quinta-feira, 19 de janeiro de 2023



 

 

PUDOR I – 11 janeiro 2023

(Natalie Portman)


hoje a nudez deixou de ser sensual,

é tão comum como antiga ladainha,

da pele a escuridão se faz rainha

no corpo exposto de forma natural;

quem se acostuma com topless e fio dental

descarta mais facilmente sua calcinha;

só o pênis do vento sua vulva acarinha

e a penetra em toque falso do sexual;

eu nunca estive em praia de nudismo,

porém se afirma ser rara ali a ereção,

o olhar desgasta ante tanta exposição;

somente o sol copula o naturismo

e quem se trai com certa excitação,

mostra-se estranho a tal anunciação.

 

PUDOR II

não é comum se praticar sexo na areia,

porque interfere no tegumento natural,

salvo se toalha foi estendida no inicial,

pequena precaução quando se anseia;

quem age assim decerto não receia

sem contemplado com desprezo consensual

ou da excitação alheia o potencial,

nem por criança cuja atenção ateia;

mas a nudez da praia é mais estética

e assim merece ser tratada com respeito,

quem a condena pensa em si como disforme,

seja vergonha hipócrita de sua ética,

querendo ao belo negar o seu direito,

por se julgar ante o padrão ser desconforme.

 

PUDOR III

quem equipara toda nudez com o sexual

sua compulsão demonstra reprimida,

pelo desejo insatisfeito comprimida,

na adolescência lhe foi forçada sua moral;

que diferença encontraria afinal

nessa roupagem exígua que é exibida,

de que a nudez imperfeita é concebida

integralmente qual armadilha do sensual;

mesmo pouco deixado ao imaginar,

existe algo desonesto em denegrir

a carne exposta em toda a sua pureza,

como um convite para ali prevaricar,

não o orgulho da nudez a se nutrir,

mas maculada a atração de sua certeza.

 

PUDOR IV

mas na verdade, por que motivo deveria

toda a nudez ser um convite para o sexo?

qual autorepressão desperta o nexo

de que a pele só o desejo anunciaria?

mas certa maldição hoje em dia se exporia:

se é tão comum, qual sua atração ao amplexo?

e quanta gente se lança ao inverso anexo,

só a novidade mais terrível enfim os guia;

mas que dizer dos infelizes desprezados,

que só cobiçam o que não podem ter?

por que motivo se julgar serem pecados

o que os mais jovens e robustos, agraciados

com esses dotes que não esperam receber,

por inveja e ódio sendo apenas inspirados?

 

AMARYLLIS I – 12 janeiro 2023

se eu perco o sono, não há a menor razão

para sobre meu colchão me rebolcar,

no desespero por um furtivo cochilar,

sendo afastado, afinal, por emoção;

nada me força a seguir essa opinião

de um terço do dia ao sono dedicar,

o que eu preciso realmente é de sonhar

em devaneio que me aqueça o coração;

contudo a ausência do sonho me enfraquece,

traz-me revolta, a mente me esvazia,

somente os sonhos sustentam meu viver,

porém se custo a dormir e faço prece,

vejo que toda mancha de sono perderia,

o sonho esvai-se e não o mais posso conceber.

 

AMARYLLIS II

em mim é raro, porque vivo para o sonho

e nos espaços oníricos enlanguesço,

de minhas mazelas diárias me despeço,

nem sequer versos nesse então componho;

no sonho encontro ou ao menos eu suponho

pares de amor que no viver esqueço,

que então recordo e ao despertar padeço,

somente espectros no acordar tristonho;

mas serão mesmo?  neste mundo quântico,

em que tomo decisões a cada segundo

e sei que o oposto também se realiza,

que é o sonho senão o repetir do mântrico,

em turbilhão reproduzido ao mais profundo

em que o pseudópodo de uma hidra me pesquisa?

 

AMARYLLIS III

mas me parece muita vez que sou sonhado,

pertenço inteiro a uma alheia sensação,

que alguém me percebe sem grande precisão

e então me deixa escorrer para este lado;

o meu modelo não foi bem amassado:

essa mulher que me prende ao coração

não atou bem as artérias com sua mão,

saí imperfeito, por aqui disseminado,

tal qual se fosse, de fato, mais de um,

retalho e sobras de um coraão partido

ou fragmentos do espelho do incomum,

de cada vez em uma vida diferente,

sem perceber que apenas fui vivido,

para meu próprio bem sempre impotente.

 

CASA SEM LÍRIOS I – 13 janeiro 2023

os quartos da poesia têm alto pé-direito

e quase não ostentam mobiliário,

mas cada canto humilde tem sacrário,

santificando assim cada defeito;

mas o que ali havia de bom e de direito

foi retirado por qualquer verso arbitrário,

foi empenhado para mobiliar outro santuário,

porém sem transmitir qualquer preceito;

em minha casa da poesia silva o vento

pelas fendas da vidraça e as rachaduras,

pingam goteiras pelas falhas do telhado,

não tenho cama ou mesa de sustento,

deito no chão de que rasguei loucuras

na noite insana de meu vazio forjado.

 

CASA SEM LÍRIOS II

contemplo as riscas ao longo desse assoalho,

que as tábuas separam em fio horizontal,

com as unhas rasgo a divisão conceptual,

em sua secura a encontrar restos de orvalho;

ou percorro o reboco em que me espalho,

contra as paredes há tanto de mim nesse final,

perdeu-se a tinta em um orgasmo sideral,

mas a troquei por cada gota de meu talho;

mesmo no teto existem partes de mim mesmo,

as pleuras do pulmão viraram candelabro

e meu cérebro esculpiram num florão;

meu intelecto por ali flutua a esmo,

cada recanto de minha pele fez-se glabro,

tornei-me um vento de perene viração.

 

CASA SEM LÍRIOS III

então percebo que os cem quartos vazios,

em que sequer ouço zumbir qualquer inseto,

ainda produzem algum mofo de um afeto,

letras perdidas a coagular-se em brios;

os meus amores ressuscitam nos seus cios,

cada lembrança escondida no seu teto,

o forro antigo engravida e faz-se em feto,

placenta arguta que se forja em assobio;

nos raios do sol que transpassam as janelas

ainda canto e salmodio mil estrelas,

algumas mesmo até acredito fazer belas;

sou simples conteúdo feito em catedral,

sem ostensório e sem altar sacerdotal,

mas condensado no rubroazul de algum vitral.

 

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