ESTERNUTAÇÃO
I – 14 ABRIL 2023
(Angela Lansbury)
Eu
hoje espirrei por acaso uma só vez
E
fui minhalma procurar com grande afeto;
Só
a encontrei agarrada contra o teto,
Em
uma trave apoiada como arnês.
A
meus apelos surda então se fez,
Por
mais enviasse o chamado mais dileto:
Ao
seu temor de cair não objeto,
Mesmo
deixando meu corpo em viuvez.
Tentei
em vão do poleiro a desprender,
Com
o longo cabo de um espanador,
Com
esguichos de spray a convoquei,
Mas
tudo em vão até que pude resolver
Minhas
narinas ativar com certo ardor,
Só
retornando quando outro espirro dei!
ESTERNUTAÇÃO
II
Consoante
a história, durante a Idade Média,
Cada
Bobo da Corte era sempre encarregado
De
as narinas reais ter ativado,
Para
que a alma retornasse à antiga sédia;
Registra
mesmo a minha Enciclopédia
Ser
tal costume com frequência praticado,
Para
o caminho de retorno assim ser indicado:
Se
o diabo a encontrasse, que tragédia!
Ficaria
o soberano desalmado,
Desprovido
do senso de justiça,
A
corte e o povo muito sofreriam!
Necessário
ser novamente esternutado,
Para
que a alma retornasse à antiga liça:
Com
o novo espirro, todos se aliviariam!
ESTERNUTAÇÃO
III
Mas
já pensou se espirrasse outro primeiro
E
a pobre alma invadisse o seu nariz?
De
um tal evento a história não nos diz,
Mas
um conflito ocorreria bem certeiro,
Que
a alma ali buscaria um paradeiro,
Mas
a alma ali presente jamais quis
Um
companheiro chegado em chafariz
E
o expulsaria num impulso verdadeiro!
Ou
quem sabe, apaixonassem-se essas almas,
Quiçá
o sujeito se tornasse bipolar,
Obedecendo
em parte à visitante,
As
duas amantes jamais se achando calmas,
Sem
de fato conseguirem se integrar
E
o pobre rei sua alma não teria doravante!
PERFUMAÇÃO
I – 15 ABRIL 2023
Sombras
partilham do cheiro e do odor
De
quem sobre as paredes as deixou,
Se
do reboco arrancassem outro olor,
Seriam
mais duras de se desarraigar!
E
se algum dia, por decisão pior,
A
casa inteira se fizesse derrubar,
Seus
fragmentos iriam a tal lugar
Em
que a caliça se fosse despejar,
Pouco
a pouco a se despedaçar,
Salvo
se encontrassem, por acaso
Alguma
coisa que as pudesse refletir,
Como
em outra parede se irem projetar
Ou
escurecendo a argila de algum vaso,
Ou
sob árvore se deitassem a dormir...
PERFUMAÇÃO
II
Talvez
ficasse o lugar meio assombrado,
Pela
presença das sombras que o habitam,
Talvez
notadas pelas vistas dos que as fitam,
Com
novas sombras debruçadas do seu lado;
Talvez
buscassem entrar nesse coitado,
Em
que diversas posturas mesmo ditam:
Ter
sombra dupla desta forma incitam,
Seu
próprio passo no solo duplicado!
Há
muita história sobre alguém sem sombra,
Mas
sombra dupla chamará pouca atenção,
Julgado
o efeito de lamparina que reluz!
Talvez
sequer o projetor se assombra,
A
parecer-lhe uma casual duplicação,
Como
efeito de uma lanterna que conduz...
PERFUMAÇÃO
III
Porém
se as sombras de fato têm um cheiro,
Alguma
coisa afetaria as suas narinas,
Modificando
quiçá suas próprias sinas,
Trocando
as fronhas de seu travesseiro,
Ou
procurando a sua fonte no terreiro,
Ou
na passagem de quaisquer meninas
Ou
pelo solo algumas coisas menos finas
Meio
atarantado a procurar ligeiro.
Melhor
deixar as sombras nas paredes,
Qual
derradeira lembrança dos antigos
Que
haviam habitado nessas casas,
Em
dia e noite a constituírem redes,
Às
novas sombras sem oferecer perigos,
Tremeluzindo
como negras brasas!
TRANSFORMAÇÃO
I – 16 ABRIL 23
Amor
é arco-íris reluzente de perfume,
Nuvem
dourada que pisamos sobre o chão,
O
suprassumo a talvez ser da solidão,
Se
nós apenas usufruimos desse lume,
Porém
dos píncaros nos leva até o cume,
Ao
partilharmos das luzes da emoção,
Quase
afogados no fogo da paixão,
Quando
esse amor a nosso lado rume.
Amor
é sempre algo maior que nós
E
não a simples decorrência do hormonal
E
mente e alma a fazer segui-lo empós,
Grande
demais para um corpo limitado,
Em
seu simples arcabouço material,
Mas
para as metamatérias destinado!
TRANSFORMAÇÃO
II
Amor
é mais que sussurro ao pé do ouvido,
Amor
que é verdadeiro é imaterial,
Sempre
amor leve emanação do espiritual,
Que
não se pode jamais deixar no olvido,
Mesmo
não sendo por alguém correspondido,
Todo
amor transcenderá o digital,
É
analógico em seu sentido natural
À
carne e osso que se tem querido,
Mas
indo além da carne humana consensual,
Muito
além de cada orgasmo passageiro
E
mais além de qualquer posse triunfal,
Porque
sempre nossa mente nos amplia
Em
crescimento fatal e alvissareiro,
Além
do egoísmo transbordante da agonia.
TRANSFORMAÇÃO
III
Contudo
é feito de meandros complicados,
Dos
enredados problemas de uma vida,
Que
nosso orgulho leva inteiro de vencida,
Nessa
entrega que ultrapassa mil pecados!
E
mesmo àqueles mais amargurados
Sempre
a um rastro de ouro dão jazida,
Por
mais tristeza na alma concebida,
Bem
mais além das elegias desvairados,
Pois
a qualquer que um vero amor marcou,
Fica
a roupagem de sua persistência,
Um
dia a lembrar que nunca terminou,
Que
a mente inteira leva de vencida,
A
conservar-se nessa plena resiliência,
Enraizada
em cada artéria malferida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário