MELODIA
SEM ESPAÇO I – 23 JAN 23
(Lisa Minnelli e Judy Garland)
Minhas
mãos ao redor de tua cintura,
as
tuas mãos nas axilas de meu braços,
firmes
nos ombros no encanto dos abraços,
sobre
teus lábios minha boca impura,
meu
amargor dissolvido em tua doçura,
minha
incerteza confirmada nos teus traços,
o
brilho dos teus a refletir meus olhos baços,
minha
grosseria envolta em tua ternura...
que
tanto tempo por ti eu esperasse,
até
que um rio com outro se encontrasse,
até
que a fonte lavasse meu destino,
que
somente em teu amor eu me confino,
no
semicírculo que abrange essa emoção,
no
perímetro que acalenta minha paixão.
MELODIA
SEM ESPAÇO II
Não
cabe aqui uma simples descrição
de
tua carne contra a minha unida,
de
tua pele contra a minha derretida,
sangue
no sangue em total penetração;
não
cabe aqui o orgasmo da paixão,
que
a mente e a alma leva de vencida,
nem
esse espanto da suspensão da vida,
nem
o momento da total completação.
Há
mais que mãos envolvidas nesse abraço,
há
mais que o muscular da aceitação,
minha
própria alma envolta em teu baraço,
pois
me recebes em plena comunhão
e
me sofreias em teu perpétuo laço,
quando
me tomas a fingir ser doação.
MELODIA
SEM ESPAÇO III
Nem
cabe aqui um registro espiritual
de
que esse abraço conduza ao paraíso,
santos
e anjos a contemplar em riso,
que
na verdade todo amor é material,
mas
muito além da conotação virtual,
não
é apenas esse aceitar conciso,
que
me soergue do solo que ainda piso
e
assim me eleva nesse instante sideral.
Não
é coisa de carne e nem de alma,
por
mais que sejam efeitos hormonais,
por
mais que surjam emoções espirituais,
mas
algo muito mais de intransponível,
a
transcender a fúria e a plena calma,
que
definir só poderei como indizível.
HOLOSSOMA
I – 24 JAN 2023
Eu
dei bom-dia para as aroeiras,
enquanto
era manhã e tive azar:
a
gente antiga costumava comentar,
que
deveríamos iludir tais aroeiras...
Eu
dei boa-tarde para as aroeiras
durante
a tarde e tive enzamboação
que
saiu-me pelo corpo, rosto e mão,
todo
marcado pelo pólen de aroeiras...
assim
eu fiz durante toda a vida,
contrariando
as crendices populares,
sabendo
distinguir o bem do mal;
enfim
levei as aroeiras de vencida,
mas
fui alvo permanente dos azares,
que
todos somos só efeitos de cristal.
HOLOSSOMA
II
Mas
realmente é algo a ponderar:
será
a aroeira uma pequena divindade
ou
será o lar de qualquer hamadríade,
a
quem devamos sempre respeitar?
Que
coisa imaterial se chama azar?
Manifestação
de alguma potestade,
malícia
a nutrir para com a humanidade,
o
campo a dominar como seu lar?
Não
sei se creio nas lendas dos antigos,
que
nem sequer me vêm do paganismo,
nem
sei se havia dessas árvores por lá;
somente
sei que ao desafiar perigos,
as
consequências sofri de meu cinismo
ou
foi minha culpa uma madrasta má?
HOLOSSOMA
III
Que
são desdouros, o que é a sorte,
o
que interpretamos como sendo azar?
Qual
malefício que me venha tripudiar,
qual
zombaria de tal pequena morte?
O
que é a desventura, qual o corte
que
nossos planos venha a disputar,
todo
o trabalho a ser desfeito e o labutar,
sem
recompensa a resultar de qualquer parte?
Quiçá
essa culpa seja apenas minha,
por
que pensei em desafiar as aroeiras?
Devia-lhes
boa-tarde na hora da manhã,
dar-lhes
bom-dia quando a tarde se avizinha,
que
elas acatam zombarias tão brejeiras
e
se preservam de perturbar o nosso afã.
MELODIA
SEM REALCE I – 25 JAN 2023
Os
beijos hoje em dia são casuais
e
não somente o beijo inconsequente,
a
aplicar-se em um rosto indiferente,
como
resposta às convenções sociais.
Contudo
os beijos imaginados imortais,
reservados
tão somente para a gente
que
a gente ama de forma consequente,
são
hoje distribuídos em caudais!...
Eu
quero é o beijo antigo, reservado
na
boca ardente, mas apenas para mim,
que
não sinta gosto alheio na saliva,
mas
que usufrua de um ósculo encantado,
de
quem se entrega totalmente assim,
beijando
a mim somente e dos demais se esquiva.
MELODIA
SEM REALCE II
Mas
será que é correto o meu desejo?
O
que é melhor, se o beijo partilhar,
ou
beijo algum sobre a boca se provar,
por
que essa ânsia de me adonar do beijo?
Não
é melhor se aproveitar presente ensejo,
porque
esse beijo que a boca nos quer dar
não
é o beijo que anteriormente foi brindar
a
qualquer outro, em luxúria ou pejo.
E
considero ser tremenda pretensão
querer
só para mim o beijo alheio,
que
importa se foi de outrem dadivosa?
Se
essa mulher que hoje desperta minha paixão
no
antanho a um outro ofereceu seu seio,
e
vem agora para mim plena e formosa?
MELODIA
SEM REALCE III
Quer
sejam os beijos não mais do que casuais,
pouco
importa os que a outrem foram dados,
o
que interessa é que os beijos apressados
não
tiveram valor ou bens reais;
o
que importa é que tais beijos consensuais,
que
essa boca me dá com seus pecados
não
sejam em minha boca só aplicados
de
maneira casual,mas sejam dons totais.
O
que espero é que apenas, doravante
sejam-me dados em apego delirante,
na
exclusão de qualquer outro concorrente,
que
sejam beijos do mais sincero amor,
quando
os antigos só queimaram de calor,
em
dom futuro exclusivo e permanente.
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