ALMA ESTRANHA I – 14 JUN 2022
minha alma eu espirrei inesperadamente,
flutuou no ar e foi grudar-se ao teto,
sem demonstrar por mim maior afeto,
pois a expulsara tão impiedosamente...
não sei se a alma percebe quando a gente
esternuta, mas sem ter qualquer projeto
de dela se livrar ou de incompleto
o conjunto deixar de anteriormente!
e por mais que lhe acenasse, não desceu
e por mais que a invocasse, não me ouvia,
ficou lá em cima, sempre longe de mim,
até que um novo espirro a surpreendeu,
para a mensagem correta ela se abria,
por minhas narinas a retornar assim!...
ALMA ESTRANHA II
os reis antigos tinham seus bufões,
encarregados de mantê-los distraídos,
de os fazer rir, por mais fossem ofendidos
por traquinadas os pobres cortesões.
mas quando, sem atender a previsões,
surgia um espirro dos diafragmas vencidos,
ia a alma real para páramos perdidos,
sendo expelida do fundo dos pulmões!
então precípua função adquiriam,
plumas passando pelas narinas reais,
a provocar nova esternutação...
assim as almas reais os sons ouviam,
a mensagem em seus idiomas naturais
e o rei vivia, até causar nova explosão!
ALMA ESTRANHA III
por acaso alguma vez você notou
que só consegue espirrar de olhos fechados?
são os impulsos esternutais tão desusados
que algum até vista da sua órbita expulsou!
esse esforço que a saída da alma provocou,
qual se quisesse trazer olhos a seus lados,
toda sozinha em locais desamparados,
sem enxergar sequer de onde escapou!...
porque essa alma grudada lá no teto
é inteiramente cega e sem oriente,
sendo preciso escutar novo ribombo!
só então retorna ao anterior ninho dileto,
assim a morte sendo adiada dessa gente,
que sem querer, expulsou-a num estrondo!
SOL ESTRANHO I – 15
JUN 22
um sol azul cruzou
por minhas pestanas,
um sol feérico em
sua tenacidade,
um sol d luz faminta
em realidade,
um sol a vida a
laçar em seus proclamas!
um sol azul em suas
cerúleas flamas,
um sol de blau em
heraldicidade,
um sol ciano a
refletir modernidade,
um sol de fúchsia
em incontáveis ramas.
um sol de miosótis,
mas imenso,
um sol feito de
anil em coradouro,
um sol florido à
beira da calçada,
um sol pervinca com
seu tom intenso,
um sol digitalis,
veneno morredouro,
um sol verônica
para a alma despertada...
SOL ESTRANHO II
um sol de erínia,
de aparência rara,
um sol de íris, em
brilhante parecer,
um sol de rosmaninho
a me acolher,
um sol de
clematita, em gosto amara,
um sol de lavanda,
em sua nuance clara,
um sol de
hespéride, só em jardim a florescer,
um sol de
hemerocálide para me proteger,
um sol de dianta, limitada
e cara,
um sol de
hortênsia, já meio desbotado,
um sol de prímula,
a refletir poesia,
um sol de alcéia, a
chamar feitiçaria,
um sol da
bela-emília, no braço já colado,
um sol de
tradescância, que quase não se via,
um sol de lírio para
o final deixado!
SOL ESTRANHO III
de minhas
lembranças, quase a mais intensa:
campos de lúpulo
nas várzeas da bulgária
e o rio maritza, de
coloração mais vária,
para das flores refletir
sua cor mais densa.
mas é sempre em
violeta que o ideário pensa,
bem mais que a
vinca de aparência multifária,
ou que o
convólvulo, em sua visão hilária,
mais em lianas que
perfume não incensa.
quando criança,
minha mãe sempre dizia
que os modestos
miosótis que via na sarjeta
seriam todos meus,
mas não para arrancar...
e o sol azul
despertou-me a nostalgia
que esta breve
recordação completa,
qual heliotrópio, o
sol sempre a buscar...
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