contingência,

Ele é infinito e nem ao menos é o Senhor

do Tempo, que está muito acima dele.

 

E só nos pode sorrir em sua leniência

e enviar – dentro do tempo – um Redentor

e o Santo Espírito, que o fado então nos sele.

 

ATEU DESAMOROSO III

 

Mas o infeliz se acha centro de seu mundo,

Deus imagina qual satélite a orbitar;

naturalmente, depois de suplicar,

sem nada receber, fica iracundo!...

 

Porque esse Deus do páramo profundo

não é um servente a quem possa comandar,

mas ao contrário, a Quem deva se curvar

e a Seu serviço se submeter, jocundo!

 

Claro que esse Servo Onipotente

o velho Nietzsche condenou à morte,

porque, de fato, jamais ele viveu!

 

Mas como é triste que tanto servo Seu,

Ao se queixar amargamente de sua sorte,

Prefira ao mundo declarar-se ateu!

 

OLHAR DESAMOROSO I – 24 AGO 21

 

Hoje operei o meu olho direito;

recomendaram-me repouso absoluto:

a minha poesia ficou assim de luto,

que à sua pressão encontro-me sujeito.

 

A rascunhar diariamente estou afeito,

muito difícil abandonar esse conduto;

mesmo que o olho achasse-se corrupto,

era um canal por onde abrir-me o peito!

 

E com uma lente de contato funcionava

para as visões do meio do caminho,

coisas de longe a ver perfeitamente.

 

Ou então um par de óculos botava

e ao computador controlava de mansinho,

com certo esforço vendo tudo claramente...

 

OLHAR DESAMOROSO II

 

Mas o aspecto está agora diferente,

somente o esquerdo me concede a vista;

e logo eu, que sou um monarquista

e um parlamentarista intransigente!

 

Afirmaram que vá melhorar rapidamente;

por certo ao longe o meu olhar avista,

quase tão bem como quando sob a pista

da lente de contato ali superjacente.

 

Cinquenta e sete anos já de prática!

Foram as lentes que me deram liberdade,

qual não tive na infância e adolescência.

 

E agora encaro a realidade fática

de ter de óculos sofrer a inermidade,

claro sinal de minha decadência!...

 

OLHAR DESAMOROSO III

 

Há cerca de três anos, em meu olho

 direito certa mancha me surgiu;

metade do campo assim ela cobriu,

para a leitura um verdadeiro escolho.

 

E se me submeti ao duro abrolho

da operação que o oftalmo sugeriu,

e que esperava notar que assim sumiu

essa mancha que da vista cobre o fólio.

 

Contudo, estou operado e ela ainda,

alegremente perturba-me a visão,

por uma petéquia aracnídea acompanhada.

 

Não me parece que seja a espera finda,

que se desmanche assim de sopetão,

minha situação em pouco ou nada melhorada!


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