sexta-feira, 28 de abril de 2023


 

 

RETIÁRIA UM  (lançadora de redes)  (25/10/2009)

(Jane Russell, 1943 -- ano em que nasci eu)

 

Tu foste para mim um sonho vão:

um sonho inútil foste, tão somente;

mas não que inútil fosse, inteiramente:

tantos poemas trouxeste à criação!...

 

Nem sequer sendo inútil ilusão:

jogaste bem tua rede, finalmente:

ora buscavas, ora indiferente,

silêncios longos, sem explicação...

 

Assim é que a mulher sempre governa:

como os deuses, retira com a mão

o que dera com a outra, sagazmente,

 

no velho jogo da artimanha eterna,

que tantas vezes vivi, sem compaixão,

antes que as malhas me prendessem totalmente.

 

RETIÁRIA DOIS

 

Inspiração se encontra em qualquer rosto,

mas não amor... Encantos são frequentes:

depois de um tempo são indiferentes

e não aquilo a que me sinto predisposto.

 

Pois muito amor é transitivo encosto,

não mais que corpos ao sexo complacentes:

são infiéis até ao estar presentes,

porque não amam senão ao rosto exposto,

 

sabendo que houve outros no passado

e tantas faces ao longo do futuro,

que este não é o amor do coração.

 

Mas que fazer, se o corpo atribulado

requer alívio nesse evento obscuro,

por mais que preferisse outra ilusão?

 

RETIÁRIA TRÊS – 26 abril 2023

 

Espero em ti que um dia me compreendas,

depois de ter sofrido o que eu sofri.

São teus os sentimentos que escrevi,

mesmo que não te conheça, nem me entendas.

 

As vidas acabadas são prebendas

e a cada instante conferido a ti,

mil outras vidas terminam de per si,

sem que sequer conheças suas contendas...

 

A cada vez que escolhes, tantas morrem

das vidas tuas, das vidas de quem amas

ou daqueles que tua escolha influencia.

 

As decisões por entre as mãos escorrem

e a cada amor por quem teu corpo inflamas,

há um outro amor de quem por ti morria.

 

RETIÁRIA QUATRO

 

Se eu já cansei de mim, por que motivo

o teu olhar de mim não cansaria?

Quando eu mesmo para mim não olharia,

o teu cansaço perceberia mais altivo...

 

Cansei de ti também, do redivivo

alçar de ombros.  Toda a melodia

se achava em mim.  Não mais que fantasia

foi esse amor que morre de inativo.

 

Pois só havia em mim pela mulher

que fosse para mim tão belo ideal

e, tudo bem pensado, no final,

 

nem eras tu quem eu queria sequer:

quem eu queria era a mulher em mim

e nunca encontrarei mulher assim.

 

RETIÁRIA CINCO

 

O tempo passa e não vejo a companheira,

tal qual sempre almejei.: o meu amparo

nas horas de tristeza, quando o faro

se agita em busca da hora derradeira.

 

Alguém que desejasse, em vez primeira,

ter a mim do seu lado, em dia claro

e de permeio à noite, sem reparo

nas falhas que demonstro à minha maneira.

 

Alguém que me quisesse porque eu sou

e não pelo carinho que demonstro,

nem por tudo quanto possa ter de mim.

 

E olhando para a vida, de onde estou,

bem sei que é estranho e quase amor de monstro

que alguém me possa apreciar a um ponto assim.

 

 RETIÁRIA SEIS – 27 abril 2023

 

O que me impede de sempre estar contigo

é o temor do ridículo.   Não quero

dar motivo de troça e nem espero

fazer-me novamente o alvo antigo,

 

quando riam de mim, sem ter motivo,

apenas a evitar sentirem-se inferiores:

sempre se cria um bobo e superiores

assim se sentem, submetendo ao crivo

 

do motejo e zombaria um pobre alvo.

Eu fui marcado assim pela exclusão

e não me agrada retomar um jogo igual.

