POLIMATIA
I – 1º ABRIL 2023
(Charlize Theron)
Todo
poeta, mencionei, é mentiroso,
mas
não é assim a maioria das pessoas?
Algumas
mentem por razões que julgam boas,
outras
poupando de algum relato pavoroso;
outras
que mentem por motivo generoso,
ou
tão só para de alguém fazer as loas,
outras
que mentem por causas atoas,
ainda
outras até por gesto carinhoso.
Existem
aquelas que dão falso testemunho,
talvez
para prejudicar um desafeto
ou
quiçá para esconder os seus defeitos,
outras
ainda para imprimir seu cunho
e
alcançar algum objetivo mais direto,
como
os políticos em busca de proveitos.
POLIMATIA
II
Também
existem mentiras por traição,
as
que de fato prejudicarão alguém,
nada
importando que causem a ninguém,
salvo
com o lucro imediato da ocasião;
ou
há quem minta por abnegação,
sem
revelar um segredo que se tem,
a
garantir de um terceiro o bem,
mesmo
ante a morte a mostrar disposição.
Mas
ainda existe o contador de histórias,
que
verdadeiras ser afirma firmemente,
mesmo
essas coisas que não podem ser possíveis,
como
as potocas de pescador inglórias,
sem
esperar que acreditem realmente,
na
descrição das peripécias mais incríveis.
POLIMATIA
III
Mas
um poeta, de forma semelhante,
tudo
o que faz é redigir obras de arte,
buscando
só a admiração de uma outra parte,
por
narrativa de enredo interessante,
sem
esperar que o creiam por instante,
mas
sem que a obras sofram por descarte,
mas
que a beleza do verso lhes imparte
qualquer
prazer ao soar de seu descante.
E
assim sou eu – meus versos são mentiras,
sem
a intenção de prejudicar ninguém
e
sem vantagem alguma procurar,
salvo
o tanger das caprichosas liras,
que
há muitos séculos dão prazer a quem
somente
busca por momentos se encantar.
POLISPERMIA
I – 2 ABRIL 2023
Tua
saliva na minha em fios de prata,
entremeada
de um frescor de puro olvido
de
todas essas coisas que ferido
têm
o meu coração por longa data;
a
maciez dos lábios, como nata,
bálsamo
doce que me tem ungido,
mais
que novena em que já tenha crido,
antídoto
à tristeza que me abata.
Esse
leve rubor que o beijo invoca,
enquanto
as alas da narina arfantes
vejo
de perto, em suspiros congelados,
nesse
respiro que pelo meu se troca,
nessa
ilusão concreta triunfantes
dos
devaneios de tantos dias passados.
POLISPERMIA
II
Teus
lábios em botão de eterna graça,
só
emoldurados por leve sugestão
de
que o passado não foi só ilusão,
mas
pôs em ti as rugas de sua jaça,
teus
olhos nesse brilho que se embaça,
avermelhados
em leve congestão,
mostram
que a lágrima não é só desilusão,
também
escorre quando amor se faça.
Que
assim contemple teu rosto contraído
nesse
estridor do orgasmo recebido,
enquanto
o meu ardente se dilata!
Nessa
expressão que muito mais me excita
de
tua garganta que roucamente grita,
quando
teu ventre transbordo em branca nata...
POLISPERMIA
III
Minha
ânsia se fez carne e habitou entre os nós
de
teus pelos pubianos em triângulo,
na
flor inserta em inescrutável ângulo,
na
mesma caverna sagrada dos avós,
que
meus antepassados, como a foz
dos
rios de neve quente derramaram,
nesses
cem atos que a mim também formaram,
não
me fariam caso ficassem sós.
Que
pode haver de mais sagrado que este ato,
tão
pertinente às leis da biologia,
que
a transmitir a raça assim se arrisca?
Que
tudo mais é pura glosa desse fato,
sem
o qual mulher alguma sentiria
estar
completa em sua missão de isca...
POLIAGONIA
I – 3 ABR 2023
Fez-se
diversa a cidade que conheço
daquela
outra que conheci antigamente,
muitos
prédios, por ambição premente,
já
demolidos sem o menor apreço;
se
por antigas calçadas ainda eu desco,
vejo
ao entorno tanta coisa diferente
das
que um dia contemplei indiferente,
mas
de cuja saudade hoje eu padeço.
De
fato, muitos dos prédios mais bonitos
se
transformaram em caliça e poeira,
substituídos
por construções utilitárias
e
às vezes penso estar ouvindo os gritos
desses
tijolos transportados em esteira
para
aterros e valas comuns precárias.
POLIAGONIA
II
Com
eles foram os antigos habitantes,
espelhados
em suas quinquilharias,
suas
sombras nas paredes e nas guias
no
esquecimento de seus finais instantes.
Mesmo
os afrescos mais interessantes
e
as escariolas das entradas mais esguias,
já
espatifados para criptas vazias,
com
o lixo moderno comungantes.
Penso
igualmente nas casas que habitei:
onde
se encontram os assoalhos que pisei,
onde
esses tetos que me contemplaram,
onde
os rastros que deixei pelas paredes
e
as atmosferas do passado tais quais redes,
que
minha respiração um dia guardaram?
POLIAGONIA
III
Hoje
surge, em momento bem tardio
o
empenho de dar a casas tombamento,
pelos
caprichos IBAMAntes do momento,
as
casinholas esguidas em desvio,
que
por motivo qualquer, sem real lio,
querem
agora conservar em firme assento,
mas
não salvaram as de melhor alento,
essas
imagens que por detrás dos olhos crio.
E
ficam prédios assim abandonados,
sem
que os possam reformar os proprietários,
tantas
fachadas que se deterioraram;
contudo
eu olho esses prédios preservados,
sem
entender quais motivos mais nefários
os
meus próprios sentimentos não tombaram...
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