USUÁRIO
DE LENDAS 1 – 20 JUN 2022
Foi
desde a infância que escutei falar
No
desapontamento do tal velho Fernão
Dias
Paes Leme, pelo tesouro vão
Que
no interior do Brasil fora buscar.
Por
jazida de esmeraldas na selva procurar,
Destarte
a embrenhar-se no sertão,
Com
grande esforço e muita provação,
Até
a tristeza dessa revolta enfrentar
Que
um de seus filhos fora liderar,
Disso
acusado, ou só de haver participado:
Como
castigo, o rapaz foi enforcado.
Ou,
pelo menos, foi o que ouvi contar,
Não
sei, não vi, eu não estava lá,
Mas
tanto a lenda me repetiram já!...
USUÁRIO
DE LENDAS 2
Pois
finalmente, se encontrou a jazida
Das
pedras verdes, de rútilo fulgor,
Arrancadas
da rocha com fervor,
Alguma
ganga de terra ainda trazida...
Julgando
a glória ter sido obtida,
Às
cidades tornou, cheio de ardor,
Esperando
recompensas e o louvor
Dos
governantes da terra prometida.
Porém
não eram esmeraldas, afinal,
Mas
turmalinas de bem menor pendor,
Semiprecioso o seu verde natural.
E
toda a vida eu escutei a história
Do
bandeirante herói e perdedor,
Com
certa troça e pena mereneória.
USUÁRIO
DE LENDAS 3
Se
fosse hoje e garimpeiro achasse
Uma
jazida de azul-verdes turmalinas,
Seriam
polidas até ficarem finas,
Porque
em colar ou pulseira se empregasse.
E
nos enganos de amor que ele encontrasse
Ou
em olhos esverdeados de meninas,
Contemplaria
as suas próprias sinas,
Em
que o segredo da vida se espelhasse.
Porque
o amor de esmeralda é muito raro,
As
mais das vezes qual astúcia de cigano,
Com
o perpassar do tempo até se embaça.
Antes
buscarmos um prêmio menos caro,
Ao
nosso alcance, sem trazer-nos desengano,
Que
a turmalina ao coração se enlaça...
USUÁRIO
DAS MÃOS 1 – 21 JUN 2022
Em
seguimento de tantas obras decorridas,
Vejo
minhas mãos quais seres abençoados:
Sofreram
muitos arranhões e machucados,
Mas
nunca se quebraram... ou feridas
Foram
profundamente. São nutridas
Pelo
meu sangue rico de pecados,
Pelo
meu véu de ideais amortalhados
E
fogo e ferro enfrentaram destemidas.
Têm
certas cicatrizes... mas curaram
Rapidamente
indesejados ferimentos:
Minhas
mãos têm metade de minha idade.
São
mãos que os calos para trás deixaram,
Em
suas unhas penduraram sentimentos,
Mãos
de confiança para a eternidade.
USUÁRIO
DAS MÃOS 2
Quando
eu morrer, mais falta sentirei
Destas
minhas mãos do que do corpo inteiro,
São
mãos enérgicas, quais mãos de guerreiro,
Se
bem que nunca armas brancas empunhei.
Exceto
em mil das fantasias que criei,
Adaga
e foice só usei sobre o terreiro,
Para
cortar ramas secas. Jardineiro
Fui
muitas vezes no passado que deixei.
Porém
minhas mãos são jovens, sem escaras,
Sem
manchas roxas ou qualquer deformidade:
Quantos
milhares de poemas escreveram!
E
quando vejo das unhas as aparas,
Lábios
cortados me acusam na verdade,
Por
tantos palmos de unhas que morreram!
USUÁRIO
DAS MÃOS 3
Não
posso de fato aquilatar da qualidade
Destes
poemas ou do valor das unhas,
Que
para o solo tombaram como cunhas,
O
mundo inteiro enfrentando em sua maldade.
Não
fiz poesias de ouro de verdade,
Mesmo
que um dia valores neles punhas,
Foram
versos de pirita, testemunhas
De
algum filão perdido em falsidade.
Porém
me encontro, tantas décadas após,
A
minerar desse filão a longa fita,
Foi
de meus dedos que amei os fortes nós,
Mas
conformei-me com meus próprios dós,
Que
a experiência da vida me concita
A
dar valor a meus sonhos de pirita.
USUÁRIO
DO ARENAL 1 – 22 JUN 22
As
ondas mansas, em seu borrifo doce
Não
te umedecem os pés cheios de areia,
Porém
melancolia da praia te permeia,
Como
alma tutelar que a mente esboce.
Miro
teus olhos, que o peito me remoce,
Por
tuas pestanas na curvilínea teia
O
fulgor dessas tuas vistas me incendeia
De
meu cérebro a tomar inteira posse.
Ante
teus pés as algas desfalecem,
Estalam
conchas por ondas arrojadas,
Vejo
uma estrela-do-mar desamparada,
Porém
teus passos a própria duna aquecem,
Como
ao queimor de mães-d’água esmagadas:
Minto
que a praia está de ti enamorada!
USUÁRIO
DO ARENAL 2
Que
coisa tola este antropomorfismo,
Enjaulado
em minha senil prosopopeia,
Só
mediocridade encontro nesta veia,
Talvez
poética, em função de romantismo,
Mas
refletindo não mais do que um modismo,
Falta
somente comparar-te a uma sereia,
Qual
em versos de outrem alguém leia,
Não
vejo aqui inspiração nem nomadismo.
Porém
me flagro em versos sem sabor,
Que
o sal do mar não me chaga o coração,
Mas
se escorrem no papel sem permissão.
Cansei
quiçá de redigir linhas de amor,
Que
descuidado fui soprar por todo o espaço,
Sem
refletir sequer a sombra de um abraço!
USUÁRIO
DO ARENAL 3
Talvez
devesse fazer deles picadinho
E
distribuir às gaivotas dessa praia,
Quais
cinzas brancas de diversa laia,
Quem
sabe servem a forrar seu ninho...
Mas
lhes trarão alimento bem mesquinho,
Talvez
em minhas mãos pena recaia
Ao
invés da pena que dos dedos saia
A
descrever qualquer sonho pequeninho...
Mas
a teu lado caminho sem falar,
Seus
guinchos transformando em pipilar,
Nos
escaninhos escusos da ilusão.
As
ondas sobem em sua marcha secular
E
os pés por certo te umedecerão,
Depois
morrendo em seu lento evaporar.
USUÁRIO
DO ARENAL 4
Sinto
que os versos tombam sobre o solo
E
se misturam com as unhas que cortei,
Com
os anéis de pirita que te dei,
Com
as turmalinas do meu desconsolo.
Rasgo
esses versos de hipocrisia e dolo,
Bem
mais que em cantos meu amor te mostrarei
Linhas
e unhas às gaivotas servirei
E
então na areia te tomarei no colo.
Entre
teus braços poeta então serei
E
em cada beijo aflorará a inspiração,
Nesse
poema que só nós dois leremos,
Mas
a brisa das distâncias sentirei
E
os fragmentos dos poemas voarão
E
só então o nosso amor compreenderemos.
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