quarta-feira, 14 de dezembro de 2022


 

 

NA  SILHUETA  DOS CÍLIOS I – 12 DEZ 2022

(Ann Blyth, época do apogeu d Hollywood)


Em teus olhos vejo as coplas de minha terra,

Acompanhadas por tuas pálpebras de seda,

Tal e qual se decantassem minha vereda

Nessas milongas que meu campo encerra,

Antepassados a enfrentar antiga guerra,

As cozinheiras em sua tarefa queda,

O bastidor em que o bordado enreda

As invernadas além de cada serra.

Teus olhos cantam para me perturbar,

As suas coplas em tonadas inquietantes

E mesmo calmos, de mim sendo exigentes,

Teus olhos cálidos meu peito a dominar

Minhas empresas, por igual constantes,

Em sua humildade a se mostrar potentes!

 

NA  SILHUETA  DOS CÍLIOS II

Teus olhos cantam as coplas da tristeza,

Por mais que eu busque te fazer feliz,

Ainda se rasgam na rapidez de um tris,

Olhos de espelho, reflexo de incerteza,

Mas que em nada detraem de tua beleza,

A inquietação com teu olhar condiz,

Sempre avaliando a menor coisa que fiz,

Em meus esforços sem achar nobreza,

Porque, afinal, não sou o que esperava,

Embora sejas tal qual eu esperei,

És minha rainha, mas não sou seu rei,

Que mesmo a sua alegria me cobrava,

Que de seu canto não escrevi a partitura,

Em seu desdém mesclado de ternura...

 

NA  SILHUETA  DOS CÍLIOS III

 

Mas os teus olhos igual refletem-me alegria,

Breves momentos de tua complacência,

Sempre tão raros a demonstrar leniência,

Sempre que falha a seu julgar eu cometia,

Muito embora eu raramente saberia

Qual a razão real dessa impaciência,

Nem decifrasse a sua inconsistência,

Qual a alma por trás dela que gemia;

Acompanhar essas tuas coplas gostaria

E certas vezes, acerto mesmo o tom,

Mas de outras tantas, apenas desafino;

Como tanger tua alma eu gostaria!

Roubando deles o mais meigo tom,

Sem o lamento que transtorna o meu destino.

 

NA  SILHUETA  DO ARAUTO I – 13 DEZ 22

Ainda percebo que não chegou a hora,

Que é necessário suportar mais adiamento,

Por mais que seja certo o julgamento,

Eu não o vejo cumprido nesta hora;

Meus sonhos eu lancei no mundo a fora,

Sonhos de mau ou de belo pensamento,

De seu retorno eu vivo em descontento,

Apenas vivo, sem porvir ou outrora.

E é tão mais simples limitar-me ao vento,

Que carrega minhas palavras em farrapos,

Sem compromisso de nada me trazer,

Confiando assim o meu fado em catavento,

Que transforma meus versos em mil trapos,

A que ninguém sequer se atreve a responder...

 

NA  SILHUETA  DO ARAUTO II

Também podia pedir a uma roseira,

Que mensagem mandasse em seu perfume

Que exala diariamente ou nesse gume

De um espinho a transmitisse inteira,

Batendo as pétalas vermelhas de fogueira,

Um ramo se ergueria e sobre o cume

De inflorescências, isento de azedume,

Levasse minha palavra alvissareira,

As folhas serrilhadas como um leme,

Em sua tonalidade verde-escuro,

Que levassem minha rosa até seus braços

E porque apanhar flores ninguém teme,

Seu beijo sobre a rosa, em fogo puro,

Reescreveria minha lembrança nos seus traços.

 

NA  SILHUETA  DO ARAUTO III

 

Ou talvez possa um escaravlho azul

De meus sonhos tornar-se o mensageiro,

Enrolará meus versos por inteiro,

Como faz com a bolinha em que põe ovos...

E desse modo ainda terei de pagar mul-

ta, por empregar tal veículo interesseiro,

Que o besourinho irá mais que ligeiro,

Sacudindo a mensagem nos corcovos...

Até chegar aos pés da minha amada,

Uma carícia fará com suas antenas

E ela os olhos descerá sobre a mensagem,

Quiçá então, em confusão, fique enojada

E não lhe queira estender as mãos serenas,

Porém esmague meu recado com seu pagem!..

 

NA  SILHUETA  DOS CORREIOS I – 14 dez 2022

Também posso chamar um passarinho

E prometer-lhe alpiste por salário;

Desse modo, meu verso perdulário

Lhe entregarei com todo o meu carinho,

Para que o leve na ponta do biquinho,

Mas como confiarei, se o salafrário

Pode picar a mensagem e ninho vário

Construir na forquilha de um galhinho,

Para então retornar por mais alpiste

E quando lhe indagar pela mensagem

O espertalhão tão somente gorjeará,

A me pedir, no instante em que me aviste,

Mais alimento ou fiapos de aniagem,

Com os quais seu novo ninho forrará!...

 

NA  SILHUETA  DOS CORREIOS II

Ou poderei chegar-me até o aquário

E pedir a um peixinho que lá habita

Que transporte meu recado enquanto agita

Suas águas remansosas sem estuário;

E tal peixe de escamas, qual sicário,

Soltará bolhas de ar em breve fita,

Disposto a transportar do verso a grita

Pelos mágicos túneis a um terrário,

Onde achará o olhar de minha amada,

Que então verá o peixinho voador

E se surpreenderá com suas escamas,

Em furtacor a rebrilhar na revoada,

Sem sequer perceber o meu amor

Nessa carta sem malícias nem proclamas.

 

NA  SILHUETA  DOS CORREIOS III

Ou finalmente peça a um raio de luar

Que voe baixo e sobre ela adeje,

No primeiro momento que se enseje,

Depositando meus sonhos nesse altar,

Que ela tome em suas mãos o verde mar,

Refletido pela Lua e então o beije

Ou impaciente o lance ao vento e aleije

Todo esse afeto que lhe queria demonstrar.

E quem estende suas mãos para esse raio

De prata pura concretado em verso,

Ou quem guarda o luar cerrando o punho?

Porém nessa esperança ainda recaio,

Que uma armadilha desse luar converso

Tinja-lhe as palmas com meu sangue em testemunho.

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