NORNAS
DA MENTE I – 30 DEZ 2022
(Katharine Helburn, do apogeu de Hollywood)
Não
temo a morte e minha vereda acenderei,
qual
tantas vezes iluminei no meu passado;
há
décadas que a espero ter chegado,
não
obstante a cada marco ultrapassei;
mesmo
saudade dela eu sentirei,
por
ela sendo a cada dia desprezado;
a
fortaleza ainda conservo de meu lado
e a
cada hora que chegar eu louvarei,
embora
veja em meia-morte algum sentido,
sempre
arrastado a essa frequente solução,
já
que me afirmam necessário ser dormir,
sem
que me alegre em tal continuidade,
que
sono algum me trará satisfação,
não
mais que meia-vida cada noite a me iludir.
NORNAS DA MENTE II
Também dizem que a morte é sono apenas,
do qual nenhum consegue se acordar,
mas hoje em dia é frequente registrar
casos de coma nas mais longas cenas,
seguidos de inesperado despertar,
quando menos se aguarda ou mesmo temas
que se transforme nesse sono sem acenas,
tão logo aparelhos se venha a desligar;
ou inúmeros casos a ocorrer em operações,
quando para o coração e o estimulam
ou quando a coma ali foi induzida,
em que a pessoa recorda as sensações
de ali estar deitada ou em que pululam
rumo a uma luz para a qual se é atraído.
NORNAS DA MENTE III
Nem realmente sentirei qualquer temor
de algum fenômeno como a catalepsia,
embora em cremação toda a vida insistiria,
morte rápida ao acordar-me em tal calor,
mas despertar-me da tumba no negror,
sem qualquer ar que ali penetraria,
para morrer de novo em agonia,
sufocado entre gritos de terror?
Pois venha a morte já e seja breve,
como partiram minha mãe e meu avô,
parada súbita a prolongar-me o sono,
sem me espantar para onde ele me leve,
quer seja um túnel que decore art-deco, (*)
ou um total esquecimento no abandono.
(*) Pronunciado “ardecô”.
EURÍDICES DA MENTE I – 31 DEZ 2022
Um choque espasmódico caso eu te perder,
me assolará, com violência, o coração;
não há lugar para minha vida em solidão,
sem ti sequer saberia o que é viver;
quiçá ocorra bem veloz meu padecer
e te acompanhe na mesma direção,
seguindo o oposto cone de atração
que para a vida veio me prender.
Será que existe algures, realmente,
alguma coisa a atrair-nos para a morte,
que igual ao esperma nos transforme a sorte
e dentro dela nos percamos finalmente,
para irmos ali a partilhar de nova vida,
enquanto a atual nos seja interrompida?
EURÍDICES DA MENTE II
O mais certo, porém, é essa agonia
da ausência de quem na vida mais se quer,
quer seja amor por homem ou mulher,
perdida assim toda a tangível companhia;
e se te fores, quanto contigo irias reter
de meu coração empapado de elegia?
Certo boa parte te acompanharia,
somente um nada a me sobrar sequer.
Neste final de ano, algo me impele
a contemplar do viver o seu final,
sem querer lamentar o que não houve,
esse tremor que me percorre a pele
de em gelo permanecer, sem teu fanal,
qual luz perdida que integralmente louve.
EURÍDICES DA MENTE III
Não é que tema essa final separação
de qualquer ser que ame realmente;
foi a morte de meus pais indiferente,
pois já esperava por tal consumação;
morte de amigos me causou mais impressão,
pessoas mais jovens que encontrava
diariamente,
bem mais real que o trespasse antecedente
dessas vergônteas da antiga geração;
mas para tudo é preciso me prepare,
morte dos filhos assaz seria dolorosa
e honestamente desejo é ir primeiro,
alguém para um final em que me ampare
e à cremação me conduza fragorosa
e as cinzas lance ao vento derradeiro!
SÍLFIDES DA MENTE I – 1º JANEIRO 2023
Existe música enquanto o ano agoniza
e escrevo versos antes de eu mesmo agonizar,
nessa aguardança de um novo despertar,
enquanto algures o ano assim desliza;
sempre meu passo um novo solo pisa,
final de ano convenção bem singular,
a precessão dos equinócios demudou o seu lugar,
só por capricho o seu final ontem se incisa;
de certo modo, algo percebo que me faz adiar
o registro dos finais versos desse ano:
talvez Dezembro insista em seu reclamo,
que alguns escritos mais lhe possa dar,
antes que sofra o seu final esbulho,
ante o repuxo fugaz de seu mergulho.
SÍLFIDES DA MENTE II
Há muito indago até que ponto é real
este arquétipo que de “ano” nos chamamos,
que com tanta insistência nós antroporfizamos,
se tem de si qualquer consciência afinal?
Será que o ano imaginado em material
pensa sofrer de cada dia seus danos,
no perpassar e desgastar dos planos,
de se estender além do natural?
Ou é somente o transcorrer do Sol,
ao redor de nossa Terra, qual pensaram
os antigos, que bem menor imaginaram
esse mundo que percorre o arrebol
e que a cada crepúsculo adormecia
nessa tenda que o próprio Deus lhe fornecia?
SÍLFIDES DA MENTE III
Certo é assim pensada tão frequente
a existência desse ano imaginário,
uma entidade a viver o seu fadário,
à vida humana afinal equipolente,
que se compara o ano assim nascente
à abertura de um ventre univiário,
a conceder-lhe período vital tão perdulário,
que em doze meses morresse finalmente...
Mas se assim fosse, cada Dia Primeiro
deveria então nascer bem pequenino,
tendo no máximo uma hora de extensão!
E de Dezembro cada dia derradeiro
seria um longo salmodiar de hino,
quase outro ano a recriar nessa ilusão!
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