quarta-feira, 12 de abril de 2023


 

 

POLIMATIA I – 1º ABRIL 2023

(Charlize Theron)

 

Todo poeta, mencionei, é mentiroso,

mas não é assim a maioria das pessoas?

Algumas mentem por razões que julgam boas,

outras poupando de algum relato pavoroso;

outras que mentem por motivo generoso,

ou tão só para de alguém fazer as loas,

outras que mentem por causas atoas,

ainda outras até por gesto carinhoso.

 

Existem aquelas que dão falso testemunho,

talvez para prejudicar um desafeto

ou quiçá para esconder os seus defeitos,

outras ainda para imprimir seu cunho

e alcançar algum objetivo mais direto,

como os políticos em busca de proveitos.

 

POLIMATIA II

 

Também existem mentiras por traição,

as que de fato prejudicarão alguém,

nada importando que causem a ninguém,

salvo com o lucro imediato da ocasião;

ou há quem minta por abnegação,

sem revelar um segredo que se tem,

a garantir de um terceiro o bem,

mesmo ante a morte a mostrar disposição.

 

Mas ainda existe o contador de histórias,

que verdadeiras ser afirma firmemente,

mesmo essas coisas que não podem ser possíveis,

como as potocas de pescador inglórias,

sem esperar que acreditem realmente,

na descrição das peripécias mais incríveis.

 

POLIMATIA III

 

Mas um poeta, de forma semelhante,

tudo o que faz é redigir obras de arte,

buscando só a admiração de uma outra parte,

por narrativa de enredo interessante,

sem esperar que o creiam por instante,

mas sem que a obras sofram por descarte,

mas que a beleza do verso lhes imparte

qualquer prazer ao soar de seu descante.

 

E assim sou eu – meus versos são mentiras,

sem a intenção de prejudicar ninguém

e sem vantagem alguma procurar,

salvo o tanger das caprichosas liras,

que há muitos séculos dão prazer a quem

somente busca por momentos se encantar.

 

POLISPERMIA I – 2 ABRIL 2023

 

Tua saliva na minha em fios de prata,

entremeada de um frescor de puro olvido

de todas essas coisas que ferido

têm o meu coração por longa data;

a maciez dos lábios, como nata,

bálsamo doce que me tem ungido,

mais que novena em que já tenha crido,

antídoto à tristeza que me abata.

 

Esse leve rubor que o beijo invoca,

enquanto as alas da narina arfantes

vejo de perto, em suspiros congelados,

nesse respiro que pelo meu se troca,

nessa ilusão concreta triunfantes

dos devaneios de tantos dias passados.

 

POLISPERMIA II

 

Teus lábios em botão de eterna graça,

só emoldurados por leve sugestão

de que o passado não foi só ilusão,

mas pôs em ti as rugas de sua jaça,

teus olhos nesse brilho que se embaça,

avermelhados em leve congestão,

mostram que a lágrima não é só desilusão,

também escorre quando amor se faça.

 

Que assim contemple teu rosto contraído

nesse estridor do orgasmo recebido,

enquanto o meu ardente se dilata!

Nessa expressão que muito mais me excita

de tua garganta que roucamente grita,

quando teu ventre transbordo em branca nata...

 

POLISPERMIA III

 

Minha ânsia se fez carne e habitou entre os nós

de teus pelos pubianos em triângulo,

na flor inserta em inescrutável ângulo,

na mesma caverna sagrada dos avós,

que meus antepassados, como a foz

dos rios de neve quente derramaram,

nesses cem atos que a mim também formaram,

não me fariam caso ficassem sós.

 

Que pode haver de mais sagrado que este ato,

tão pertinente às leis da biologia,

que a transmitir a raça assim se arrisca?

Que tudo mais é pura glosa desse fato,

sem o qual mulher alguma sentiria

estar completa em sua missão de isca...

 

POLIAGONIA I – 3 ABR 2023

 

Fez-se diversa a cidade que conheço

daquela outra que conheci antigamente,

muitos prédios, por ambição premente,

já demolidos sem o menor apreço;

se por antigas calçadas ainda eu desco,

vejo ao entorno tanta coisa diferente

das que um dia contemplei indiferente,

mas de cuja saudade hoje eu padeço.

 

De fato, muitos dos prédios mais bonitos

se transformaram em caliça e poeira,

substituídos por construções utilitárias

e às vezes penso estar ouvindo os gritos

desses tijolos transportados em esteira

para aterros e valas comuns precárias.

 

POLIAGONIA II

 

Com eles foram os antigos habitantes,

espelhados em suas quinquilharias,

suas sombras nas paredes e nas guias

no esquecimento de seus finais instantes.

Mesmo os afrescos mais interessantes

e as escariolas das entradas mais esguias,

já espatifados para criptas vazias,

com o lixo moderno comungantes.

 

Penso igualmente nas casas que habitei:

onde se encontram os assoalhos que pisei,

onde esses tetos que me contemplaram,

onde os rastros que deixei pelas paredes

e as atmosferas do passado tais quais redes,

que minha respiração um dia guardaram?

 

POLIAGONIA III

 

Hoje surge, em momento bem tardio

o empenho de dar a casas tombamento,

pelos caprichos IBAMAntes do momento,

as casinholas esguidas em desvio,

que por motivo qualquer, sem real lio,

querem agora conservar em firme assento,

mas não salvaram as de melhor alento,

essas imagens que por detrás dos olhos crio.

 

E ficam prédios assim abandonados,

sem que os possam reformar os proprietários,

tantas fachadas que se deterioraram;

contudo eu olho esses prédios preservados,

sem entender quais motivos mais nefários

os meus próprios sentimentos não tombaram...

Nenhum comentário:

Postar um comentário