quarta-feira, 22 de junho de 2022


 

 

USUÁRIO DE LENDAS 1 – 20 JUN 2022

 

Foi desde a infância que escutei falar

No desapontamento do tal velho Fernão

Dias Paes Leme, pelo tesouro vão

Que no interior do Brasil fora buscar.

 

Por jazida de esmeraldas na selva procurar,

Destarte a embrenhar-se no sertão,

Com grande esforço e muita provação,

Até a tristeza dessa revolta enfrentar

 

Que um de seus filhos fora liderar,

Disso acusado, ou só de haver participado:

Como castigo, o rapaz foi enforcado.

 

Ou, pelo menos, foi o que ouvi contar,

Não sei, não vi, eu não estava lá,

Mas tanto a lenda me repetiram já!...

 

USUÁRIO DE LENDAS 2

 

Pois finalmente, se encontrou a jazida

Das pedras verdes, de rútilo fulgor,

Arrancadas da rocha com fervor,

Alguma ganga de terra ainda trazida...

 

Julgando a glória ter sido obtida,

Às cidades tornou, cheio de ardor,

Esperando recompensas e o louvor

Dos governantes da terra prometida.

 

Porém não eram esmeraldas, afinal,

Mas turmalinas de bem menor pendor,

Semiprecioso  o seu verde natural.

 

E toda a vida eu escutei a história

Do bandeirante herói e perdedor,

Com certa troça e pena mereneória.

 

USUÁRIO DE LENDAS 3

 

Se fosse hoje e garimpeiro achasse

Uma jazida de azul-verdes turmalinas,

Seriam polidas até ficarem finas,

Porque em colar ou pulseira se empregasse.

 

E nos enganos de amor que ele encontrasse

Ou em olhos esverdeados de meninas,

Contemplaria as suas próprias sinas,

Em que o segredo da vida se espelhasse.

 

Porque o amor de esmeralda é muito raro,

As mais das vezes qual astúcia de cigano,

Com o perpassar do tempo até se embaça.

 

Antes buscarmos um prêmio menos caro,

Ao nosso alcance, sem trazer-nos desengano,

Que a turmalina ao coração se enlaça...

 

USUÁRIO DAS MÃOS 1 – 21 JUN 2022

 

Em seguimento de tantas obras decorridas,

Vejo minhas mãos quais seres abençoados:

Sofreram muitos arranhões e machucados,

Mas nunca se quebraram... ou feridas

 

Foram profundamente.   São nutridas

Pelo meu sangue rico de pecados,

Pelo meu véu de ideais amortalhados

E fogo e ferro enfrentaram destemidas.

 

Têm certas cicatrizes... mas curaram

Rapidamente indesejados ferimentos:

Minhas mãos têm metade de minha idade.

 

São mãos que os calos para trás deixaram,

Em suas unhas penduraram sentimentos,

Mãos de confiança para a eternidade.

 

USUÁRIO DAS MÃOS 2

 

Quando eu morrer, mais falta sentirei

Destas minhas mãos do que do corpo inteiro,

São mãos enérgicas, quais mãos de guerreiro,

Se bem que nunca armas brancas empunhei.

 

Exceto em mil das fantasias que criei,

Adaga e foice só usei sobre o terreiro,

Para cortar ramas secas.  Jardineiro

Fui muitas vezes no passado que deixei.

 

Porém minhas mãos são jovens, sem escaras,

Sem manchas roxas ou qualquer deformidade:

Quantos milhares de poemas escreveram!

 

E quando vejo das unhas as aparas,

Lábios cortados me acusam na verdade,

Por tantos palmos de unhas que morreram!

 

USUÁRIO DAS MÃOS 3

 

Não posso de fato aquilatar da qualidade

Destes poemas ou do valor das unhas,

Que para o solo tombaram como cunhas,

O mundo inteiro enfrentando em sua maldade.

 

Não fiz poesias de ouro de verdade,

Mesmo que um dia valores neles punhas,

Foram versos de pirita, testemunhas

De algum filão perdido em falsidade.

 

Porém me encontro, tantas décadas após,

A minerar desse filão a longa fita,

Foi de meus dedos que amei os fortes nós,

 

Mas conformei-me com meus próprios dós,

Que a experiência da vida me concita

A dar valor a meus sonhos de pirita.

 

USUÁRIO DO ARENAL 1 – 22 JUN 22

 

As ondas mansas, em seu borrifo doce

Não te umedecem os pés cheios de areia,

Porém melancolia da praia te permeia,

Como alma tutelar que a mente esboce.

 

Miro teus olhos, que o peito me remoce,

Por tuas pestanas na curvilínea teia

O fulgor dessas tuas vistas me incendeia

De meu cérebro a tomar inteira posse.

 

Ante teus pés as algas desfalecem,

Estalam conchas por ondas arrojadas,

Vejo uma estrela-do-mar desamparada,

 

Porém teus passos a própria duna aquecem,

Como ao queimor de mães-d’água esmagadas:

Minto que a praia está de ti enamorada!

 

USUÁRIO DO ARENAL 2

 

Que coisa tola este antropomorfismo,

Enjaulado em minha senil prosopopeia,

Só mediocridade encontro nesta veia,

Talvez poética, em função de romantismo,

 

Mas refletindo não mais do que um modismo,

Falta somente comparar-te a uma sereia,

Qual em versos de outrem alguém leia,

Não vejo aqui inspiração nem nomadismo.

 

Porém me flagro em versos sem sabor,

Que o sal do mar não me chaga o coração,

Mas se escorrem no papel sem permissão.

 

Cansei quiçá de redigir linhas de amor,

Que descuidado fui soprar por todo o espaço,

Sem refletir sequer a sombra de um abraço!

 

USUÁRIO DO ARENAL 3

 

Talvez devesse fazer deles picadinho

E distribuir às gaivotas dessa praia,

Quais cinzas brancas de diversa laia,

Quem sabe servem a forrar seu ninho...

 

Mas lhes trarão alimento bem mesquinho,

Talvez em minhas mãos pena recaia

Ao invés da pena que dos dedos saia

A descrever qualquer sonho pequeninho...

 

Mas a teu lado caminho sem falar,

Seus guinchos transformando em pipilar,

Nos escaninhos escusos da ilusão.

 

As ondas sobem em sua marcha secular

E os pés por certo te umedecerão,

Depois morrendo em seu lento evaporar.

 

USUÁRIO DO ARENAL 4

 

Sinto que os versos tombam sobre o solo

E se misturam com as unhas que cortei,

Com os anéis de pirita que te dei,

Com as turmalinas do meu desconsolo.

 

Rasgo esses versos de hipocrisia e dolo,

Bem mais que em cantos meu amor te mostrarei

Linhas e unhas às gaivotas servirei

E então na areia te tomarei no colo.

 

Entre teus braços poeta então serei

E em cada beijo aflorará a inspiração,

Nesse poema que só nós dois leremos,

 

Mas a brisa das distâncias sentirei

E os fragmentos dos poemas voarão

E só então o nosso amor compreenderemos.

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