sexta-feira, 7 de abril de 2023


 

 

CRISÁLIDAS I  (2008)

(Ginger Rogers e Fred Astaire)

 

o INVERNO, para mim, é puro ouro,

na FÍMBRIA do global esquecimento:

vou GUARDAR caixas num compartimento,

cheias de FRIO, sem me causar desdouro.

 

por CERTO, eu trabalho feito mouro,

para REUNIR essa grade de um momento,

antes que se DERRETA, em vazar lento,

em ODRES finos do mais puro couro. 

 

pois ASSIM como guarda mais calor,

dentro de SI, enquanto o animal vive,

o COURO reterá também o frio,

 

que VENDEREI como ventilador,

em LEMBRANÇA de um inverno que já tive,

agora MORTO pela aridez do estio!

 

CRISÁLIDAS II (12/8/2009)

 

"o OLHAR de quem sabe amar

se UMEDECE quando vem a dor..."

mas como é FÁCIL esse tal calor,

nessa EMOÇÃO tão simples de expressar!...

 

não que eu a QUEIRA realmente desprezar,

mas é COISA bem mais funda meu amor.

não que REAJA somente ao indolor,

mas NÃO É FÁCIL me fazer chorar.

 

não CHORO pela morte ou por tristeza:

a dor ALHEIA só me impele à ação:

não se faz NADA perante a sepultura.

 

mais me COMOVE é ver quando a cultura

é TRANSMITIDA à nova geração,

perante a COISA RARA que é a nobreza.

 

CRISÁLIDAS III

 

sou PORTADOR de distúrbio psicológico:

isto é, SEM DÚVIDA, a Síndrome da Poesia.

seus SINTOMAS são vários: me alivia

de PARTICIPAÇÃO no mundo sociológico;

 

escrevo VERSOS de cunho neurológico,

ao INVÉS de pôr-me de amores na porfia.

quando a ESPERANÇA, em timidez, me espia,

me REFUGIO no universo patológico

 

dos SONHOS e das velas multicores:

versões PSICODÉLICAS de amores,

reduzidos a ZUMBIS de negra tinta,

 

espectros RETIDOS nessa finta,

quando, DE FATO, teus reais odores

eu PREFERIA, embora em versos minta.

 

CRISÁLIDAS IV – 26 mar 2023

 

cada POEMA é um cadáver nascituro,

destinado ao OLVIDO já ao nascer,

só se MATERIALIZA ao se escrever,

contudo é mais o ECTOPLASMA do imaturo.

 

sempre um FANTASMA que não chega a coalescer,

não mais que os versos de um AUTOR perjuro,

que os concita a um NASCIMENTO impuro,

sem que uma HERANÇA lhes venha a conceder.

 

somente ESCREVE, mas por eles não se esforça,

quais CRISÁLIDAS de treva em polvadeira,

mais IRREAIS que as teclas negras do teclado

 

e mesmo ao DIGITAR, não os reforça,

mas os ESQUECE, tão logo a derradeira

sílaba saia a CROCITAR no mundo alado.

 

CRISÁLIDAS V

 

na verdade, faço MUITO MAIS agora,

do que no ANTANHO, quando os datilografava

e so em CINCO FOLHAS os então acumulava,

de SEIS EM SEIS em ofício a porem fora

 

essas que os RECEBIAM em tal outrora,

alguma folha a ser guardada, AMARELAVA,

só de CARBONO as cópias que eu tirava,

essas de hoje REQUERENDO mais demora.

 

como era triste o meu IDEAL de então!

hoje DEMONSTRA tão só melancolia,

a sua MORTALHA em perfeita aceitação,

 

hoje tais FRASES podem ver a luz do dia,

sempre que ALGUÉM se decida por botão,

ainda que CANSE na metade do que lia..

 

CRISÁLIDAS VI

 

Mas não se VEJA neste texto depressão,

é tão SOMENTE o encarar da realidade,

mais de DEZ MIL visitas na verdade,

na ‘ESCRIVANINHA’ que recebe issa impressão,

 

porém QUANTAS concluíram tal visão

de meus POEMAS de pureza ou iniquidade?

as LENDAS INFANTIS com mais bondade,

mas os ditos ‘ERÓTICOS’ é que são

 

sempre mais lidos.  Não sei o QUANTO esperam,

mas os MELHORES de todos os poemas

e os deuses SABEM que já são centenas,

 

foram muito RARAMENTE visitados,

ao popular GOSTO decerto não vieram,

com seus TÍTULOS incomuns e desusados.

