ASITTAWANDAS I – 20 ABR 2003
(poema em terza rima)
(ELKE SOMMER, época de ouro do cinema alemão)
Os olhos me contemplam. Olhos, bocas,
envoltos no nevoeiro do invisível,
olhos sem rosto, ocultos por mil toucas.
Quem não percebe esta poeira do insensível,
esse coro calado em ânsias loucas,
esses olhares cruzando o intransponível?
Quem não consegue respirar a poeira,
empilhada em cada altar da atmosfera,
que nos envolve até a hora derradeira?
Quem não partilha dessa densa espera,
essa impresença completa e bem certeira,
essa engrenagem de pássaro e de fera?
Essa aliança que nos ara qual charrua,
cujos olhos me contemplam, sem vaidade,
a cada vez que me atrevo pela rua?
Olhos antigos da velha humanidade,
olhos espessos em sua bruma nua,
na vidência desse olhar de opacidade...
ASITTAWANDAS II
Se alguém tirar um fac-símile de mim
(ou mesmo um fax, por abreviatura),
não estou certo do que terá, enfim.
Talvez consiga, por minha desventura,
reproduzir somente o que há de ruim
e refletir tão só minha face obscura.
Talvez consiga, por infelicidade,
de mim fotografar só o lado bom
e me deixar envolto em minha maldade.
Ou quem sabe, por vezo de bom-tom,
crie de mim, na ânsia da inverdade,
uma imagem social de falso dom.
O fato é que, nas fotos sem poesia,
o rosto que me surge desconheço:
é uma figura sem vida ou fantasia
que comparo ao espelho e ao rosto meço,
sem encontrar de mim o que eu queria,
mas só o reflexo de que fácil me despeço.
ASITTAWANDAS III – 20 ABR 2023
O mundo gira, mas não giro eu,
nessa fantástica e mística girândola:
permaneço neste canto que é só meu
e me recuso a entrar nessa farândula,
meu pensamento já por demais sofreu,
prefiro contemplar uma calêndula.
À vontade em seu eixo o mundo gira,
mas eu me furto a ser um girassol,
atrás dos vidros o meu olhar só mira
do lado oposto da rua o arrebol,
mas não consigo ver: visão me tira
a casa do vizinho em triste rol.
E as rodas giram pela minha vidraça
do antigo sol vejo o fogo de fantasma
a saltitar pelas calçadas qual pirraça.
O mundo gira e o coração não pasma,
enquanto gira o mundo e a vida passa,
deixando atrás de si o seu miasma.
ASITTAWANDAS IV
Querem de mim um sonho, certamente,
bem diferente do que lhes posso dar,
todo esse povo que se afirma indiferente
que deste mundo se atreve a reclamar,
mas se recusa a qualquer ação premente,
busca os sintomas apenas afastar,
e desse modo a sua desumanidade
escondem sob um véu de idealismo,
tão transparente em sua inanidade,
quer seja de anarquismo ou fetichismo,
que nada esconde aos olhos da verdde,
acham melhor propagar o comunismo
do que ajudar a quem veem que mais precisa,
mas acham bom, eles pensam que a pobreza,
se aumente mais, que se faça mais incisa,
pois alimenta a revolta, com certeza,
que corra sangue no solo em que se pisa,
que assim brote a revolução com mais presteza.
ASITTAWANDAS V
Já eu não sou assim. Eu
olho em volta,
não contribuo para estúpidas campanhas,
em que o roubo e a corrupção andam à solta,
pois vejo bem que as mentiras são tamanhas,
que em mim possam causar maior revolta
e não me deixem levar por tais patranhas.
Eu dou a quem me pede, quando posso,
dependendo de quem seja o pedidor,
mas não sou tolo de jogar em qualquer fosso
o quanto só alcancei com meu ardor;
a quem merece, a esse então endosso,
sem que por isso me sinta um doador.
Ajudo a quem eu sei que a si se ajuda,
dando um impulso a quem queira trabalhar,
que a vida é feita de esperança muda
e nada adianta por drogados se importar,
merece ajuda quem labora e estuda,
sem seu sustento só dos outros esperar.
ASITTAWANDAS VI – 21 abril 2023
Não que eu faça questão, mas contrario
e nunca faço o que esperam de mim:
quando me falam a sério, então eu rio
e falo sério ao ver que riem assim
e uma série de manias assim crio,
mas sem querer manias ter enfim.
Quando esperam que cale, então eu grito,
quando querem que grite, então eu calo,
quando esperam que creia no seu mito,
os contradigo em tudo que lhe falo,
sem que o contradizer seja meu fito,
nem por contradizer pense que abalo,
mas se querem-me sensato, banco o tolo,
se me querem impor ordem, me recuso,
se me oferecem churrasco, quero bolo.
