PRIMAUT E MOUFLART I – 26 NOV 16
Depois de se passarem já semanas,
as suas costelas estando bem
soldadas,
por sua esposa as feridas bem
tratadas,
Primaut já andava, sem precisar
de canas...
“Já te curaste de tuas artes
insanas,”
disse-lhe a loba. “Eu saí numas caçadas,
tuas mazelas com lambidas bem
cuidadas;
chegou tua vez de caçar com novas
ganas!”
E realmente, Primaut saiu a
caçar,
para suas crias trazendo o
alimento,
embora dores ainda ele sentisse,
mas facilmente a se recuperar,
após o seu descanso e o bom
sustento,
embora a raiva de Renard ainda o
afligisse...
E de repente, numa volta do caminho,
deu de cara justamente com Renard!
E de imediato começou ele a rosnar:
“Ah, patife! Vou devolver o teu
carinho!”
“Mas que bom que te curaste, meu priminho!
Foi culpa minha que não pudesses suportar
meia dúzia de pauladas sem gritar?
Ficar bem quieto eu consegui, meu amiguinho!”
“Caso houvesses aguentado um pouco mais,
poderias ter comido a te fartar!...”
Primaut, o pobre, logo foi feito de bobo!...
“Bem, se é assim... Mas eu juro que jamais
irei as tuas artimanhas escutar!...
“De que artimanhas falas, nobre lobo?”
“Como prova de minha sinceridade,
a três passos daqui deixei um faisão...”
(Estava bem à vista, na ocasião,
sem de ocultá-lo haver possibilidade...)
“Vamos lá, repartir com equidade!...
Assim demonstro ser teu amigo e irmão!”
Comeram juntos, depois fazendo a digestão
numas macegas, na maior tranquilidade...
No outro dia, quando juntos acordaram,
propôs Renard: “Minha esposa é costureira:
umas roupinhas escondi na ribanceira...”
“Vamos à feira vender?” E
combinaram,
indo Renard do esconderijo as retirar,
para a feira a seguir, sem demorar!
Mas na estrada encontraram
negociante,
o Urso Marrom, que carregava um
pato.
“De onde vêm?” indagou, sem mais
recato.
“Da Inglaterra,” mentiu Renard,
no mesmo instante.
“Vamos à feira, vender por bom
montante
Roupas inglesas...” E as mostrou,
prova do fato.
“Mas essa ave nos daria um belo
prato...
Não quer fazer um negócio
interessante?”
“Dê-nos o pato e alguma coisa
mais...”
“Sei muito bem a razão dessa
proposta:
vocês têm medo dos cães que
existem lá!”
“De mim têm medo esses nojentos
animais,
mas o negócio em nada me
desgosta:
elas por elas, caso o aceitem, se
fará!...”
PRIMAUT E MOUFLART II
Foi acertada a barganha,
finalmente.
“Que Deus vos guarde!” – disse o
mercador.
“E que Deus vos abençoe, meu
senhor!”
Pegou Primaut o pato e saiu muito
contente.
Renard seguiu atrás, já
desconfiadamente:
Vai devorar todas as partes de sabor
e me deixar só os pedaços sem valor!...
Assim encetou uma corrida mais
valente!...
Mas Primaut só parou sob um
carvalho
e começou o pato gordo a
depenar...
“Como será, meu amigo, o nosso
talho?”
“Mas que talho? Eu vou comê-lo inteiro!
O bico e as penas, se quiseres,
vou te dar!
Vão te servir para encher um
travesseiro!”
Em vão Renard então argumentou:
“As roupinhas minha esposa fez à
mão,
metade ontem lhe dei do meu faisão!”
Mas o reclamo de nada lhe adiantou!
“Ao menos, um pedaço!” – Renard lhe suplicou.
“De forma alguma. Você me deve uma
traição;
esperei meses, mas chegou hoje a ocasião
de me cobrar!” – Primaut lhe contestou.
Renard ser tudo inútil percebeu,
mas foi embora, sua vingança a planejar,
logo ao Abutre Mouflart indo chamar!
(*)
(*) pronuncie MUFLAR.
Logo o encontrou nos ares a planar.
“Senhor Mouflart, por acaso irá gostar
de um pato gordo?” “Bem me apeteceu!”
“Pois logo ali, embaixo do carvalho,
Primaut, o lobo, está um a depenar!
Ele era meu, porém quis me enganar:
prefiro então que seja seu o talho!...”
“De pegar esse pato hoje não falho!”
gritou o abutre e velozmente o voo alçou:
para o carvalho já se encaminhou,
localizando-o sem ter maior trabalho...
Primaut já havia toda a ave depenado,
mas no momento de lhe dar uma dentada,
muito contente por Renard ter enganado,
chegou Mouflart e sua presa arrebatou.
“Senhor Mouflart, por que me fez a tratantada?”
“Só porque às claras essa ave me mostrou!...”
“Já compreendi que não vai me
devolver,
mas pelo menos me jogue um bom
pedaço!”
“Tudo que eu pego, totalmente eu
traço!
O pato é meu agora e eu vou
comer!...”
“Nossa amizade, por favor, vamos
manter:
dê-me somente do peitinho um
maço,
depois lhe deixo parte do que
caço!...”
“Vá então caçar, sem mais tempo
perder!”
Assim o abutre pousou num galho
alto,
começando a bicar, gulosamente;
seria impossível alcançá-lo com
um salto!
Só então Primaut se arrependeu de
sua maldade:
“Quem tudo quer, tudo perde,”
realmente,
Para Renard devia ter dado a sua
metade!
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