domingo, 26 de junho de 2022


 

 

ESPASMO DE AMOR 1 – 23 JUN 2022

(Na ilustração, Sarah Bernhardt)

 

Eu lembro muito bem – foi quase um susto.

No momento do orgasmo, ergueu-se o rosto,

Firmado sobre a nuca, qual desgosto

Perpassasse o coração, sob teu busto.

O meu prazer tomei, porém a custo,

Qual delírio provocado pelo mosto,

Teu pescoço distendido, o queixo posto

De tal modo que o semblante mais vetusto

Me parecesse do que de fato o era,

Tal se fizesse amor com uma estranha,

De outra época, de um lugar qualquer,

Nesse esgar semelhante ao de uma fera,

Enquanto a dor nesse prazer tamanha,

Explodisse do pulmão de outra mulher!

 

ESPASMO DE AMOR 2

 

Lembro até hoje – o rosto esverdeceu-se,

Conquanto se mudassem as feições:

Já não era um rosto só, mas multidões,

Todas gemendo no mesmo entretecer-se;

Mudaram-se os cabelos, o rosto fez-se

Num refletir arcano e sem canções,

Era a mulher da taba em mil paixões,

A noiva virgem vendo a flor a desfazer-se,

Era a matrona nos braços de um amante,

Era a estuprada ante a adaga de um soldado,

Era o início fértil da gravidez em nexo,

Todas as eras em um só orgasmo delirante,

O coração do inteiro mundo atribulado,

Na inabalável religião do sexo!

 

ESPASMO DE AMOR 3

 

Se misturaram em ti os sentimentos,

Contraditória em tuas almas de mulher,

Desejando para ti um bem qualquer,

Mas logo a desfazer-se tais intentos...

Como é vasto o fluir dos movimentos,

De tantas emoções, que nem sequer

Se estabelecem firmemente em ser,

Mas coalescem em mil falsos juramentos!

Queria sempre a teu lado poder ter

A certeza da visão que me esperava,

Se era um sorriso ao invés de uma careta,

Mas nunca sei o que de ti poderei ver,

Nesse teu rosto que estranheza me mostrava

No próprio instante da paixão completa!

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