VISÕES
DIFUSAS I – 21 DEZ 2022
nas
lágrimas do tempo eu sigo empós tua imagem,
que
o tempo chora um instantâneo a cada vez,
somente
na encruzilhada de suas lágrimas me vês,
sempre
um pouco distorcida em sua passagem,
permanente
a difração nessa paisagem,
linhas
sinuosas que me percorrem toda a tês,
ainda
embora recomposta não é o que crês,
não
há uma figura especular de igual contagem.
Pois
sempre o tempo reconforma essa figura,
a
cada vez quer perpassou sinuosidade,
já
um pouco se fez a imagem envelhecida,
porque
essa lágrima da imagem nunca é pura,
sempre
que passa da curva a cavidade,
nova
ilusão quer nos fazer apercebida...
VISÕES
DIFUSAS II
não
age o tempo como os pixels da tela, (*)
que
quando for deixada a descansar,
simplesmente
se torna a desenhar,
nesse
requadro a parecer contê-la;
porém
essa cobertura tão singela
é
um turbilhão que não para de chegar,
linha
após linha renova em pixelar,
jamais
conseguirás outra vez vê-la
como
no rio de heráclito, o obscuro,
jamais
te podes banhar nele duas vezes:
de
modo idêntico a imagem demudou,
feita
no tempo que sempre é algo perjuro,
da
lágrima e da tela em mil revezes,
nunca
imagem ou lágrima vertida retornou.
(*)
Picture Cells
VISÕES
DIFUSAS III
nas
lágrimas do tempo eu vejo a tua figura:
igual
qual vês a minha, é distorcida,
nunca
a real imagem poderá ser percebida,
nunca
a certeza de sua visão mais pura,
somente
a ilusão de tua face me perdura,
cada
figura de teu ontem foi perdida,
a
cada vez que o tempo pisca é destruída,
silhueta
apenas ilusória em sua candura.
não
admira que te transmutes tanto,
quem
vejo hoje a mesma já não é
que
encarei nos mil ontens de minha vida,
sem
que deixe de te amar nesse entretanto,
pois
no fundo de meus olhos guardo até,
uma
por uma, cada lágrima esorrida.
VISÕES
SOMBRIAS I – 22 DEZ 22
até
o fogo tem sombra e tremeluz,
enquanto
as flamas crepitam na lareira,
por
mais que a sombra não se perceba inteira,
não
lhe fazem os tijolos plena jus,
mas
quando os galhos são postos em cruz,
do
acampamento no centro da fogueira,
se
expande a sombra luzidia e altaneira,
sobre
os rostos se reflete e se conduz.
toda
a sombra se acha ali, avermelhada,
outras
vezes amarela e mesmo azul,
as
chamas brancas só surgem na fornalha
e
até a sombra nesse forno é devorada,
resta
apenas o clarão a nos fitar exul,
enquanto
sopra o fole e a luz se espalha.
VISÕES
SOMBRIAS II
de
certo modo, a sombra da fornalha
é
esse calor que aquece uma bigorna
e
que o metal em objeto torna,
consoante
o esforço do ferreiro nela espalha,
a
cada golpe com que o ferro malha,
quando
a sombra das fagulhas se contorna,
cada
centelha que o derredor adorna
logo
se apaga e mesmo a sombra falha.
contudo
a sombra do fogo nos aquece,
enquanto
aos poucos nos rodeia inteiramente,
envolvidos
por tal sombra luminosa,
sombra
de fogo nos recama como prece,
em
nós a sombra se mostra persistente,
sombra
do sangue a farfalhar preciosa!
VISÕES
SOMBRIAS III
até
a sombra tem fogo e nos atinge,
com
precisão totalmente irregular,
em
seu brilho escurecido e singular,
que
seja fogo ansiosamente finge;
da
sombra o fogo toda a pele tinge,
não
mais que a sombra podemos respirar,
o
calor ígneo nos poderá queimar
e
assim a sombra a nossa carne cinge
e
a sombra assombra quando se distribui
por
nossos cantos escondidos e escaninhos,
enquanto
o fogo afogueia a nossa face
e
a sombra desce e dentro em nós dilui,
sem
enxergarmos das artérias os caminhos,
por
mais que ao rosto o fogo se estampasse.
VISÕES
ENCEGUECIDAS I – 23 DEZ 2022
antigamente,
durante o medioevo,
raspavam
monges cuidadosamente,
com
a ponta de facas bem assente,
os
caros pergaminhos e papiros;
por
cima destes, ao santo que era servo,
vinha
o copista e redigia moralmente
hinos
e cânticos da moral corrente,
apagando
dos pagãos os velhos giros.
assim
pratico também os mesmos gestos,
apagando
com cuiddo minha vivência,
com
reescritura de sabores mais diversos,
que
meus poemas são palimpsestos
e
nem eu sei, ao ver-lhes a inocência,
o
que encontrei por detrás destes mil versos.
VISÕES
ENCEGUECIDAS II
quase
todos só nos mostram o melhor,
nos
seus sorrisos falsos e brilhantes,
buscando
mais mostrar-se interessantes,
em
sua caça de troféus sempre maior;
só
é sincero quem mostra o seu pior,
em
momentos de certeza mais confiantes,
sem
mostrar seus defeitos desde antes,
causa
um desgosto que espera ser menor.
pois
se aquela que nos ama nos aceita,
após
saber com quem está lidando,
irá
mais firme relação alicerçando,
do
que quem por só defeito nos rejeita,
porque,
afinal, só se amam corações
pela
impureza que têm em seus senões.
VISÕES
ENCEGUECIDAS III
há
muito tempo eu soube que confiar
nessa
peças que recobrem tabuleiro
do
destino, em um lance corriqueiro,
seria
uma ilusão que não devia albergar,
já
que estas configurações a me rodear
são
transformadas no lance mais ligeiro,
pela
pessoa que se ama ou companheiro,
dessa
partida em um eterno trapacear.
assim
só posso depender da posição
em
que dispus as minhas próprias peças,
no
alicerçar de meus castelos sobre areias;
então
por que é, ao sofrer desilusão,
que
sinto algum momento em que me esqueças,
como
se o sangue não corresse mais nas veias?
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