LADRÕES
DE SESTA I -- 22 DEZ 2017
Quando
ao crepúsculo, em límpido letargo,
as sombras descem em sua pura languidez,
do que se fez e de quanto não se fez
chega
a memória como atroz embargo.
Recordar
o passado é duro encargo,
melancolia cortante em seu jaez,
a modorra a perturbar-nos por sua vez,
os
sonhos maus chegando a passo largo.
Numa
tocaia à espreita, em emboscada,
escondida no bochorno da modorra,
quando
o calor não nos permite nada.
E
esses duendes do passado se alimentam
e nos agarram por mais que a gente corra
e
novamente a nos sugar o sonho intentam...
LADRÕES
DE SESTA II
O
que a gente preferia é um sonho erótico:
mesmo os parceiros sendo evanescentes,
no devaneio sempre estarão presentes,
do imaginar
em seu poder despótico...
Já
o sonho do sono é estrambótico,
de nós zomba nos instantes mais
prementes;
algo nos faz despertar
semi-inconscientes,
só
um fantasma ainda habitando o nervo ótico...
Mas
é tão raro conseguir-se retomar
ao sonho bom depois que se findou;
retorna
o sono, mas sem ser o sono REM
ou
então outra quimera a nos brindar,
bem diferente da que se procurou,
em
nova traça a zombar de nós também...
LADRÕES
DE SESTA III
Porém
na sesta algum controle existe,
são imagens a correr em devaneio,
talvez do livro que inda há pouco eu
leio,
talvez
de um abantesma que se inquiste...
Mas
é possível causar o seu despiste,
outro fantasma a buscar em nosso seio,
até um mais forte surgir-nos de permeio,
a
quem nossa defesa não resiste...
É
nesse instante que nos vem o sonho mau,
uma lembrança de qualquer humilhação,
algum
lamento pelo que nunca se fez...
E
nos desperta qual golpe de um pau,
nesse delírio de conturbação,
clara
deixando a lembrança de sua grês...
LADRÕES
DE SESTA IV
Pois
mesmo quando vai depressa embora,
deixa em nós suas garras e gavinhas:
perdes o sono que anteriormente tinhas,
por
mais que a languidez em ti se ancora...
Mas
a canícula ainda forte lá fora,
ali ficas repetindo as ladainhas,
ou contando carneirinhos, longas linhas
mais
de churrasco que da lã de outrora...
E
nessas tardes quentes do verão
é bem mais fácil conservar a percepção
do
rebanho das gotas de suor,
a
escorrer em lenta perspiração,
lançada a sesta a qualquer outro rincão,
mesmo
que o corpo esteja sem vigor...
TECNOLOGIA I -- 23 DEZ 2017
Com a impressora solidifico o medo
e assim posso guardá-lo em
prateleira;
não mais me assalta em hora
passageira,
posso afastá-lo com a pressão de um
dedo.
Afinal, se a digital guarda um
segredo
e hoje até para eleição se a quer
inteira.
deve ser muito mais forte que se
queira
e com leve pressão ao medo enredo...
Nos maranhos dos laços das papilas,
posso esse medo manter a meu alcance
e submetê-lo com pequeno toque...
E meus temores de 3D em longas filas
contemplarei sem que o olhar se
canse,
até podendo-lhes fazer algum
retoque...
TECNOLOGIA II
Pois comprarei uma impressora de 3D,
depois mandar escanear meu coração
e num átimo imprimir à perfeição
o meu amor, que no peito não se
vê...
Pois certamente haverá algum portão
para acessar qualquer espaço em que
se dê
dos abstratos a presença e que se lê
para enfim viralizar essa emoção...
Porque, afinal, é uma questão de fé
a existência do amor e da saudade.
Quem guardar pode em sua mão
felicidade?
Onde a inveja possui de fato a sé?
Será possível trolar toda a vaidade
que impura paira sobre a sociedade?
TECNOLOGIA III
Se nossa fé é a crença no
impossível,
será que posso digitar um santo
a quem já enviei preces e pranto?
E que aspecto teria, se possível?
Não esse gesso fabricado em
inexaurível
artesanato que se acha em cada
canto.
Seria um vulto recoberto por um
manto,
pela 3D tornado agora bem tangível?
Naturalmente são fac-símile as
imagens,
concretizadas por lêiser e
impressora,
mas quem sabe surgirá qualquer magia
que as interligue com essas paragens
das emoções internas de quem chora
por ter somente tal tecnologia...
TECNOLOGIA IV
O problema é que depressa irá surgir
(Sempre aparece algum espertalhão),
um hacker digital e charlatão,
algum pobre coração sempre a
iludir...
E as emoções que poderíamos assistir
concretizadas em científica noção
as verdadeiras nossas não serão,
porém de outras roubadas ao
dormir...
De tal modo na impressora confiarei
que conserve bem segura no
escritório
para só nela concretizar a minha
paixão...
E numa caixa de bom-bons a enviarei,
seu invólucro de seda só ilusório,
falha deixando em meu próprio
coração...
ATRÁS DA
JANELA I -- 24 DEZ 17
O
celular é uma porta para o mundo
e tantas
coisas permite realizar;
aos
solitários promete acompanhar
caso
saibam controlar seu dom fecundo.
Mas o
que vejo e me faz mesmo iracundo
é que as
pessoas se permitem dominar;
muita
gente já se deixou atropelar,
olhos
grudados nesse painel rotundo.
Pois não
olham sequer por onde vão,
facilmente
deixando-se assaltar,
sem
conversar nas rodas dos amigos.
E
roubado o celular... que maldição!
Já coisa
alguma conseguem realizar,
sem suas
redes sociais de mil perigos.
ATRÁS DA
JANELA II
Sua
agressividade pensam garantida,
mesmo
que mostrem qualquer fotografia,
imagem
falsa que se colocaria,
já
retocada a face antes possuída...
Tornou-se
um vício a que se dá guarida,
uma
artimanha em que a gente consentia,
que sem
teclar viver não mais podia,
para seu
tablet a alma já vendida...
Um
meio-ambiente realmente endemoniado,
hoje o
domínio de mil espertalhões
dados
roubando dos mil inadvertidos
e que
permite a qualquer um ser enganado,
como
nunca as anteriores gerações,
facilmente
a seu prejuízo seduzidos...
ATRÁS DA
JANELA III
Porque,
de fato, ninguém sabe realmente
quem a
espia por detrás dessa janela,
um
impostor se passando por donzela
e as
tuas contas invadindo facilmente.
Essa
mania tornou-se tão premente
pela
ambição comercial oculta nela;
cada
mensagem transmitida pela tela
causa
despesa ao povo indiferente,
que a
maior parte do tempo não precisa
desse
intercâmbio, que deveria ser útil,
mas que
de fato serve ao povo escravizar.
E os
satélites congestiona na imprecisa
repetição
de tanta coisa fútil,
sem
coisa alguma, na verdade, melhorar.
ATRÁS DA
JANELA IV
Sei
muito bem estar sendo impopular,
mas bem
podia haver racionamento;
só as
mensagens de maior merecimento
deveriam
transitar por celular.
À
medicina e à segurança dedicar
o que
fosse necessário no momento,
nas
emergências o necessário assento
ou
alguma forma de informações buscar.
Não um
veículo para se fofoquear
ou para
vigarices se empregar,
algum
limite de mensagens, diariamente,
que se
pudessem os negócios completar,
mas a
vida a viver de anteriormente,
em que
aos amigos se iria visitar...
ATRÁS DA
JANELA V
Não sou
contrário à comunicação,
o que me
assombra é esse desperdício,
o que me
abala é ver tornado em vício
o que
criaram para nossa diversão.
E que
serve hoje para a separação,
e que provoca,
de fato, um malefício,
sem ser
cumprido seu verdadeiro ofício
de à
vida humana apenas confortar.
Foi
transformada em banalização
essa
janela, que realmente te limita,
levando
a vida mais como um empréstimo,
sem
buscares novos meios de atuação,
uma
leitura ou um esporte que te incita
a
retomar de cada dia o inteiro préstimo.
ATRÁS DA
JANELA VI
Nisto
que falo me mantenho coerente,
pois até
hoje não comprei um celular,
por
propaganda não me deixo manobrar,
procuro
sempre controlar o meu presente.
E se
comprasse algum desses, finalmente,
não
deixaria esse deusinho me assombrar,
só o
ligaria quando fosse precisar,
seria de
fato o meu servo onipotente.
Mas até
hoje não vi tal necessidade,
ainda
prefiro até um banco caminhar,
fazer
minhas compras e as contas a pagar,
pessoalmente,
com plena liberdade,
sem ser
exposto assim a uma artimanha,
ou ser
roubado por alguém que me acompanha!
Magia de Natal 1 -- 25 Dez 2017
No mundo, antigamente, havia magia.
Era possível aos deuses invocar
Os aos demônios poder ameaçar,
Mediante o poder mágico que havia.
Com preces, sacrifício ou homilia
Se poderia aos deuses propiciar
Ou mediante talismãs se dominar
Um mau espírito que mal fazer queria.
Nem todos tinham, é claro, tal poder.
Eram os magos e também as feiticeiras
Que com demônios até mesmo consorciavam
E por meio de ritual, dor ou prazer,
Submetiam as criaturas sobranceiras
Que à sua própria vontade se curvavam.
Magia do Natal 2
Com uma vassoura facilmente se voava,
Dava uma bola de cristal longa visão,
Porvir e antanho se manifestarão,
Em búzio e cartas vaticínio se encontrava.
Mediante uma boneca por Vodu matava,
com Abre-te Sésamo cruzava-se portão,
Lâmpada Mágica ou por límpida poção,
Filtro de Amor perfeito se alcançava.
E havia Fadas e Faunos na paisagem,
Quaisquer maléficos, outros benevolentes,
Não nos feriam, a alma sendo pura;
Mesmo gigantes canibais de má visagem
Seriam banidos pelo poder dos crentes;
Ver uma Ninfa ou um Elfo se procura...
Magia do Natal 3
Era outro mundo, bem diverso deste agora.
Talvez houvesse menos segurança.
Ventos sopravam de Éolo na dança
Hélios brilhava para nós no outrora...
Num aeroplano hoje chegamos sem demora.
A eletricidade a toda casa alcança:
Luz, micro-ondas, água quente avança
E a geladeira funciona a qualquer hora...
Mas que magia existe nesses fatos?
E nem paramos no milagre a refletir,
Eletricidade, de fato, não se entende.
Mas há certeza ao se ligar esses contatos;
Faz-se monótono o computador a reluzir,
Um automóvel dirigir fácil se aprende.
Magia do Natal 4
Mas qual a graça da tecnologia?
Por imprevisto, nos cortam a água ou a luz,
Mas logo voltam, passada a breve cruz:
Perdeu-se o mágico que antes existia...
Já ninguém pensa que a fotografia
Ou o cinema ou um vídeo que seduz
Ou a gravação que à voz de um morto nos conduz
São maravilhas a nos compor o dia-a-dia.
Ninguém se espanta com o retrato dos avós
Nem com a reprodução de sinfonia,
Pavarotti a gente escuta em um Cedê.
Com celulares nunca ficamos sós,
Sem nem notar a ciência que trazia.
Coisas comuns -- se conhece e não se crê.
Magia do Natal 5
Hoje domina o Deus Civilização,
Pela Deusa Ciência acompanhado
E no intermédio, ainda atribulado
Permanece o nosso humano coração.
Mas à ciência ainda faz competição
Essa busca constante do sagrado:
Que a Santa Virgem perdoa o teu pecado,
Que qualquer santo atenda a tua oração.
Porque na falta dos deuses ou magia
Nada no mundo podemos controlar,
Que a Energia, de fato, nos sujeita,
Mas cada vez que algo a interromper,
Para algum santo é inútil apelar,
Como os antigos faziam em cada feita...
Magia de Natal 6
Com franqueza, até a gente preferia
Poder anjos ou demônios controlar,
Nossas ordens obrigados a aceitar,
Por um poder que a nós somente pertencia...
Dois mil anos atrás, nos explodia
Supernova que se pôde observar;
Três Magos se animaram a jornadear,
Para os Pastores só uma gruta os atraía...
Hoje o Natal é uma festa comercial,
Dedicada a esse bom Papai Noel:
Descrendo dele, quanto em Deus perdeu a Fé?
Que perdurasse essa Magia do Natal!
Para as crianças... Mas que esse pão-de-mel
A vida inteira se saboreasse até!...
William
Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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