 

CRISÁLIDAS VII – 27 março 2023

 

então os CHAMO de crisálidas, mentindo

que não me IMPORTO jamais sejam publicados,

que só sejam por seu MÉRITO encontrados,

não por ESFORÇO meu; vou me eximindo,

 

sempre A AFIRMAR que sua função estão cumprindo,

perante um PUNHADO de olhares apressados,

embora EU MESMO os deixe abandonados,

que NUNCA os leio, sempre novos redigindo

 

e deste modo, decerto têm algum RANCOR,

neste MUNDO em que os joguei passando frio,

rancor de MIM que os crio e em nada ajudo,

 

como FILHOS que espalhei em desamor,

pois só os GEREI em momentos de meu cio

e pelo mundo os ESPALHEI sem dar escudo.

 

CRISÁLIDAS VIII

 

mas quando a LARVA do sonho se levanta

e me ESPIA com seus olhos de silêncio,

então lhe dou TOTALIDADE de atenção

e ao DESENROSCAR-SE em versos não se espanta,

 

e nessa DISTENSÃO sequer eu mencio-

no as SINFONIAS que maranduvá descanta,

devoram FOLHA a folha, meiga planta,

até as ASAS distender em sua ascensão

 

pois enquanto meu soneto assim PIPILA,

eu o PROTEJO do sibilar do vento

e me DERRETO no tempo dos cuidados,

 

mas a SEGUIR, sua crisálida posta em fila,

já a DESCARTO para o lado num momento,

enquanto OUTROS querem ser acarinhados.

 

CRISÁLIDAS IX

 

esse é o PROBLEMA de quem escreve tanto:

só imagino SE o poeta LUIZ DELPHINO,

a METAMORFOSEAR o seu destino,

teria tempo para REVISAR seu canto;

 

talvez o PRENDESSE nas dobras de seu manto,

com os ALFINETES do metal mais fino

essas CENTENAS de poemas que seu tino

o OBRIGARA a derramar ao invés de pranto,

 

ou que BALZAC se dispusesse a ler de novo

os seus ROMANCES já de há muito escritos,

salvo na BUSCA de alguns nomes ou de fios

 

deixados SOLTOS para que o seu povo

mantivesse o INTERESSE nesses ditos

dos PERSONAGENS olvidados em seus brios.

 

CRISÁLIDAS X – 28 MARÇO 23

 

ou que Van Gogh, seus mil quadros produzindo,

tivesse TEMPO para tais obras rever;

sei de OCASIÃO em que não foi reconhecer

um quadro ANTIGO de seu trabalho infindo,

 

seu irmão THÉO a atenção lhe definindo

de que tal QUADRO que olhava com prazer

e cujo AUTOR até queria conhecer,

sob seu PINCEL viera um dia surgindo;

 

e é ASSIM comigo – quem pode me exigir

que RECONHEÇA meu passado no presente

ou que PROJETE meu presente no porvir?

 

sou crisálida de MIM, perpétua a evoluir,

sou larva ANSIOSA pelo casulo à frente,

lagarta APENAS de um constante perquirir.

 

CRISÁLIDAS XI

 

só que ao INVÉS de lagarta que devora

todas as FOLHAS que acha no caminho,

só rejeitando algum TALO, algum galhinho,

emprego as folhas na GRAVAÇÃO do outrora,

 

pois sou o RAMO que gera a flor na hora

menos PROPÍCIA para me dar carinho;

meus MERISTEMAS destino têm mesquinho,

são quando muito um RASCUNHO que embolora,

 

mas POLINIZO tal qual faz a natureza,

que por SEMENTES não demonstra compaixão,

mas só as PRODUZ em tal prodigalidade

 

e nem SEQUER se importa, com certeza,

que a MAIORIA nunca alcance floração,

desde que atinja ALGUMA a final maturidade.

 

CRISÁLIDAS XII

 

cada soneto é, contudo, um ESCANINHO,

em que CONSERVO parte desse meu calor,

que DESGASTEI perante o meu labor:

quiçá te AQUEÇA ao te encontrar sozinho,

 

enquanto guardo NOUTROS o frescor,

quando um INVERNO mais gentil me dá carinho

e assim o ENGASTO em versos de azevinho,

a SUSSURRAR para ti sonhos de amor

 

e pouco IMPORTA sejas homem ou mulher,

que és ser HUMANO é o quanto me requer

tornar-te o ALVO final de minhas mensagens,

 

quer a crisálida se torne em BORBOLETA

ou simples MARIPOSA ou bruxa abjeta,

nesse constante REPARTIR de tais miragens.

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