sexta-feira, 20 de janeiro de 2023


 

 

CONTÁGIO I – 14 JAN 2023

(Dakota Johnson e Melanie Griffith)


Pela clarabóia se evolam meus sonetos,

por duas chapas de vidro melífluos a cruzar,

à semelhança de quaisquer balões de ar,

que seriam logo bicados por insetos.

De suas entranhas a lançar seus amuletos,

que aos quatro ventos se possam dissipar,

pobres poemas a buscar onde pousar,

o seu destino procurando mais dileto.

 

As nuvens tornam em cordões de seda,

ganchos de assalto com que prendam corações,

que na maioria nem ao menos se percebem;

os olhos buscam em peregrinação leda,

em suas lágrimas aquecendo as ilusões

e nem as pálpebras a detê-los já se atrevem.

 

CONTÁGIO II

Tomam de assalto o olhar desprevenido

e se intrometem pelos dutos lacrimais,

beijam pupilas nos gestos mais sensuais,

mas cada verso é um gladiador bem aguerrido,

sem pretender cada mente ter vencido,

para a razão sabem-se fracos demais,

não são reféns de quaiquer modo racionais,

têm seu destino diverso já escolhido.

 

Assim desvendam os fios dos capilares,

para por estes penetrarem até as veias

e a complexidade de cada coração

e em tais muralhas vão buscar seus pares,

tercetos galgam e atravessam as ameias,

insolentes a demandar cada emoção.

 

CONTÁGIO III

Mas não é luta realmente que se trava,

não se pretendem materiais os invasores

e nessas veias vão só cantar amores

ou qualquer súplica de sua tristeza brava,

porém aos poucos se aquecem como lava

e vão abrindo caminho aos estertores,

cada grito triunfal em estentores,

lembranças a invocar de quem se amava.

 

Quem os recebe dessa forma inesperada,

a quem buscam impor seus sentimentos

e ali contraem constantes casamentos,

percebe à tona a memória mais amada,

que perdida parecia em esquecimentos,

mas que do fundo de seu peito é retirada.

 

MADREPÉROLAS I – 15 JAN 2023

Não sei se te conheço ou me conheces,

porém algures nosso olhar se conheceu

e algum calor entre nós já floresceu,

resultando em tristeza ou meigas preces;

creio que nunca a meu lado sequer desces,

na onirosfera é que a vista se prendeu

e nesse mundo transparente o que ocorreu

ao despertares, quase tudo esqueces.

 

Mas foi o sonho certo dia inconteste,

concebido por dois em flébil sexo

e com certa realidade nos transcende,

que no fundo de tua mente então ateste

o mais profundo e imperturbável nexo

que ao sonhar novamente te surpreende.

 

MADREPÉROLAS II

Por isso sentes, certas vezes, sensação

de que já viste essa desconhecida

ou esse desconhecido em outra vida,

foi contemplado com olhos de emoção,

mesmo envolto percebido em confusão,

quando o olhar em outro olhar achou guarida,

que tal imagem fosse assim reconhecida

sem prova alguma para tal convicção.

 

Certamente já perpassou por teu olhar

esse vulto transitório e de passagem

ou de outra vez uma voz foste escutar,

incorpórea que fosse mas lembrada,

qual o lago verdadeiro da miragem,

sem que tua sede pudesse ser saciada.

 

MADREPÉROLAS III

Talvez te digam que foi na televisão

ou em tela contemplada num cinema

(por raramente hoje visites essa cena!)

que inicialmente encontraste essa visão

ou que essa voz que te comoveu o coração

foi recebida tal qual dura subpena,

por um disco fonográfico que acena

o mortal resíduo de uma antiga gravação.

 

De qualquer forma, fará parte do inconsciente,

como tudo que a humanidade já pensou,

em sua infinita multidão de mortos...

Mas quem te diz que não a ouviste realmente

ou viste antes esse rosto que passou,

quando em sonho frequentaste estranhos portos?

 

PLURICIDADE I – 16 JAN 2023

Existe hoje tal variação de transexualismo,

que algumas mulheres até acham necessário

ostentar seus órgãos sexuais como um santuário

para que a vida surgir possa de seu puro abismo,

já que o problema fatal do homossexualismo

é justamente que não traz em seu sacrário

qualquer chance de servir como viário

para qualquer nascimento sem egoísmo.

 

Bem certo embora, que se possa sublimar

e ao invés de filhos, criar obras de arte

ou grandes momentos de sua interpretação,

pois certamente já não podem esperar

essa troca de gametas que reparte

em novas vidas sua total renovação.

 

 

PLURICIDADE II

Porém é certo que hoje envidam meios vários,

sempre é possível apelar para a adoção

de algum serzinho a quem só deram rejeição:

homossexuais podem também ser solidários;

se os próprios gens sofrerão fados nefários,

não haverá motivos para escolhas de ocasião

entre seus próprios filhos que ali estão

e esses adotados para seus beneficiários.

 

Do mesmo modo, hoje é possível a clonagem

e se criar a própria imagem e semelhança,

numa fugaz sensação de divindade

ou algum óvulo fecundar-se de passagem,

até o ponto em que um laboratório alcança,

em material sensação de humanidade.

PLURICIDADE III

Um transexual pode igual ser doador

e sua genética devolver assim à raça,

antes que seu próprio corpo se desfaça

e se desmanche sem maior calor;

clínicas há de maior ou menor valor,

disponíveis em vários pontos de uma praça,

que os separe da solidão ou da desgraça

e da velhice lhe poupe um dissador.

 

Mas há quantos séculos morrem os soldados,

por mais que sejam bem heterossexuais

sem para trás deixar sua descendência?

E esses frades e freiras confinados,

votos fazendo de abstinências mais sensuais,

sem seu deeneá alcançar sobrevivência?

 

PLURICIDADE IV

Tudo depende de algum tipo de cultura:

em qualquer sociedade agropecuária

a descendência é uma prenda pecuniária,

novas mãos a partilhar da ceifa dura;

mas nas cidades não existe ceifadura,

bem ao contrário, a descendência é perdulária,

quanto mais filhos, mais longa e multifária

a quantidade das despesas que perdura.

 

Destarte é perfeitamente compreensível

que a ter prole tantos se recusem,

o heterossexualismo em risco transformado;

e há hoje tantas leis que é impossível

que de responsabilidade tal então se excusem,

melhor animal se preferir seja adotado!

 

Um comentário:

  1. Lindas poesias, parabéns pela criatividade.

    Arthur Claro
    http://www.arthur-claro.blogspot.com

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