RENARD
E A ARMADILHA I -- 14 SET 2017
Depois
de ter fugido da despensa
em
que levara uma tremenda sova,
por
não poder atravessar a estreita cova,
já
que a barriga lhe ficara muito tensa,
sendo
preciso lutar até que vença
o
camponês, cuja esposa, em susto, mova
a
porta, para lhe dar uma chance nova,
quando
escapou-se para a floresta densa,
foi
Primaut, o Lobo, encontrar-se com Renard,
mas
no momento em que estava a se queixar,
o
Raposo lhe falou bem claramente:
"Foi
culpa tua, pois comeste ali demais!
Tive
passagens para mim bem naturais;
foi
só por isso que apanhaste dessa gente!"
Como Primaut não era muito inteligente,
por Renard logo deixou-se convencer
e lado a lado foram os dois adormecer:
Renard lambeu-lhe as feridas, complacente...
Mas no outro dia, depois do sol nascente,
ergueu-se o Lobo e já queria comer...
"Não te chegou o de ontem?" -- quis saber
o Raposão. "Eu cá
comi o suficiente
"para dois ou três dias!..." "É que eu briguei!
Durante a sova, até um pouco vomitei
e com certeza já estou com fome agora!"
"Bem, não pretendo me mover daqui;
mas se tens fome, existe logo ali
uma capoeira de gansos... Vai e devora!"
"São gansos gordos?" -- quis saber o Lobo.
"Estufados de gordos!
É o melhor
é que só há um pastor, sem mal pior!...
"Não tem cachorros!
Vai fazer teu roubo!"
Sem perceber fazendo estar papel de bobo,
Primaut seguiu o faro sedutor
de um bando de gansos... Um tal sabor
que o faria circundar até o globo!...
"Vou trazer dois e vamos repartir!..."
"Carece, não, meu amigo... A fome é tua,
que ainda estou fazendo a digestão!"
Fingiu Renard logo estar a bom dormir...
Cruzou o Lobo pela sede feito pua
e já um ganso abocanhou em esganação!
Mas
atacado logo foi pelo pastor.
que
soltou de imediato um assobio
e
três mastins cruzaram logo o rio,
Primaut
a farejar com pleno ardor!...
Fugiu
o Lobo no maior pavor
e
até o ganso largou no corrupio!
Mas
o pastor os cães iscou com brio:
teve
Primaut só das penas o sabor!
Mas
das mentiras de Renard queria vingar-se
e
ao Raposo despertou com duas dentadas...
"Mas
o que é isso? Estás acaso louco?"
"Louco
é de raiva!... Pois agora vou cobrar-te
três
ao menos de tuas tratantadas:
a
dos peixes, a da despensa e está de há pouco!"
RENARD
E A ARMADILHA II
"Mas
o que foi que eu fiz? Por que me
bates?"
"Levei
três sovas e até querias me matar!"
E
com furor continuou do outro a judiar...
"Ouve
o que eu digo! É preciso que me
acates!"
"Meus
filhos já são grandes! Não me mates,
é
mais que certo que de ti vão se vingar!
Minha
esposa ao Rei Leão vai se queixar:
serás
entregue ao carrasco para abates!..."
"Mesmo
assim, vou te matar primeiro!..."
"Ai,
ai, ai, me escuta! A culpa é toda tua:
fingir
de morto é preciso até o fim!..."
"Tu
te mexeste antes do golpe derradeiro!
E
na despensa de comer tua pança estua!
Dos
tais cachorros eu nem sabia, enfim!..."
Tanto Renard falou e tanto ameaçou
que no final pôde ao Lobo convencer
e nunca mais judiar dele prometer...
"Vou-me queixar ao Rei!..." -- ainda ajuntou.
"Ah, não o faças!
Jura que vais me perdoar!
Eu cá juro que nunca mais vou te bater!"
"E como esperas que ainda em ti eu possa crer?
Se me descuido, sei que me tornas a atacar!"
"Só se me juras sobre o túmulo do santo!"
"Como assim?"
"Enterraram um ermitão
no meio do capim lá da clareira!..."
Renard sabia que bem naquele canto
havia armadilha e usava essa ocasião
para livrar-se da ameaça por inteiro!...
"Se ali fores jurar, eu te crerei,
que é juramento por demais sagrado;
por minhas feridas serás então perdoado
e não irei queixar-me para o Rei!..."
"Vamos lá. Ao lugar
te levarei
em que o santo ermitão foi enterrado..."
E assim os dois marcharam lado a lado.
"Uma amizade eterna eu jurarei!"
"Está bem. Olha,
chegamos ao local.
É aquele monte no meio do capim;
chega bem perto e então vai te ajoelhar."
"Estende a pata e jura-me, afinal..."
Deixou-se o Lobo convencer-se assim;
erguendo a pata, começou logo a falar.
"Juro
por todos os santos e por esta
tumba
sagrada... que nunca mais irei fazer
qualquer
mal a Renard e sempre o proteger
em
seus revezes e nos seus dias de festa!"
Completado
o juramento, a pobre besta
com
a pata se apoiou para se erguer,
a
mola ali acionando sem querer
e
a armadilha fechou-se, dura e lesta!...
Pediu
socorro em vão para Renard.
"Foi
culpa tua!... Era falso o juramento!
A
mão do santo é que te segura agora!"
"Logo
a seguir, a jura irias quebrar!
E
o caçador vai chegar já num momento!
Boa
sorte, amigo!" E Renard se foi embora!
Nenhum comentário:
Postar um comentário