domingo, 16 de abril de 2023


 

 

ADMISSÃO I – 8 ABRIL 23

(Audrey Hepburn, Hollywood Golden Age)

 

Por certo eu te amo, mesmo sem te ver,

pois sou poeta de coração aberto,

sempre à procura de um destino incerto

e assim eu te amo, mesmo sem saber,

pois cada verso que eu possa conceber,

para alguém corre, com destino certo,

mas sem que eu saiba de fato o seu acerto:

que encontre o verso quem o deva ler.

 

Mas deste modo, cada mensagem tem vigor

que não teria, talvez, caso eu soubesse

quais os olhos a quem de fato se destina:

que mais seria, senão ato de amor

que a ti chegasse como chega a prece

à divindade a que o coração se inclina?

 

ADMISSÃO II

 

Por muito tempo, restrita era a poesia

às intenções só de cunho religioso,

tais como as preces de um coração piedoso

que a tal potente salvador se enviaria;

mas a natureza humana tem um poderoso

anseio de encontrar quem a entenderia

e desse modo, se bela prece seguiria

apenas para o Cristo, havia algo de oneroso.

 

Difícil se entender um protetor pessoal

nessa pessoa divina de amplidão

que de tantos seria alvo de oração

e assim, primeiro a Maria fez-se natural,

depois aos santos de qualquer predileção

que se invocasse em prece individual.

 

ADMISSÃO III

 

Na Renascença, com mais ampla liberdade,

uma poesia mais romântica criaram,

nos moldes grecorromanos que encontraram,

muito mais fácil de se amar nessa vaidade;

destarte os poetas suas damas endeusaram,

com frequência em idolatria de verdade,

a proclamar o seu amor à sociedade,

mesmo nas vezes em que nunca as encontraram.

 

Dizer ‘eu te amo’ para a Virgem Maria

ressumbraria numa incerta idolatria;

dizer ‘eu te amo’ para o santo cavaleiro

qualquer coisa de profano abrigaria;

e assim ‘eu te amo’, em miragem ilusória,

só neste meu coração cheia de glória.

 

SUBMISSÃO I – 9 ABRIL 2023

 

Todas as mulheres são agentes de domínio,

tanto mais belas quais mais férteis são,

pois o que nos pode trazer mais sedução

que a gravidez da mulher em seu fascínio?

Muito mais que a cortesã em lenocínio

é a formosura de uma tal realização;

vive-se nela em pleno coração

depois de a acometer em latrocínio.

 

Pois que de nós tirou para uma vida

milhões de vidas que nunca serão mais,

para um triunfo fugaz tantas escorrem

e vão correndo no túnel sem guarida,

perdidas todas por causas naturais,

vivendo alguma, enquanto as outras morrem.

 

SUBMISSÃO II

 

Mais do que nunca manifesta-se o domínio

que no mágico momento dessa concepção:

não é casual assim qualquer fecundação,

pois é o óvulo que ali exerce o seu fascínio,

é justo o óvulo que abre o seu escrínio

e escolhe um só entre um milhão,

todos os mais para a morte partirão,

nesse momento de múltiplo assassínio.

 

Por que entre tantos minha mãe, nesse momento,

pondo de lado meus milhões de companheiros,

foi escolher então somente a mim?

Qual o mérito que demonstrei no julgamento

que fez ao cone de atração alvissareiro

me eleger para a sobrevivência assim?

 

SUBMISSÃO III

 

Ficaram todos os mais lentos para trás,

minha semente  uma das mais velozes,

a rodear este óvulo em vastas doses,

a esperar a seleção que então se faz;

não tive mérito em tal nuvem de gás,

nem um clamor mais alto que essas vozes,

nem foi o maior orgulho de minhas poses,

haverá um garbo que a sedução perfaz?

 

Não vejo assim.   O mérito inteiro está

na decisão que jamais foi aleatória,

ele escolheu quem melhor podia absorver,

enquanto a mucosa aos demais absorverá

e somente para mim deu luz à história:

que honra insigne para à raça pertencer!

 

EXPECTAÇÃO I – 10 abril 23

 

Muita vez ouvi dizer que a expectativa

já constitui a metade do prazer,

que é o lento aguardar pelo viver

de uma experiência calma ou mais furtiva

que torna essa delícia ainda mais viva,

muito mais do que um breve estremecer

quando dois corpos juntam-se em querer

por essa chama de orgasmo tão esquiva.

 

Mas eu não sou assim.  É o dom gratuito,

a cristalina certeza do espontâneo

que mais aviva minha voraz percepção,

quer seja o amor conjugal ou mais fortuito,

é este encontro, num gesto subitâneo,

que me expande, num relance, o coração.

 

EXPECTAÇÃO II

 

O que me atrai é a certeza do desejo

que em olhos veja presumível de parceira

que me atrai para essa companheira,

na imediata conspiração do beijo.

Sinto em seus dentes a escala de um arpejo,

a convicção decidida e verdadeira,

posta de lado qualquer dúvida ligeira,

nesse aguardo em ansiedade pelo ensejo.

 

Não me disponho ao jogo de poder,

manifestado em tanta expectância,

cada adiamento uma forma de inconstância,

que dentro em mim não desperta mais querer:

se qualquer ato de amor deverá ser,

então que seja para a mútua ânsia!

 

EXPECTAÇÃO III

 

Não creio seja apenas eu assim,

no velho jogo conducente ao casamento,

nem me desperto para qualquer portento,

eu só me sinto enfeitado de arlequim;

pois muitas vezes, em lenocínio, enfim,

 um homem parte para seu aliviamento,

sem se dispor a aguardar o julgamento

ou o cerimonial em tintim-por-tintim.

 

Tampouco me entreguei à alternativa,

jamais tive prostituta, o quanto sei;

pelo menos, por amor nunca paguei,

somente a busca da acolhida mais altiva,

quando os braços descartaram seu pudor

e me enlaçaram sem o mínimo temor.

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