 

Destarte, de me expor eu me ressalvo,

embora saiba mais ridícula a emoção

que assim rejeito contra um sabor real.

 

RETIÁRIA SETE

 

Não te pedi teu corpo, mas tua alma,

tua mente, teu espírito, tua vida;

que nos teus braços achara assim guarida

bem menos importava do que a palma

 

de ouro que reveste a mais querida

emoção, nos momentos de tal calma,

em que sua exalação meu peito embalma

e me reveste de placidez contida.

 

Pois já te disse antes ter apenas

a rosa de teu corpo amargo mel,

gotejando em minha mente e coração,

 

pois só desejo o ardor das açucenas,

teu sonho e teu anseio, um doce fel,

que me conserve acesa essa ilusão.

 

RETIÁRIA OITO

 

Não me parece que de fato nada existe

que justifique o meu amor por ti.

Só eu que sinto tal amor e é aqui,

no coração, que tal amor insiste.

 

Amor sentir por ti nunca pediste

e amor desses teus lábios nunca ouvi:

foi um amor que eu somente construí,

independente desse mundo triste.

 

Porque, de fato, exige o coração

ganhar amor, carinho, essa confiança,

de que possa depender minha esperança.

 

Tal amor é só meu, bela ilusão

que não descartarei, embora saiba

que tal amor em mulher alguma caiba. 

 

RETIÁRIA NOVE – 28 abril 2023

 

Na antiga Roma, havia gladiadores,

chamados Retiários, que só um tridente

e uma rede tinham por armas e frequente

vitória obtinham sobre outros gladiadores

 

melhor armados, que se achavam superiores

e se acercavam em tripudiar valente,

fácil combate a julgar cada imprudente,

por um tridente espetado em estertores,

 

pois a sua rede lançavam habilmente

e lhes toldavam todos os movimentos,

sem que suas malhas romper eles pudessem,

 

tal qual a amada, mais carinhosamente,

lança sua rede de brandos sentimentos

e os tridentes de seus dedos que me aquecem.

 

RETIÁRIA DEZ

 

Claro que existe jovenzinha inexperiente,

que ainda não aprendeu a lançar rede,

vê-se traída por ter do amor a sede

e ela mesma é perfurada por tridente,

 

manejado por outro combatente,

que seu amor melifluamente pede

e quando a tais apelos ela cede,

em breve vê seu amante indiferente

 

ou que então a treine para lançar a rede

sobre inocentes, a fim de a explorar,

sob o pretexto de dar-lhe proteção

 

e por perder o seu afeto ela receia

e assim se expõe a cada ato praticar,

por mais que lhe revolte o coração.

 

RETIÁRIA ONZE

 

Pensando bem, será que a rede eu lanço,

para obter de uma mulher a inspiração,

recrudescimento a animar minha emoção,

que em amor correspondido não alcanço?

 

Será que vejo dentro dalma o ranço

do sedutor sem a menor consideração,

que nem ao menos deseja um coração,

mas para a rejeição se mostra manso?

 

São sentimentos estranhos que contemplo,

neste meu jogo de poeta malquerido,

com ciúme em suprassumo destilado,

 

erguendo olhares para um interno templo,

a cada deusa um novo círio erguido,

nesta minha ânsia de ser desconsolado?

 

RETIÁRIA DOZE

 

E quantas teria tido assim, malignamente,

alimentando em mim fome malsã,

como uma febre que me consome de manhã

e me retorna à tarde e diuturnamente?

 

Mas não teriam buscado em mim igual nascente

do amor gentil como chuva temporã,

nesse nutrir de sua qualquer vaidade vã,

reforçando em mim o seu domínio indiferente?

 

Ah, retiárias, que marcham pela arena,

semidesnudas, vestindo apenas rede,

trazendo às costas a alma perigosa!

 

De soslaio a me espreitar, tocaia plena,

que com três dentes me beijassem nessa sede,

tais e quais os três espinhos de uma rosa!

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