Não é por mal, é apenas o meu uso,
sem aceitar a compressão de qualquer rolo,
só por autêntico, sem qualquer prazer escuso.
ASITTAWANDAS VII
Só quero ver-me é no fundo de teus olhos,
saber como me vês e quanto eu sou,
em espelhos só me vejo com antolhos,
só em teu coração eu saberei que estou,
em que, apesar de todos os escolhos,
existe imagem verdadeira e aonde vou,
constantemente, com a maior pureza,
muito além do que digo ou do que faço,
pois é no fundo de teus olhos, com certeza,
que me demonstro ser, que real eu posso
ser o que queiras e assim o ser com realeza,
os passos dando até chegar a teu abraço,
mais que a conquista de teu corpo desejado,
todos os passos são mais demonstração
de quanto possa fazer por teu agrado,
enquanto eu sou, na minha imperfeição,
nada mais do que em teus olhos tenho olhado
e o quanto guardas de mim no coração.
ASITTAWANDAS VIII
Nem sempre sei eu ser igual que penso,
pois fujo de mim mesmo e assim espero,
nesses momentos de vigor mais tenso,
ser essa imagem que diariamente eu gero,
esse fantasma de mim, lençol extenso,
essa quimera de mim que ser eu quero,
mas quanto faço a fim de te agradar,
talvez não seja mais que fantasia,
de tua imagem em busca do aprovar,
que busco ser em ti quanto eu queria,
apenas na intenção de o demonstrar,
para chegar a ti qual regalia,
portanto, não aceites o que eu diga,
porque palavras podem ser mentiras,
mas o quanto fazer por ti consiga,
pouco importanto o que canto nestas liras,
valendo mais esta constância com que siga
a demonstrar quanto desejo e que me inspiras.
ASITTAWANDAS IX – 22 abril 2023
Podes pensar talvez que seja falsa
essa imagem gravada no teu seio,
essa impressão com que minha mente calça
o teu desejo por que eu seja um puro veio
que só a ti transportará, segura balsa
para transpor cada torrente, o meio
de te levar a ser o que, de fato,
sempre soubeste ser, por mais que a vida
e os desenganos, a força de um boato
te arrastassem a buscar outra jazida,
da qual sentes enfim um desacato,
enquanto queiras mesmo, de vencida,
lavar os descaminhos que trilhaste,
forjando para ti dourada imagem
e viste em mim aquilo que buscaste,
mas eu aceito, em meu ardor selvagem
ser só a imagem que em teu olhar criaste,
por mais que tema, afinal, ser só miragem.
ASITTAWANDAS X
Vamos supor então, que só miragem
de fato eu seja e que somente fantasiaste
de mim o que querias, meiga imagem
daquilo por que sempre mais ansiaste,
pois saberás, no vigor de minha coragem,
que para ti me tornarei no que buscaste,
que na verdade, nunca antes encontrei
a imagem por que de fato eu esperava,
essa mulher ideal com que sonhei,
a companheira idônea que eu achava
ser impossível, por todas que busquei,
que no meu peito tão só imaginava.
Talvez sejas assim minha fantasia
e que nela eu deposite o quanto quero,
meu pleno verso, minha mais pura melodia,
porém não creio seja meu engano mero
essa dama abstrata que assim via,
mas que encontrei em ti o quanto espero.
ASITTAWANDAS XI
Pois na verdade, todos somos só imagem,
eu sou o que vês em mim, enquanto és
tudo aquilo que criei em minha visagem,
nesse produto das mais sinceras fés,
pois não se vê o que existe, mas voragem,
em que nos entregamos, mãos e pés
atados sem receio, pois queremos
que nos seja essa miragem bem concreta,
que nos vejam os outros quais nos vemos,
que seja essa entidade mais secreta,
qual turbilhão interno dos venenos,
envolvida por essa persona
mais dileta.
Assim, se és para mim o que eu desejo
e se me torno no que de mim esperas
não será de modo algum falso esse ensejo,
que amor perfeito é esse amor que geras,
quando anseias em amar num puro beijo,
enquanto o resto do mundo são quimeras.
ASITTAWANDAS XII
Não é amor o amor não demonstrado,
mesmo que seja, no fundo, investimento,
pois quem demonstra, mostra ideal sagrado,
mas o que importa é regar o sentimento
para que cresça, por mais atribulado
que seja pela vida em seu tormento.
De nada adianta tão só amor sentir,
quando se finge desse amor a ausência,
só floresce a sensação ao se exprimir,
que amor concreto é amor de permanência,
não a paixão fugaz de um iludir,
que nos invada em fúria de impaciência.
E é por isso que te amo, longe ou perto
e é por isso que sei, bem lá no fundo
que o julgamento teu é bem mais certo,
que um convite de pendor jocundo,
que amor queimar-se no coração deserto,
sequer nos deixa algum penar profundo.
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