RENARD E OS PEIXES I – 14 AGO 16
Houve um inverno realmente
rigoroso,
comida sem se achar em parte
alguma;
Renard de fome em seu castelo
espuma,
porem o frio era lá fora
pavoroso!...
Dona Hermeline lhe disse: “Meu
formoso,
Furacerca e Malatesta já nenhuma
comida têm! De sair terás na bruma,
para a teus filhos trazer prato
bem gostoso!...”
“Ou mesmo algo de ruim que mate a
fome!
Não sentes pena de mim e dos
filhotes?”
“Pouco me agrada sair deste
castelo,”
disse Renard. (Ninguém contudo assim o tome:
era uma cova com muitos
biricuetes,
mas quente, seca e segura em seu
desvelo.)
Renard, de má vontade,
levantou-se,
pôs o focinho para fora e
suspirou...
O frio do inverno logo a seguir
ele enfrentou
e para a estrada real
encaminhou-se.
Bem no meio do caminho ele
agachou-se
e com cuidado os ares farejou:
cheiro de peixe nas narinas lhe
chegou;
para artimanha então
aparelhou-se...
Assim que ouviu o ranger do
carroção
na estrada se deitou, bem
estirado:
com tanto frio, bem depressa
congelou!
Dois carroceiros chegaram na
ocasião,
um caminhando, em passo
compassado,
que da boleia o vento forte o
espantou!...
Viram o bicho deitado ali na
estrada
e imaginaram qual animal seria:
que era um lobo ou texugo
parecia,
tendo Renard uma forma
avantajada...
“Será que dorme ou morrera
congelada
essa tal fera que por ali
jazia?...”
Com o bico da bota um o atingia,
porém Renard pretendeu não sentir
nada...
“É uma raposa, maninho... Está
coberta
pela neve e parece mesmo
morta...”
A boca experimentou com seu bastão...
Fez-se bem dura a criatura
esperta,
mesmo a causa esticada, em nada
torta.
“Morreu mesmo. Mas é sorte, meu irmão.”
“Essa pele nos dará um bom
dinheiro!”
“Então a ponha na carroceria;
lá na estalagem a gente a
esfolaria,
com garantia de um preço bem
certeiro!”
Havia barricas e muitos cestos em
poleiro,
estufados de peixes ou de enguia,
que na feira um bom dinheiro
renderia,
na sexta-feira seria o lucro bem
maneiro!
E Renard conservou-se todo duro,
tal qual se morto de fato
estivesse
e sobre os peixes foi assim
jogado!...
Dentro do toldo da carroça estava
escuro
e pela estrada manquitolando
desce,
ante a comida quase louco de
esfomeado!
RENARD E OS PEIXES II
De fato, era parcial o
fingimento,
com tanto frio, ele quase
congelara
e sem dificuldade se esticara,
a pretender um total
congelamento.
Mas na carroça encontrou
aquecimento,
já que a lona em toda a volta se
fechara
e do frio a pouco e pouco se
livrara,
ainda aguardando o seu melhor
momento...
E ao ouvir que os carroceiros
conversavam,
a calcular quanto a sua pele
renderia,
abriu os olhos e espiou o que ali
havia,
percebendo que os sacos mal
fechavam...
E com os dentes, logo um laço
desfazia:
cem lindos peixes ali dentro se
encontravam!
Logo se pôs a comer, sem mais
receio:
havia pescado, arenques e
sardinha,
namorados, linguados e tainha,
comendo tudo o que achava de
permeio!
Em dois minutos o saco estava
pelo meio
e mesmo assim, a sua fome era
daninha!
Breve do fundo do saco se
avizinha,
desesperado pelo saboroso
veio!...
E os carroceiros nada perceberam:
com toda a gana, ele comia
silencioso,
mas com as orelhas abertas e
espichadas!
Assim depressa os seus membros se
aqueceram,
mas continuava comendo, de
guloso,
de seu estômago as paredes
alargadas!
Julgou então ser o momento de ir embora,
contudo estava cheio em demasia
e percebeu seria bem lenta a
correria,
sendo forçado a aguardar mais uma
hora!
Finalmente, escutando sons de
espora,
percebeu já estar perto a
hospedaria!...
Ficar mais tempo não mais
conseguiria!
Se ia escapar, deveria ser
agora!...
Devagar, abriu a lona da
traseira,
vendo os rastros da gaiola sobre
a neve:
muito longe se encontrava o seu
“castelo”
de Malpertuis... Mas era a hora
derradeira
e a enfrentar a jornada então se
atreve,
para a família carregando um prêmio
belo!...
Abriu o saco em que enguias havia
e enrolou quatro à volta do
pescoço;
um bom salmão mordeu em bom
retoço
e então saltou para a gelada
via!...
Um carroceiro escutou quando
fugia:
comera tanto que ficara
grosso!...
E perseguiu-o então o pobre moço,
porém Renard mais veloz que ele
corria!
Os infelizes ficaram no prejuízo
e Renard chegou à toca,
finalmente,
seu botim entregando à sua
família!...
Sabendo bem que ninguém, em seu
juízo,
o iria caçar em um frio tão
inclemente
e que em sua cova nem sequer um
galgo o pilha!
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