NA TOCAIA DO DEVANEIO I – 27 NOV 2022
(Renata Sorrah e Suzana Vieira)
Enquanto o
vinho lentamente se esvaziava,
Eu me
deitava nos braços de minha amante,
Que
encarava, compassiva e triunfante
A sua amiga
que então solteira estava
E ao ver que
a mim também se aconchegava,
Sugeriu de
repente, em sentença delirante:
“Não queres
beijar a ela neste instante?”
Decerto o
vinho em tal momento a inspirava.
“Mas que manobra
é esta que propões?
Minha
fidelidade ainda está em vigor,
Por que
deveria beijar outra mulher?
E ficarias
depois ao lado de nós dois,
Para que em
ti eu complete meu amor,
Mesmo
iniciado com outra qualquer?”
NA TOCAIA DO DEVANEIO II
Então me disse: “Não é um amor qualquer,
Seria amor com minha melhor amiga...”
“Isto é motivo constante para intriga,
Quanta separação algo assim causou sequer!”
“Mas não será quando deseja e quer
A própria amante cujo amor te abriga,
Um outro beijo assistir talvez consiga
Pelo carinho que me une a essa mulher...”
“Bem, vai depender se quer ela ser beijada...”
“Tenho certeza de que está disposta...”
A amiga acenou com a testa sua disposição.
“Mas se essa tua sugestão for realizada,
Que devo confessar não me desgosta,
Qual será o preço para tal consumação?”
NA TOCAIA DO
DEVANEIO III
“Preço
nenhum,” ela disse, sorridente.
“Quero
assistir e ficarei ao lado,
Nosso pacto
de amor sem ser quebrado,
Não há
traição, nem ciúme aqui envolvente...”
E como a
outra me abraçasse fortemente,
Meu hesitar foi
em breve superado,
Beijei as
duas, um tanto embaraçado,
Mas beijo
apenas não seria suficiente.
E depois de
todo o ato consumado,
Após o
prazer, a amiga adormeceu
E para a
amante me voltei ansiosamente,
O seu
carinho já estando preparado
E os seus
beijos mais profundos então deu,
Em prazer
mútuo de amor consensualmente.
NA TOCAIA DO
DEVANEIO IV
Após um
tempo, dormimos junto os três,
Por duas
cabeças meus ombros ocupados,
Todos os
cálices de vinho já esvaziados,
Fizera amor
ou fora só embriaguez?
Cerca de
hora depois, uma outra vez,
Senti os
beijos da amiga ainda ansiados,
Enquanto a
amante tinha sonhos mais pesados
E novamente
com a amiga amor se fez...
Mas desta
feita, por acaso, foi traição?
Será que a
amiga me queria de verdade
Ou só
usufruir de minha virilidade?
Não mais
dormi, permeio à inquietação,
A contemplar
o rosto dormente de minha amante,
Qual preço
iria cobrar-me mais adiante?...
NA TOCAIA DA OSCILAÇÃO I – 28 NOV 2022
Há sempre uma incerteza na musa que flutua
Ao redor de meus cabelos;
Meu rosto acaricia, enquanto me contempla,
Avara em seus desvelos;
Às vezes me transmite em cópia multicor
Seu dom avassalador,
Outras vezes se retrai, parece-me negar
Suspiro quer de amor
Ou então ela se zanga e fico desolado
Por essa altercação
Que juro nunca sei qual fora provocado
O desgosto da ocasião.
Meu amor nunca se abala e já me fez jurar
Que nunca a deixaria,
Houvesse quanto houvesse, que assim me maltratar
Sem medo poderia.
Ela medita às vezes e só então me dita
Versos de amor,
Ela ressona às vezes e só então me sona
Versos de olor,
Ela me envolve às vezes e só então me volve
Seus versos de incerteza,
A musa é sempre estranha, amor envolto em manha,
Em seus versos de altiveza,
A musa me convida a tal amor com vida,
Em versos de domínio
E a musa é amorosa, a dar-me um amor rosa
Em versos sem declínio.
NA TOCAIA DA
OSCILAÇÃO II
Amor existe
assim quando é pleno de amor,
Sem buscar
desistência,
Suporta
francamente a insensatez de seu pudor
Na firmeza
da paciência,
Mas difícil
faz-se embora lidar com tal malícia
Que nutre
indiferença
Então chega
o retorno e uma feroz delícia
Que a
incerteza vença.
