sexta-feira, 16 de dezembro de 2022


 

 

RENARD E A ARMADILHA I -- 14 SET 2017

 

Depois de ter fugido da despensa

em que levara uma tremenda sova,

por não poder atravessar a estreita cova,

já que a barriga lhe ficara muito tensa,

 

sendo preciso lutar até que vença

o camponês,  cuja esposa, em susto, mova

a porta, para lhe dar uma chance nova,

quando escapou-se para a floresta densa,

 

foi Primaut, o Lobo, encontrar-se com Renard,

mas no momento em que estava a se queixar,

o Raposo lhe falou bem claramente:

 

"Foi culpa tua, pois comeste ali demais!

Tive passagens para mim bem naturais;

foi só por isso que apanhaste dessa gente!"

 

Como Primaut não era muito inteligente,

por Renard logo deixou-se convencer

e lado a lado foram os dois adormecer:

Renard lambeu-lhe as feridas, complacente...

 

Mas no outro dia, depois do sol nascente,

ergueu-se o Lobo e já queria comer...

"Não te chegou o de ontem?" -- quis saber

o Raposão.  "Eu cá comi o suficiente

 

"para dois ou três dias!..."  "É que eu briguei!

Durante a sova, até um pouco vomitei

e com certeza já estou com fome agora!"

 

"Bem, não pretendo me mover daqui;

mas se tens fome, existe logo ali

uma capoeira de gansos... Vai e devora!"

 

"São gansos gordos?" -- quis saber o Lobo.

"Estufados de gordos!   É o melhor

é que só há um pastor, sem mal pior!...

"Não tem cachorros!  Vai fazer teu roubo!"

 

Sem perceber fazendo estar papel de bobo,

Primaut seguiu o faro sedutor

de um bando de gansos... Um tal sabor

que o faria circundar até o globo!...

 

"Vou trazer dois e vamos repartir!..."

"Carece, não, meu amigo... A fome é tua,

que ainda estou fazendo a digestão!"

 

Fingiu Renard logo estar a bom dormir...

Cruzou o Lobo pela sede feito pua

e já um ganso abocanhou em esganação!

 

Mas atacado logo foi pelo pastor.

que soltou de imediato um assobio

e três mastins cruzaram logo o rio,

Primaut a farejar com pleno ardor!...

 

Fugiu o Lobo no maior pavor

e até o ganso largou no corrupio!

Mas o pastor os cães iscou com brio:

teve Primaut só das penas o sabor!

 

Mas das mentiras de Renard queria vingar-se

e ao Raposo despertou com duas dentadas...

"Mas o que é isso?  Estás acaso louco?"

 

"Louco é de raiva!... Pois agora vou cobrar-te

três ao menos de tuas tratantadas:

a dos peixes, a da despensa e está de há pouco!"

 

RENARD E A ARMADILHA II

 

"Mas o que foi que eu fiz?  Por que me bates?"

"Levei três sovas e até querias me matar!"

E com furor continuou do outro a judiar...

"Ouve o que eu digo!  É preciso que me acates!"

 

"Meus filhos já são grandes!  Não me mates,

é mais que certo que de ti vão se vingar!

Minha esposa ao Rei Leão vai se queixar:

serás entregue ao carrasco para abates!..."

 

"Mesmo assim, vou te matar primeiro!..."

"Ai, ai, ai, me escuta!  A culpa é toda tua:

fingir de morto é preciso até o fim!..."

 

"Tu te mexeste antes do golpe derradeiro!

E na despensa de comer tua pança estua!

Dos tais cachorros eu nem sabia, enfim!..."

 

Tanto Renard falou e tanto ameaçou

que no final pôde ao Lobo convencer

e nunca mais judiar dele prometer...

"Vou-me queixar ao Rei!..." -- ainda ajuntou.

 

"Ah, não o faças!   Jura que vais me perdoar!

Eu cá juro que nunca mais vou te bater!"

"E como esperas que ainda em ti eu possa crer?

Se me descuido, sei que me tornas a atacar!"

 

"Só se me juras sobre o túmulo do santo!"

"Como assim?"  "Enterraram um ermitão

no meio do capim lá da clareira!..."

 

Renard sabia que bem naquele canto

havia armadilha e usava essa ocasião

para livrar-se da ameaça por inteiro!...

 

"Se ali fores jurar, eu te crerei,

que é juramento por demais sagrado;

por minhas feridas serás então perdoado

e não irei queixar-me para o Rei!..."

 

"Vamos lá.  Ao lugar te levarei

em que o santo ermitão foi enterrado..."

E assim os dois marcharam lado a lado.

"Uma amizade eterna eu jurarei!"

 

"Está bem.  Olha, chegamos ao local.

É aquele monte no meio do capim;

chega bem perto e então vai te ajoelhar."

 

"Estende a pata e jura-me, afinal..."

Deixou-se o Lobo convencer-se assim;

erguendo a pata, começou logo a falar.

 

"Juro por todos os santos e por esta

tumba sagrada... que nunca mais irei fazer

qualquer mal a Renard e sempre o proteger

em seus revezes e nos seus dias de festa!"

 

Completado o juramento, a pobre besta

com a pata se apoiou para se erguer,

a mola ali acionando sem querer

e a armadilha fechou-se, dura e lesta!...

 

Pediu socorro em vão para Renard.

"Foi culpa tua!... Era falso o juramento!

A mão do santo é que te segura agora!"

 

"Logo a seguir, a jura irias quebrar!

E o caçador vai chegar já num momento!

Boa sorte, amigo!" E Renard se foi embora!

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