PUDOR
I – 11 janeiro 2023
(Natalie Portman)
hoje
a nudez deixou de ser sensual,
é
tão comum como antiga ladainha,
da
pele a escuridão se faz rainha
no
corpo exposto de forma natural;
quem
se acostuma com topless e fio dental
descarta
mais facilmente sua calcinha;
só
o pênis do vento sua vulva acarinha
e
a penetra em toque falso do sexual;
eu
nunca estive em praia de nudismo,
porém
se afirma ser rara ali a ereção,
o
olhar desgasta ante tanta exposição;
somente
o sol copula o naturismo
e
quem se trai com certa excitação,
mostra-se
estranho a tal anunciação.
PUDOR
II
não
é comum se praticar sexo na areia,
porque
interfere no tegumento natural,
salvo
se toalha foi estendida no inicial,
pequena
precaução quando se anseia;
quem
age assim decerto não receia
sem
contemplado com desprezo consensual
ou
da excitação alheia o potencial,
nem
por criança cuja atenção ateia;
mas
a nudez da praia é mais estética
e
assim merece ser tratada com respeito,
quem
a condena pensa em si como disforme,
seja
vergonha hipócrita de sua ética,
querendo
ao belo negar o seu direito,
por
se julgar ante o padrão ser desconforme.
PUDOR
III
quem
equipara toda nudez com o sexual
sua
compulsão demonstra reprimida,
pelo
desejo insatisfeito comprimida,
na
adolescência lhe foi forçada sua moral;
que
diferença encontraria afinal
nessa
roupagem exígua que é exibida,
de
que a nudez imperfeita é concebida
integralmente
qual armadilha do sensual;
mesmo
pouco deixado ao imaginar,
existe
algo desonesto em denegrir
a
carne exposta em toda a sua pureza,
como
um convite para ali prevaricar,
não
o orgulho da nudez a se nutrir,
mas
maculada a atração de sua certeza.
PUDOR
IV
mas
na verdade, por que motivo deveria
toda
a nudez ser um convite para o sexo?
qual
autorepressão desperta o nexo
de
que a pele só o desejo anunciaria?
mas
certa maldição hoje em dia se exporia:
se
é tão comum, qual sua atração ao amplexo?
e
quanta gente se lança ao inverso anexo,
só
a novidade mais terrível enfim os guia;
mas
que dizer dos infelizes desprezados,
que
só cobiçam o que não podem ter?
por
que motivo se julgar serem pecados
o
que os mais jovens e robustos, agraciados
com
esses dotes que não esperam receber,
por
inveja e ódio sendo apenas inspirados?
AMARYLLIS
I – 12 janeiro 2023
se
eu perco o sono, não há a menor razão
para
sobre meu colchão me rebolcar,
no
desespero por um furtivo cochilar,
sendo
afastado, afinal, por emoção;
nada
me força a seguir essa opinião
de
um terço do dia ao sono dedicar,
o
que eu preciso realmente é de sonhar
em
devaneio que me aqueça o coração;
contudo
a ausência do sonho me enfraquece,
traz-me
revolta, a mente me esvazia,
somente
os sonhos sustentam meu viver,
porém
se custo a dormir e faço prece,
vejo
que toda mancha de sono perderia,
o
sonho esvai-se e não o mais posso conceber.
AMARYLLIS
II
em
mim é raro, porque vivo para o sonho
e
nos espaços oníricos enlanguesço,
de
minhas mazelas diárias me despeço,
nem
sequer versos nesse então componho;
no
sonho encontro ou ao menos eu suponho
pares
de amor que no viver esqueço,
que
então recordo e ao despertar padeço,
somente
espectros no acordar tristonho;
mas
serão mesmo? neste mundo quântico,
em
que tomo decisões a cada segundo
e
sei que o oposto também se realiza,
que
é o sonho senão o repetir do mântrico,
em
turbilhão reproduzido ao mais profundo
em
que o pseudópodo de uma hidra me pesquisa?
AMARYLLIS
III
mas
me parece muita vez que sou sonhado,
pertenço
inteiro a uma alheia sensação,
que
alguém me percebe sem grande precisão
e
então me deixa escorrer para este lado;
o
meu modelo não foi bem amassado:
essa
mulher que me prende ao coração
não
atou bem as artérias com sua mão,
saí
imperfeito, por aqui disseminado,
tal
qual se fosse, de fato, mais de um,
retalho
e sobras de um coraão partido
ou
fragmentos do espelho do incomum,
de
cada vez em uma vida diferente,
sem
perceber que apenas fui vivido,
para
meu próprio bem sempre impotente.
CASA
SEM LÍRIOS I – 13 janeiro 2023
os
quartos da poesia têm alto pé-direito
e
quase não ostentam mobiliário,
mas
cada canto humilde tem sacrário,
santificando
assim cada defeito;
mas
o que ali havia de bom e de direito
foi
retirado por qualquer verso arbitrário,
foi
empenhado para mobiliar outro santuário,
porém
sem transmitir qualquer preceito;
em
minha casa da poesia silva o vento
pelas
fendas da vidraça e as rachaduras,
pingam
goteiras pelas falhas do telhado,
não
tenho cama ou mesa de sustento,
deito
no chão de que rasguei loucuras
na
noite insana de meu vazio forjado.
CASA
SEM LÍRIOS II
contemplo
as riscas ao longo desse assoalho,
que
as tábuas separam em fio horizontal,
com
as unhas rasgo a divisão conceptual,
em
sua secura a encontrar restos de orvalho;
ou
percorro o reboco em que me espalho,
contra
as paredes há tanto de mim nesse final,
perdeu-se
a tinta em um orgasmo sideral,
mas
a troquei por cada gota de meu talho;
mesmo
no teto existem partes de mim mesmo,
as
pleuras do pulmão viraram candelabro
e
meu cérebro esculpiram num florão;
meu
intelecto por ali flutua a esmo,
cada
recanto de minha pele fez-se glabro,
tornei-me
um vento de perene viração.
CASA
SEM LÍRIOS III
então
percebo que os cem quartos vazios,
em
que sequer ouço zumbir qualquer inseto,
ainda
produzem algum mofo de um afeto,
letras
perdidas a coagular-se em brios;
os
meus amores ressuscitam nos seus cios,
cada
lembrança escondida no seu teto,
o
forro antigo engravida e faz-se em feto,
placenta
arguta que se forja em assobio;
nos
raios do sol que transpassam as janelas
ainda
canto e salmodio mil estrelas,
algumas
mesmo até acredito fazer belas;
sou
simples conteúdo feito em catedral,
sem
ostensório e sem altar sacerdotal,
mas
condensado no rubroazul de algum vitral.
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