Porque essa
incerteza é apenas relativa
E nunca
absoluta,
Do amor não
se duvida, jaz em certeza viva,
Até mesmo
impoluta,
A incerteza
é outra sobre o que está por vir
No alvéolo
do amanhã,
Quanto amor
me mostrará chegado esse porvir
E a
segurança é vã.
Que o
próprio amor silente se contém,
Prevendo uma
emboscada
Da boca que
se beija e que beijar não vem
Nas fraldas
da alvorada
E é sempre
necessário controlar o meu agir,
Vanguarda na
tocaia,
Mas o amor
permanece, sem nunca desistir,
Que não
recebe a vaia,
Apenas a
expressão no rosto indiferente
De sua
desimportância,
Contempla a
mascarada montada na sua frente
E arrisca
sua constância.
NA TOCAIA DA
OSCILAÇÃO III
Mas sem ter
ilusão de que haja alguma afronta
No rosto
ensimesmado,
Que não é
para mim que seu descaso apronta,
Na face
conservado,
Simplesmente
se sabe da mínima importância
No rol desse
seu mundo,
Tantas
coisas sobrepõem-se pejadas de constância
Em seu querer
profundo.
Não obsta,
há a certeza, por mais diga o contrário
Que o amor é
verdadeiro,
Mas quais
sonhos oculta no seu consuetudinário,
Na fronha e
travesseiro,
Os sonhos
que me afirma jamais se recordar,
Quais hidras
encontrou?
Ou então,
pelo contrário, que culpa a se negar
De quanto
praticou?
Mas é
preciso confessar que a musa que me inspira
Até malgrado
seu,
Nos meandros
de minha mente de certo modo gira,
Nesse
inspirar que deu
E assim
quantos caprichos que faça e que desfaça,
Amores são
de fera,
À sua
maneira estranha, porém confiadamente
Que irei
tudo aceitar
E me flagro
a pensar inesperadamente:
Será maior
que o meu o amor que me vai dar?
NA TOCAIA DO JOGRAL I – 29 NOV 2022
Se por acaso sai de mim uma canção
É a de sempre te encontrar ao fim do dia
E a meu lado te achar quando viria
Nova manhã a me acordar o coração;
Se brota em mim instante uma ilusão
É continuar junto de ti nesta agonia
De amor constante que nunca perecia,
Mas que me oprime os alvéolos do
pulmão.
Porque sempre amor de verdade é
doloroso,
Por mais se saiba total reciprocado,
Sempre a serpente de uma escama se
perder,
Porém se guarda cada instante
prestimoso,
Que jamais possa no porvir ser
olvidado,
Mas que na alma se enraíze o seu
poder.
NA TOCAIA DO
JOGRAL II
Pois sempre
existe uma certa insegurança,
Não importa
ter sido o amor primeiro,
Ou amor puro
que se julgue derradeiro
E que se
amarra nas cordas da esperança,
Sempre
haverá uma certa desconfiança
De que este
amor que nos chegou ligeiro
Ou que
custou a chegar, por altaneiro,
Não seja
mais que o filão de uma bonança
E só o fato
de se compor uma canção
Ou então
rezar pela sua permanência,
Indica de
antemão temer-se haver desilusão,
Porque amor,
por mais que seja espiritual,
É como a
sombra que morre em sua inocência,
Ao se apagar
a luz do seu ritual.
NA TOCAIA DO
JOGRAL III
E no
entretanto, quantas vezes canto
Que
permaneça firme do meu lado,
Este amor
que não seja inacabado,
Mas se
construa nas fibras de seu manto,
Que este
amor por que suplico e que descanto
Permaneça
sempre firme por mais atribulado
Ou por
momento de desdém seja marcado,
Que é amor
humano, tende a morrer, portanto
E sei ser
ilusão, por mais que o afirme eu,
Que possa
ressurgir após a morte,
Como algo
mais do que amizade em seu portento,
Porque os
espíritos que a morte reviveu,
Não buscam
sexo, a partilhar da mesma sorte,
Pois não se
casam e nem se dão em casamento.
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