quinta-feira, 1 de dezembro de 2022


 

RITORNELLO – SEGUNDA PARTE

 (Eleonora Duse, a grande musa do 

teatro da Belle Époque)


ritornello VII – 30 nov 2022

 

ou sob vastos bosques, à cata dessa dríade,

um sátiro, não mais,

nos galhos acharei ardores de hamadríade,

transitórios perenais

e então, em gargalhada, das ramas me olharia,

por ser um ser terreno

que só com vasto esforço até ela subiria,

a beber de seu veneno.

 

 

e um silfo chegaria, em plena zombaria,

valseando pela brisa,

qual sátiro também, a ninfa possuiria

nos ramos que ela pisa,

eu sátiro somente, a tocar minha ocarina

em ritmo plangente,

enquanto na folhagem, a sombra que fascina

me ouvisse redolente. 

 

talvez então descesse, ainda insatisfeita

por seu etéreo par,

por notas fascinada, no musgo então se deita,

cansada de zombar

e então me recebesse, em dádiva suave

ou maldição concreta,

 

meus flancos de animal possuindo a doce ave,

fecundação completa,

por mais que transitória fosse a doura glória,

abstrato seu fanal,

em que me perderia na morte peremptória

que me faria imortal.

 

ritornello VIII

 

talvez fosse a uma fonte, como o imortal Narciso

morreu de fascinado

por um reflexo pálido, um círculo indeciso

do mundo desgarrado,

achando-se tão belo e terminando em flor

da mais simples brancura,

a lenda a recordar, tão vago o constritor

dessa sutil ternura.

 

queria ser Narciso, se ela fosse a fonte,

em vastidão concêntrica,

a náiade que ilude, mostrando a própria fronte

qual minha face intrínseca,

no rúbido reflexo de seu alheio sexo

pensando refletir,

tão rútilo o amplexo a me abanar um nexo

do mais real fingir.

 

porém seria capaz de até me contentar

em ser ondulação,

minha face a desmontar, mas nela me tornar

pixels em digitação,

sem que jamais pudesse à fonte numa prece

lançar-me em fantasia

 

à náiade que se aquece, sua vista me esquecesse,

que tão só me iludiria,

batendo nessa margem, sem ser dessedentado

o meu desejo ardente,

ali me consumisse, em sombra de miragem,

flor pura e consistente.

 

ritornello IX

 

no ar, no mar, na terra a imagem permanece,

envolta em seu mistério,

no som que permanece, conduta de uma prece

de orgiástico saltério,

no voo da andorinha, no pio de uma fragata,

nas fomes da gaivota,

silhueta inspiradora, imagem que recata,

gestalt me denota.

 

por onde andará ela, que guarda na retina,

perdida em seu quiasma,

em suas dimensões que seu olhar reclina,

tridimensional se pasma,

visão periferal, a tudo dando aval

em fantasmagoria,

nas árvores sem mal, no sol sinto seu sal

na brisa que escondia.

 

perdida em cada folha da página que viro,

sua mente me sorri,

ardente nas narinas a cada vez que inspiro,

a julgo estar ali

e quando algum murmúrio ressoa em meu ouvido

e assombra-me a cocleia,

 

se bem do próprio sangue proceda esse ruído,

repito minha odisseia,

nos mares da ilusão só eu posso navegar,

em busca de minha amada

mas a rima que se estende e leva a marejar,

só me destina ao nada.

 

ritornello X – 1º dezembro 2022

 

e assim nessa mania o poema se incendeia

em plena combustão,

dos dedos a escorrer pura saudade feia,

que afasto com paixão,

antes que a polpa queime do dedo indicador,

a par do polegar,

registro suas palavras no ignorante ardor

de quem deseja amar.

 

mas é hidra somente, quimera desconforme,

amor irresponsável,

sem que o vulto real a caprichos se conforme,

talvez bem mais saudável,

mas o amor de fantasia, implícita elegia,

se faz mais inefável,

enquanto a aurora canta em muda sinfonia

o dom do imponderável.

 

na busca de estrabismo de um vago solecismo,

espécie de onanismo,

em que a semente ejeta um manso saudosismo,

em meigo mimetismo

o amor da solidão não mais que falsidão

para tal literatura,

 

em que mil filhos nascem nas páginas do texto,

centelha prematura,

crianças sem ter mãe no parto verdadeiro

do amor patriarcal,

por força do desdém a fecundar-me inteiro

em leito sideral.

 

ritornello XI

 

nesse amor irreal, amor de alma penada,

no vício da saudade,

amor de sortilégio, abantasma abandonada,

delírio de um abade,

amor sem conversão, condão de falsa fada,

mas sempre inacessível,

a derramar seu dom qual musa desprezada

por sonho imarcessível.

 

amor de perdição de alma atribulada

em autopunição,

amor de permissão da mente desgarrada,

maiêutica emoção,

amor de vagabundo, amor irrefragável,

em versos perdulário,

amor que esquece a raça, que vive na pirraça

profana de um sacrário.

 

amor impenitente, apenas em esboço,

ansiando por martírio,

amor de podridão, amor de fundo poço,

mas de que brota um lírio,

amor de mil estames, amor de um só pistilo

no centro da corola,

 

amor que escorre seiva, amor de carne e linfa,

amor que o peito esfola,

amora aminoácida, com algo de enzimática

e um toque de histamina,

em sadomasoquismo, pois tripudia enfática

a imagem que assassina.

 

ritornello XII

 

e neste ritornello, desdenho a hipocrisia

do próprio malefício,

amor que martiriza, que a sístole tangia,

diastólico em ofício,

amor suprassensual, sem nada de sexual,

amor de morbidez,

amor de desolado, amor superficial,

solipsismo em vez.

 

por onde andará ela, por onde se revela

o verdadeiro amor,

por onde andará ela, no fogo que congela

o máximo vigor?

amor abandonado, amor sem consensual,

divórcio de mim mesmo,

que se deixa purgar de forma esternutal

para espalhar-se a esmo.

 

por onde andará ele, amor que foi tão puro

e tanto dessacrado,

trocado por sentenças, ergástulo bem duro,

amor tão mastigado,

a se expandir ao vento, amor irrefletido,

amor só especular,

 

sua imagem refratada em verso repetido,

sem nunca resgatar

do seio de meu ventre o antigo sentimento

perdido nas entranhas

de alvéolos pulmonares, amor de julgamento

de pálidas façanhas.

 

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