terça-feira, 3 de janeiro de 2023


 

 

RENARD E O CORVO TIERCELIN I – 13 AGO 2016

(Esta história foi também aproveitada por La Fontaine em uma de suas Fábulas.)

 

Certo dia, em que a fome lhe apertava,

depois de correr muito e já cansado,

deitou-se o Raposão, bem estirado,

sob uma Faia, cuja sombra lhe agradava.

 

Realmente, um bom lugar achava

para uma sesta... e ali teria demorado

se não estivesse seu estômago apertado,

sem encontrar a comida que buscava!

 

Porém, naquele calor da meia tarde,

foi-se deixando por ali ficar,

sem ter vontade de se levantar,

 

mas sem dormir, já que a fome muito arde

e apenas água bebera o dia inteiro,

sem achar sequer frutinhas no terreiro!

 

Ao mesmo tempo, em granja próxima dali,

Dona Brigitte seus cem queijos cuidava,

sem notar que bem perto já rondava

o Corvo Tiercelin, que farejava por ali!... (*)

(*) Pronuncie “Tircelan”.

 

Tivesse visto que a ave estava aqui,

seguramente ao ladrão ela espantava,

mas no silêncio da tarde, sossegava:

deixando os queijos, foi cuidar de si...

 

E Tiercelin a sua chance aproveitou,

para a corda mergulhou, num belo salto,

pegando um queijo gordo e saboroso!...

 

E na mais pura zombaria, crocitou,

a subir muito depressa para o alto,

a pobre velha no rancor mais pavoroso...

 

“Traga meu queijo de volta, seu ladrão!”

“Por que virou-me as costas, desatenta?

A minha fome este queijo hoje contenta!

Doravante, vá mostrar mais atenção!...”

 

Muito alegre, ele voou sobre a região,

com o alimento que em seu bico se apresenta,

até uma Faia encontrar e em galho senta,

ali pousando na maior satisfação!...

 

Ora, por uma estranha coincidência,

era essa a árvore sob a qual nosso Renard

dormitava, ainda cheio de preguiça...

 

Decerto algo aguardando com paciência

que sobre ele fosse a sorte derramar,

sem precisar empenhar-se em grande liça!

 

Tiercelin se pôs feliz a debicar

o seu queijo amarelo e gorduroso...

Uma migalha foi descendo, em voo airoso,

junto ao focinho de Renard indo tombar...

 

De imediato, já começou a planejar

dele tirar não só o queijo tão formoso,

porém caçar o próprio corvo saboroso,

que a Malpertuis, seu lar, iria levar!...

 

E foi dizendo: “Meu Compadre Tiercelin,

trazes no bico um novelo de boa lã...

Irás usá-lo para forrar teu ninho?...”

 

“Olá, Renard!” – disse o Corvo, desconfiado,

sem mencionar ter um queijo bem salgado,

que por seu gosto comeria, bem sozinho!...

 

RENARD E O CORVO TIERCELIN II

 

“Você ainda canta, meu sobrinho?

Sei que foi músico em sua mocidade...

O seu pai, Rourd, ainda melhor, na realidade, (*)

mas gostaria de escutá-lo só um pouquinho...”

(*) Pronuncie “Rur”.

 

Tiercelin, que era um tanto vaidosinho,

soltou um grasnido, com ferocidade,

de machucar-lhe os ouvidos, sem piedade...

Mas ocultando seu desgosto tão mesquinho:

 

“Ora, bravo, Tiercelin!... Mas seu novelo

de lã amarela não lhe atrapalha o canto?”

Sentiu-se o Corvo ainda mais embaraçado...

 

“Quero ouvir outra vez seu canto belo!...”

Tiercelin abriu o bico, em seu espanto,

caindo o queijo do Raposo bem ao lado!...

 

Porém Renard fingiu então surpresa:

“Ora, é um queijo!  Pensei ser um novelo...

Realmente, um laticínio muito belo,

mas o doutor me proibiu esta beleza...”

 

“Recomendou-me boa dieta, com certeza...

Comi uma lebre, sem tirar-lhe o pelo,

no meu estômago ficou dura como gelo...

Pegue seu queijo!  Em armadilha ficou presa

 

“minha pobre pata... Mal consigo me mexer...

A minha sorte é que não se quebrou,

mas tenho de deitar-me bem quietinho,

 

“pelo menos até que pare de doer!...

Pegue seu queijo!...” – de novo lhe falou,

“Não se arreceie deste pobre doentinho!...”

 

Tiercelin desceu do galho, lentamente,

foi adejando com insegurança,

naquele espertalhão sem ter confiança,

porém do queijo sua gula é mais valente!

 

Pousou um pouco longe, bem prudente.

“Ora, daí o seu queijo não alcança!

Chegue mais perto, tenho cheia a pança,

deixou-me a lebre grande azia ardente!...”

 

E Tiercelin foi chegando, “de a passinho”,

até seu queijo poder alcançar,

Renard ficando imóvel no lugar...

 

Então o Corvo avançou, devagarinho:

“Você promete que não vai me atacar?”

“Pois não vê que estou ferido, meu sobrinho?”

 

Mas no momento em que chegou bem perto,

deu-lhe Renard um bote repentino,

sem dor na pata... feroz e assassino!...

Porém o Corvo mostrou ser mais esperto,

 

pulando para trás, em salto aberto!...

Só quatro penas, no salto de inopino,

pôde Renard lhe arrancar, em falso tino,

sem o Corvo sofrer destino certo!...

 

“Queria me comer também, traidor?”

“Só pretendia lhe dar abraço amigo...”

“Não pensa que me engana, espertalhão!”

 

“Fico com o queijo ao menos, meu amor!

Nunca se esqueça do que diz ditado antigo:

Perdão merece quem rouba outro ladrão!”

 

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