ATOS DE AMOR LEMBRADOS I – 29 MAI 22
Como podes saber se o que recordas
foi verdadeiro ou tão só mitomania?
Talvez te lembres do que nunca
existia
e do que houve nem sequer te
acordes...
Sendo poeta, sou levado à fantasia
e quiçá com minha lembrança não
concordes,
bem diversa a ser do que recordes,
mas foi tão longa a vastidão que nos
unia!
Assim eu lembro o calor de teus
abraços
e o movimento carinhoso dos quadrís,
acalentando anseios meus virís
e tu recordas a saliva nos teus
traços,
ao receberes minha carne tensa,
na vibração com que a carne se condensa.
ATOS DE AMOR LEMBRADOS II
Não sei se me recorda o que eu vivi
ou me imagina essa recordação;
até que ponto do passado sou ilusão,
até que ponto é na memória que
existi?
Mas ainda assim, cada hora em que te
vi,
toda desnuda e em plena aceitação,
não me pertence tão só à imaginação,
por mais forte me domine ou que a
nutri.
Pois sou forçado, a fim de não
mentir,
a reconhecer que amei outras também,
claramente com menor intensidade,
mas como posso realmente distinguir,
no turbilhão de orgasmos desse além,
quais partilhei só contigo na
verdade?
ATOS DE AMOR LEMBRADOS III
Nesses milhares de vezes repassadas,
sem exagero, por décadas assim,
cada amor verdadeiro a ser pra mim,
nesses instantes de angústias
partilhadas,
quando após iniciativas compassadas,
foi o ritmo crescendo até o alfim,
quem me incitava até chegar ao fim,
nesses momentos de almas
dessangradas?
E como asseverar de cada umbigo
que minha língua nessa noite
destilou,
no instante máximo de ânsia e de
perigo?
E mesmo as vezes em que estive só
contigo,
como posso umas das outras recortar,
quando vêm teus outros beijos me
assaltar?
DIAS DE CLIMA RECORDADOS I – 30 MAI 22
Nova onda de frio atinge o sul,
vinda da Antártida direta para mim,
mil vezes esse frio que venha assim
do que o calor que em nada me seduz.
As pessoas se queixam desse azul,
que o frio nos dedos lhes provoca enfim,
mas para mim camisa só de brim
bem facilmente todo o frio reduz.
Nem é que não sinta mesmo o frio,
mas estando abrigado sob um teto,
a minha indumentária é suficiente
e em plena rua manifesto o brio,
vento minuano a beijar-me com afeto,
que meus outonos do passado faz presente.
DIAS DE CLIMA RECORDADOS II
Quando onda de calor infesta o sul,
chegada da Argentina ou Paraguay,
anseio o frio que nos brota do Uruguay,
pois quando chega é que me sinto exul.
Mas quando chega o estio, ele me nul-
ifica sem piedade, quando vai
aos fundos do pulmão. Sequer um ai
posso em prece emitir ao céu azul.
Mas pelo menos, tal férvida ameaça
não se concretizou, que na Argentina,
grassou o inferno a quarenta e quatro graus!
Mas é possível que um dia tal desgraça
qual avalanche sobre minha triste sina,
torne em churrasco tantos dias maus!
DIAS DE CLIMA RECORDADOS III
A cada época do ano o seu quinhão,
o clima não toma de mim conhecimento:
chega o inverno e gélido é seu vento
e a brisa é fresca nos dias de verão...
Mas o calor me afeta o coração,
mínguam os versos nesse abafamento,
enquanto o frio reforça o meu assento:
coloco o poncho e enfrento a situação!
Por isso, abraço a geada alegremente
e vejo a relva de luz esbranquiçada,
cada pocinha faz-se em vidro cintilante;
quando pisado, ele se ergue, indiferente
e mais alegre eu sigo pela estrada,
um novo inverno de esperança adiante!
