quarta-feira, 15 de junho de 2022


 

 

ALMA ESTRANHA I – 14 JUN 2022

 

minha alma eu espirrei inesperadamente,

flutuou no ar e foi grudar-se ao teto,

sem demonstrar por mim maior afeto,

pois a expulsara tão impiedosamente...

 

não sei se a alma percebe quando a gente

esternuta, mas sem ter qualquer projeto

de dela se livrar ou de incompleto

o conjunto deixar de anteriormente!

 

e por mais que lhe acenasse, não desceu

e por mais que a invocasse, não me ouvia,

ficou lá em cima, sempre longe de mim,

 

até que um novo espirro a surpreendeu,

para a mensagem correta ela se abria,

por minhas narinas a retornar assim!...

 

ALMA ESTRANHA II

 

os reis antigos tinham seus bufões,

encarregados de mantê-los distraídos,

de os fazer rir, por mais fossem ofendidos

por traquinadas os pobres cortesões.

 

mas quando, sem atender a previsões,

surgia um espirro dos diafragmas vencidos,

ia a alma real para páramos perdidos,

sendo expelida do fundo dos pulmões!

 

então precípua função adquiriam,

plumas passando pelas narinas reais,

a provocar nova esternutação...

 

assim as almas reais os sons ouviam,

a mensagem em seus idiomas naturais

e o rei vivia, até causar nova explosão!

 

ALMA ESTRANHA III

 

por acaso alguma vez você notou

que só consegue espirrar de olhos fechados?

são os impulsos esternutais tão desusados

que algum até vista da sua órbita expulsou!

 

esse esforço que a saída da alma provocou,

qual se quisesse trazer olhos  a seus lados,

toda sozinha em locais desamparados,

sem enxergar sequer de onde escapou!...

 

porque essa alma grudada lá no teto

é inteiramente cega e sem oriente,

sendo preciso escutar novo ribombo!

 

só então retorna ao anterior ninho dileto,

assim a morte sendo adiada dessa gente,

que sem querer, expulsou-a num estrondo!

 

SOL ESTRANHO I – 15 JUN 22

 

um sol azul cruzou por minhas pestanas,

um sol feérico em sua tenacidade,

um sol d luz faminta em realidade,

um sol a vida a laçar em seus proclamas!

 

um sol azul em suas cerúleas flamas,

um sol de blau em heraldicidade,

um sol ciano a refletir modernidade,

um sol de fúchsia em incontáveis ramas.

 

um sol de miosótis, mas imenso,

um sol feito de anil em coradouro,

um sol florido à beira da calçada,

 

um sol pervinca com seu tom intenso,

um sol digitalis, veneno morredouro,

um sol verônica para a alma despertada...

 

SOL ESTRANHO II

 

um sol de erínia, de aparência rara,

um sol de íris, em brilhante parecer,

um sol de rosmaninho a me acolher,

um sol de clematita, em gosto amara,

 

um sol de lavanda, em sua nuance clara,

um sol de hespéride, só em jardim a florescer,

um sol de hemerocálide para me proteger,

um sol de dianta, limitada e cara,

 

um sol de hortênsia, já meio desbotado,

um sol de prímula, a refletir poesia,

um sol de alcéia, a chamar feitiçaria,

 

um sol da bela-emília, no braço já colado,

um sol de tradescância, que quase não se via,

um sol de lírio para o final deixado!

 

SOL ESTRANHO III

 

de minhas lembranças, quase a mais intensa:

campos de lúpulo nas várzeas da bulgária

e o rio maritza, de coloração mais vária,

para das flores refletir sua cor mais densa.

 

mas é sempre em violeta que o ideário pensa,

bem mais que a vinca de aparência multifária,

ou que o convólvulo, em sua visão hilária,

mais em lianas que perfume não incensa.

 

quando criança, minha mãe sempre dizia

que os modestos miosótis que via na sarjeta

seriam todos meus, mas não para arrancar...

 

e o sol azul despertou-me a nostalgia

que esta breve recordação completa,

qual heliotrópio, o sol sempre a buscar...

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