ADMISSÃO
I – 8 ABRIL 23
(Audrey Hepburn, Hollywood Golden Age)
Por
certo eu te amo, mesmo sem te ver,
pois
sou poeta de coração aberto,
sempre
à procura de um destino incerto
e
assim eu te amo, mesmo sem saber,
pois
cada verso que eu possa conceber,
para
alguém corre, com destino certo,
mas
sem que eu saiba de fato o seu acerto:
que
encontre o verso quem o deva ler.
Mas
deste modo, cada mensagem tem vigor
que
não teria, talvez, caso eu soubesse
quais
os olhos a quem de fato se destina:
que
mais seria, senão ato de amor
que
a ti chegasse como chega a prece
à
divindade a que o coração se inclina?
ADMISSÃO
II
Por
muito tempo, restrita era a poesia
às
intenções só de cunho religioso,
tais
como as preces de um coração piedoso
que
a tal potente salvador se enviaria;
mas
a natureza humana tem um poderoso
anseio
de encontrar quem a entenderia
e
desse modo, se bela prece seguiria
apenas
para o Cristo, havia algo de oneroso.
Difícil
se entender um protetor pessoal
nessa
pessoa divina de amplidão
que
de tantos seria alvo de oração
e
assim, primeiro a Maria fez-se natural,
depois
aos santos de qualquer predileção
que
se invocasse em prece individual.
ADMISSÃO
III
Na
Renascença, com mais ampla liberdade,
uma
poesia mais romântica criaram,
nos
moldes grecorromanos que encontraram,
muito
mais fácil de se amar nessa vaidade;
destarte
os poetas suas damas endeusaram,
com
frequência em idolatria de verdade,
a
proclamar o seu amor à sociedade,
mesmo
nas vezes em que nunca as encontraram.
Dizer
‘eu te amo’ para a Virgem Maria
ressumbraria
numa incerta idolatria;
dizer
‘eu te amo’ para o santo cavaleiro
qualquer
coisa de profano abrigaria;
e
assim ‘eu te amo’, em miragem ilusória,
só
neste meu coração cheia de glória.
SUBMISSÃO
I – 9 ABRIL 2023
Todas
as mulheres são agentes de domínio,
tanto
mais belas quais mais férteis são,
pois
o que nos pode trazer mais sedução
que
a gravidez da mulher em seu fascínio?
Muito
mais que a cortesã em lenocínio
é
a formosura de uma tal realização;
vive-se
nela em pleno coração
depois
de a acometer em latrocínio.
Pois
que de nós tirou para uma vida
milhões
de vidas que nunca serão mais,
para
um triunfo fugaz tantas escorrem
e
vão correndo no túnel sem guarida,
perdidas
todas por causas naturais,
vivendo
alguma, enquanto as outras morrem.
SUBMISSÃO
II
Mais
do que nunca manifesta-se o domínio
que
no mágico momento dessa concepção:
não
é casual assim qualquer fecundação,
pois
é o óvulo que ali exerce o seu fascínio,
é
justo o óvulo que abre o seu escrínio
e
escolhe um só entre um milhão,
todos
os mais para a morte partirão,
nesse
momento de múltiplo assassínio.
Por
que entre tantos minha mãe, nesse momento,
pondo
de lado meus milhões de companheiros,
foi
escolher então somente a mim?
Qual
o mérito que demonstrei no julgamento
que
fez ao cone de atração alvissareiro
me
eleger para a sobrevivência assim?
SUBMISSÃO
III
Ficaram
todos os mais lentos para trás,
minha
semente uma das mais velozes,
a
rodear este óvulo em vastas doses,
a
esperar a seleção que então se faz;
não
tive mérito em tal nuvem de gás,
nem
um clamor mais alto que essas vozes,
nem
foi o maior orgulho de minhas poses,
haverá
um garbo que a sedução perfaz?
Não
vejo assim. O mérito inteiro está
na
decisão que jamais foi aleatória,
ele
escolheu quem melhor podia absorver,
enquanto
a mucosa aos demais absorverá
e
somente para mim deu luz à história:
que
honra insigne para à raça pertencer!
EXPECTAÇÃO
I – 10 abril 23
Muita
vez ouvi dizer que a expectativa
já
constitui a metade do prazer,
que
é o lento aguardar pelo viver
de
uma experiência calma ou mais furtiva
que
torna essa delícia ainda mais viva,
muito
mais do que um breve estremecer
quando
dois corpos juntam-se em querer
por
essa chama de orgasmo tão esquiva.
Mas eu não sou assim. É o dom gratuito,
a cristalina certeza do espontâneo
que mais aviva minha voraz percepção,
quer seja o amor conjugal ou mais
fortuito,
é este encontro, num gesto subitâneo,
que me expande, num relance, o
coração.
EXPECTAÇÃO
II
O
que me atrai é a certeza do desejo
que
em olhos veja presumível de parceira
que
me atrai para essa companheira,
na
imediata conspiração do beijo.
Sinto
em seus dentes a escala de um arpejo,
a
convicção decidida e verdadeira,
posta
de lado qualquer dúvida ligeira,
nesse
aguardo em ansiedade pelo ensejo.
Não
me disponho ao jogo de poder,
manifestado
em tanta expectância,
cada
adiamento uma forma de inconstância,
que
dentro em mim não desperta mais querer:
se
qualquer ato de amor deverá ser,
então
que seja para a mútua ânsia!
EXPECTAÇÃO
III
Não
creio seja apenas eu assim,
no
velho jogo conducente ao casamento,
nem
me desperto para qualquer portento,
eu
só me sinto enfeitado de arlequim;
pois
muitas vezes, em lenocínio, enfim,
um homem parte para seu aliviamento,
sem
se dispor a aguardar o julgamento
ou
o cerimonial em tintim-por-tintim.
Tampouco
me entreguei à alternativa,
jamais
tive prostituta, o quanto sei;
pelo
menos, por amor nunca paguei,
somente
a busca da acolhida mais altiva,
quando
os braços descartaram seu pudor
e
me enlaçaram sem o mínimo temor.
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