QUEIXA
SEM MÁGOAS I – 5 JUN 22
Inverso
apenas é o tom de teus caprichos,
mulher
que dança incólume em minha vida,
intocada
por mim, flor incontida,
enquanto
salvaguardo troféus michos,
coisas
que outros talvez lancem aos lixos,
as
linhas de um poema a ver nessa preterida
promessa
que até se finge como crida,
em
compromissos que nunca foram fixos...
Somente
as dobras esguias dos lençóis
denunciam
a negação que nunca houve,
quando
o abraço febril enfim se alcança,
porque
teus olhos para sempre são faróis
e
como é belo o coração que não me ouve,
ainda
envolvido em resquícios de criança!
QUEIXA
SEM MÁGOAS II
Porém
direto é o tom de teus carinhos,
desnudados
em todos os meus sonhos,
sejam
eles de desejo ou só bisonhos,
porque
me acenas de todos os caminhos,
mesmo
mostrando muchochos escarninhos,
na
comissura dos lábios teus tristonhos
e
meus olhos os buscam, por medonhos
esses
receios que se mostram comezinhos
de
que te perca nessas vias do onirismo:
com
que frequência esse temor retorna!
O
sonho é meu e nele só transitas...
Por
que ainda me escraviza o nihilismo
de
que essa imagem colorida e morna
me
abandone em emaranhado de desditas?
QUEIXA
SEM MÁGOAS III
Porque
irreais, de fato, são tais mágoas,
que
estás comigo e nunca me abandones,
que
nas artérias e pulmões ainda ressones
estrondorosa
como férreas fráguas!
E
no entretanto, que teu vulto me retomes,
qual
imagem desvanecida nessas tréguas,
que
de repente se afasta por mil léguas
e
de meus sonhos simplesmente somes!
Há
muitas décadas não tenho pesadelos,
mas
te incluo em meus sonhos e te esvais
e
quando volto para ti já não te vejo;
tais
finais me desagradam, porém tê-los
sempre
me provam que de mim não sais,
permanente
em tal moldura do desejo.
QUESTÕES
SEM MÁGOAS I – 6 JUN 22
Em
múltiplos lugares, já foi lido
que
a mulher, mais que o homem, é capaz
de
falar de um assunto, enquanto faz
coisas
diversas, sem qualquer sentido,
mas
na verdade, eu tenho convivido
com
mais de uma mulher e a mente traz,
para
que seja essa assertiva bem veraz
um
total e completo desmentido!...
Só
conseguem pensar em um só fato
de
cada vez e com tal concentração
que
nem desculpas conseguem escutar
e
muito menos realizar mais do que um ato,
sem
querer mal, mas incapazes de atenção
quando
se quer em sua mente penetrar...
QUESTÕES
SEM MÁGOAS II
Mas
de repente, até parecem retornar
de
onde quer em que tenham antes estado,
sem
recordar do intervalo compassado,
nem
perceber sequer o seu falhar...
Custei,
de fato, a tal me acostumar,
mas
em mais de um mulher tenho notado
como
o seu ser se torna ensimesmado,
sem
refletir em nada um desprezar...
E
então reclamam por falta de atenção,
caso
vejam outra coisa a interessar
esse
que têm quase como propriedade!
Mas
considero que realmente têm razão,
pois
sou eu sempre que devo demonstrar
o
amor constante que deva à sua vaidade...
QUESTÕES
SEM MÁGOAS III
Alfim
me entrego ao domínio da incerteza:
até
que ponto conserva sua importância
a
minha presença, se com tal constância
ela
se esqueçam de mim, com tal presteza...
Não
que demonstrem assim qualquer crueza,
mas
com o presente apresentam discrepância,
seu
é outro nível quântico nessa instância
sou
menosválido qual fantasma sem nobreza!
Quando
esse presente desliza inacabado
pelas
artérias e nossa carne alerta
ao
fenecer de minha própria humanidade,
nessa
visão das ausências do passado,
que
perante o que não houve, em mim desperta
um
sentimento inexplicável de saudade!
ENTREGA
SEM MÁGOAS I -- 7 JUN 22
Inclinam-se
para mim as borboletas
que
te envolvem em volátil ramalhete,
pólen
furtivo que cada flor secrete,
haste
ondulante no lugar de setas,
odor
de almácego em paixões secretas,
atiradas
ao vento que as inquiete,
mil
promessas de vidas que projete,
tão
raras são, mas enfim brotam diletas!
Assim
percebo os olhares que me lanças,
mas que
lanças igualmente ao derredor,
folhas
de vento a sugerir favores;
mesmo
sabendo, em sedução me tranças,
dos
excluídos sou o sargento-mór,
nesse
rufar que só eu escuto de tambores.
ENTREGA
SEM MÁGOAS II
Busquei
diamantes, encontrei carvões
nesse
carbono puro de teus olhos,
já
naufraguei mil vezes nos escolhos
em
que se podem partir os corações;
o teu
perfume dentro dos pulmões
envenenou-me
como ímpios óleos,
sem
nada devolver, salvo os abrolhos,
só para
mim a refluir finais unções.
Sei
que teus olhos, enfim, são só grafite
e com
pestanas escreveste na minhalma,
de
total propriedade a escritura,
sem
que o devido pagamento agite
a
minha memória, nessa estranha calma
da
indolência febril da mente impura.
ENTREGA
SEM MÁGOAS III
Com
frequência se compara uma donzela
com o
paradigma que tal lenda cinzela,
que igual
a Helena fosse inspirar ternura,
tal
qual Helena não causasse só amargura...
nem é
que Helena fosse assim tão bela,
mas
tinha a sedução de uma procela,
terrível
e encantadora em formosura,
navios
lançando para a morte obscura.
Porém
a ti, eu jamais compararei
senão
ao ideal que tinha no meu peito,
tão
semelhante e por igual tão diferente,
que voluntário
dia após dia adaptei
a
essas arestas cristalinas de teu jeito,
que exigiu
minha devoção integralmente.
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