DIAS DE ESPERA CONFINADOS I – 31 MAI 22
Dizem que atrás de cada homem famoso
existe uma mulher, amante ou esposa;
para Copérnico, foi a figura ponderosa,
de seu tio Lucas Waczenrode, orgulhoso
de seu talento, que em abraço carinhoso,
deu-lhe a chave a despertar ciência airosa,
nas grossas lentes de amplitude vigorosa
de um telescópio primitivo, mas zeloso.
Porém suspeito que alguma o aconselhou
de sua obra a adiar publicação,
para evitar problemas com a Igreja,
que somente para o mundo se mostrou
após sua morte e com baixa aceitação,
por mais que convincente hoje nos seja.
DIAS DE ESPERA CONFINADOS II
As mulheres preferem a prudência,
sabem que o mal haverá de acontecer,
caso se faça o que não deva se fazer,
enquanto o homem, por maior a experiência,
seu mal encara tão só como potência,
acreditando haver um jeito de o vencer
e assim acaba por tal mal sofrer,
mesmo a enfrentá-lo com toda a continência.
Já Copérnico deixara a juventude
bastante para trás, pois é a temeridade
que leva o jovem a enfrentar qualquer perigo,
já que na beira da alma ainda se ilude,
ter isenção de sua mortalidade
e assim depressa vai correr para o perigo.
DIAS DE ESPERA CONFINADOS III
Eu sei por mim, quantas vezes no passado
capaz de coisas mil me acreditava
e sem receio os percalços enfrentava:
“Querer é Poder!” – me fora aconselhado.
Mas descobri, tanta vez que fui cortado,
por mais que meu sucesso então buscava;
sempre uma porta batia e se fechava,
o meu esforço era total deperdiçado.
Até aceitar os meus limites finalmente,
que agora busco apenas o
que posso,
até o ponto que alcance o meu talento.
Ninguém jamais me deu ajuda ingente,
fiz o que pude e se houve algum destroço,
errei sozinho, mas enquanto tive alento.
DE ONDE EU VENHO I – 1º JUN 2022
Venho do dia perdido em solidão
e quantas frases de amor eu já compuz
da polpa de meus dedos a saírem como cruz,
com sangue negro e azul do coração,
sem me deixar conduzir pela razão,
que meu silêncio a obedecer induz;
por sob as unhas encontrei a luz,
sem mascarar as palavras da ilusão.
Foi mais efeito alheio do abandono:
a cada vez que quis um alvo controlar,
ele escorreu por entre as palmas a sorrir.
Somente quando permiti-lhe fosse o dono,
esse silêncio que só eu pude escutar,
minha pobre arca da aliança foi abrir.
DE ONDE EU VENHO II
Venho também da vastidão de um poço,
em que eu mesmo com frequência me lancei,
nessas suas águas escuras eu nadei,
senti meus dedos enrugados desde moço.
Não me afinou essa água, fez-me grosso,
para enfrentar cada dia que encontrei
e meu próprio coração eu lancetei,
que expelisse de mim todo o destroço.
Não estou a expor qualquer melancolia,
só descrevo o malmequer de cada dia,
como aprendi a ser inútil me aceitar
e só depois que tal certeza me nutria,
de lado pus a total menos-valia,
para as paredes do poço enfim galgar.
DE ONDE EU VENHO III
Venho das fraldas do tempo rebuscado
bem lá no fundo dos baús de meu olvido,
deles busquei para a luz cada gemido,
cada suspiro em tesouro acumulado.
No fundo falso da arca bem guardado
cada remorso que algum dia tenha tido,
meu desalento qual múmia ali mantido,
em sarcófagos de estrofes desvairado.
Assim o tempo, o silêncio e a vastidão
compõem meu claro desafio como grelha
e de algum modo a harmonia ali se espelha.
deixei no poço o raciocínio vão,
em cada balde meu cérebro a escorrer,
até a derradeira e final gota se perder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário