RITORNELLO – SEGUNDA PARTE
ritornello VII – 30 nov 2022
ou sob vastos bosques, à cata dessa dríade,
um sátiro, não
mais,
nos galhos acharei ardores de hamadríade,
transitórios
perenais
e então, em gargalhada, das ramas me
olharia,
por ser um ser
terreno
que só com vasto esforço até ela subiria,
a beber de seu
veneno.
e um silfo chegaria, em plena zombaria,
valseando pela
brisa,
qual sátiro também, a ninfa possuiria
nos ramos que
ela pisa,
eu sátiro somente, a tocar minha ocarina
em ritmo
plangente,
enquanto na folhagem, a sombra que fascina
me ouvisse
redolente.
talvez então descesse, ainda insatisfeita
por seu etéreo
par,
por notas fascinada, no musgo então se
deita,
cansada de
zombar
e então me recebesse, em dádiva suave
ou maldição
concreta,
meus flancos de animal possuindo a doce
ave,
fecundação
completa,
por mais que transitória fosse a doura
glória,
abstrato seu fanal,
em que me perderia na morte peremptória
que me faria
imortal.
ritornello VIII
talvez fosse a uma fonte, como o imortal Narciso
morreu de fascinado
por um reflexo pálido, um círculo indeciso
do mundo desgarrado,
achando-se tão belo e terminando em flor
da mais simples brancura,
a lenda a recordar, tão vago o constritor
dessa sutil ternura.
queria ser Narciso, se ela fosse a fonte,
em vastidão concêntrica,
a náiade que ilude, mostrando a própria fronte
qual minha face intrínseca,
no rúbido reflexo de seu alheio sexo
pensando refletir,
tão rútilo o amplexo a me abanar um nexo
do mais real fingir.
porém seria capaz de até me contentar
em ser ondulação,
minha face a desmontar, mas nela me tornar
pixels em digitação,
sem que jamais pudesse à fonte numa prece
lançar-me em fantasia
à náiade que se aquece, sua vista me esquecesse,
que tão só me iludiria,
batendo nessa margem, sem ser dessedentado
o meu desejo ardente,
ali me consumisse, em sombra de miragem,
flor pura e consistente.
ritornello IX
no ar, no mar, na terra a imagem permanece,
envolta em seu
mistério,
no som que permanece, conduta de uma prece
de orgiástico
saltério,
no voo da andorinha, no pio de uma fragata,
nas fomes da
gaivota,
silhueta inspiradora, imagem que recata,
gestalt me denota.
por onde andará ela, que guarda na retina,
perdida em seu
quiasma,
em suas dimensões que seu olhar reclina,
tridimensional
se pasma,
visão periferal, a tudo dando aval
em
fantasmagoria,
nas árvores sem mal, no sol sinto seu sal
na brisa que
escondia.
perdida em cada folha da página que viro,
sua mente me
sorri,
ardente nas narinas a cada vez que inspiro,
a julgo estar
ali
e quando algum murmúrio ressoa em meu
ouvido
e assombra-me
a cocleia,
se bem do próprio sangue proceda esse
ruído,
repito minha odisseia,
nos mares da ilusão só eu posso navegar,
em busca de
minha amada
mas a rima que se estende e leva a marejar,
só me destina
ao nada.
ritornello X – 1º dezembro 2022
e assim nessa mania o poema se incendeia
em plena combustão,
dos dedos a escorrer pura saudade feia,
que afasto com paixão,
antes que a polpa queime do dedo indicador,
a par do polegar,
registro suas palavras no ignorante ardor
de quem deseja amar.
mas é hidra somente, quimera desconforme,
amor irresponsável,
sem que o vulto real a caprichos se conforme,
talvez bem mais saudável,
mas o amor de fantasia, implícita elegia,
se faz mais inefável,
enquanto a aurora canta em muda sinfonia
o dom do imponderável.
na busca de estrabismo de um vago solecismo,
espécie de onanismo,
em que a semente ejeta um manso saudosismo,
em meigo mimetismo
o amor da solidão não mais que falsidão
para tal literatura,
em que mil filhos nascem nas páginas do texto,
centelha prematura,
crianças sem ter mãe no parto verdadeiro
do amor patriarcal,
por força do desdém a fecundar-me inteiro
em leito sideral.
ritornello XI
nesse amor irreal, amor de alma penada,
no vício da
saudade,
amor de sortilégio, abantasma abandonada,
delírio de um
abade,
amor sem conversão, condão de falsa fada,
mas sempre
inacessível,
a derramar seu dom qual musa desprezada
por sonho
imarcessível.
amor de perdição de alma atribulada
em
autopunição,
amor de permissão da mente desgarrada,
maiêutica
emoção,
amor de vagabundo, amor irrefragável,
em versos
perdulário,
amor que esquece a raça, que vive na
pirraça
profana de um
sacrário.
amor impenitente, apenas em esboço,
ansiando por
martírio,
amor de podridão, amor de fundo poço,
mas de que
brota um lírio,
amor de mil estames, amor de um só pistilo
no centro da
corola,
amor que escorre seiva, amor de carne e
linfa,
amor que o
peito esfola,
amora aminoácida, com algo de enzimática
e um toque de
histamina,
em sadomasoquismo, pois tripudia enfática
a imagem que
assassina.
ritornello XII
e neste ritornello, desdenho a hipocrisia
do próprio malefício,
amor que martiriza, que a sístole tangia,
diastólico em ofício,
amor suprassensual, sem nada de sexual,
amor de morbidez,
amor de desolado, amor superficial,
solipsismo em vez.
por onde andará ela, por onde se revela
o verdadeiro amor,
por onde andará ela, no fogo que congela
o máximo vigor?
amor abandonado, amor sem consensual,
divórcio de mim mesmo,
que se deixa purgar de forma esternutal
para espalhar-se a esmo.
por onde andará ele, amor que foi tão puro
e tanto dessacrado,
trocado por sentenças, ergástulo bem duro,
amor tão mastigado,
a se expandir ao vento, amor irrefletido,
amor só especular,
sua imagem refratada em verso repetido,
sem nunca resgatar
do seio de meu ventre o antigo sentimento
perdido nas entranhas
de alvéolos pulmonares, amor de julgamento
de pálidas façanhas.
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