ANJO CAÍDO I – 7
JULHO 2023
Nudez fotografada
não me parece erótica,
como de anos a
fio já não é a das pinturas
ou das estátuas
em suas nuas formas puras,
nosso costume as
contempla em outra ótica.
Vê-se nas praias
essa visão despótica
da carne exposta
ao Sol em queimaduras
ou na televisão,
em suas falsas doçuras,
corpos mostrados
em exibição quase caótica.
Nem me parecem se
tornarem mais estéticas
as peles
bronzeadas por radiação solar,
todas buscando
seguir um só padrão,
não que as
condene por razões mais éticas,
embora julgue que
através do acostumar
para muitos irão
perdendo a sedução.
ANJO
CAÍDO II
A
nudez atrai bem mais na intimidade
e a
pele clara traz luminosidade
que
não se encontra na bronzeada falsidade,
que
para o câncer só traz indicação.
Mas
não se pense que sigo algum modismo
de
combater por moral qualquer nudismo,
de
aconselhar por falso preciosismo
de
um bloqueador solar a proteção.
Amo
a nudez das mulheres, qualquer cor
que
a sua pele apresente de nascença,
todas
pertencem à mesma humana raça;
eu
só lastimo câncer de mama em estertor
e a
imposição que lhes impõe presença
desse
bronzeado que a cada inverno passa!
ANJO
CAÍDO III
Contemplo
agora de costas esta bela,
vestida
apenas com sua tanga azul,
com
listras brancas e franjar de renda
e
minha mente se comove só de vê-la;
nada
de erótico existe em tal postura,
não
há triunfo qualquer, nada de exul,
sequer
vaidade em sua presente senda,
sua
pele destacada contra a escura
alfombra
negra, talvez um cortinado,
talvez
perfil contra a noite recortado,
talvez
mesmo leve traço de amargor,
como
quem se perdeu de seu destino,
por
acaso ou algum engano pequenino,
na
busca inútil de um verdadeiro amor.
ANJO CAÍDO IV – 8
JULHO 2023
Na expressão do
rosto há nostalgia,
por algo que nem
foi paixão secreta,
pela ausência que
tem do amor a seta,
quem sabe nem
sequer sabe aonde a guia,
em sua
adolescência na plena fantasia,
perante a
realidade que hoje a afeta;
talvez certa
vergonha a mente injeta,
quiçá a vida a
leve ao que não cria.
Está de fato em
posição discreta,
neste perfil que
inveja a real arte;
expõe as costas
somente e a sugestão,
apenas
entrevista, curva e quieta
de um seio que se
vê somente em parte,
qual se o
quisesse furtar à exibição.
ANJO
CAÍDO V
Sabe-se
lá o que pensa essa mulher,
talvez
se encontre em plena distração,
quiçá
pense somente em quantas são
essas
tarefas de hoje em seu mister,
quem
sabe tem um encontro e logo quer
dar
conta logo de toda a obrigação;
há
impaciência em sua postura, então,
com
compromisso que seu dever requer?
O
fato é que se vê certa tensão
nos
músculos das costas ou do braço;
sobre
a sandália se apóia e irá pular,
tão
logo se complete essa explosão
de flashes a lhe copiarem
cada traço,
para
que possa, enfim, se libertar!
ANJO
CAÍDO VI
Porém
exerço minha imaginação
e
as suas costas analiso com cuidado,
em
busca do sinal de que haja algo errado
e
só então percebo, bem de leve, a cicatriz
e
já outra procuro com antecipação
e
assim a encontro, logo do outro lado,
nessa
carne tão perfeita, que pecado!
O
que macula essa tal pele de giz?
Há
pintas de beleza, certamente,
mas
não há sardas. O que terá causado
esses
leves sinais de antigo corte?
Só
imagino então, dolentemente,
ter
sido um par de asas arrancado
qual
punição da mais estranha sorte.
ANJO CAÍDO VII –
9 julho 2023
São braços finos,
porém musculação
pelas costas
claramente definida,
a dupla cicatriz
mal sugerida,
o torso inteiro
em pálida tensão,
que me sugere a
antiga situação
de um anjo que do
Éden a guarida
perdeu, qualquer
razão indefinida,
que provocasse
tal humilhação.
Não é magia. Há somente a sugestão
das vértebras na
área cervical,
provocada pela
curva do pescoço;
só mais abaixo se
vê a demarcação
da lombar, dupla
corda na dorsal,
de fortes
músculos em seu corpo moço.
ANJO
CAÍDO VIII
É
assim que me parece a tal donzela,
entreaberta
a sua boca indiferente,
caem
os cabelos pelas faces, mansamente,
na
busca vâ das asas de nigela,
perdidas
no fulgor de uma procela
ou
arrancadas por um pecado ingente
ou
talvez por missão bem mais consciente,
que
para a mente humana pouco apela.
Ela
parece nem saber, pois seu olhar
está
perdido num distante onde,
sobre
os malares de leve saliência...
O
que a teria levado a despencar?
Qual
o segredo que a beleza esconde,
sofrida
a queda de tanta violência?
ANJO
CAÍDO IX
Porém
só vou imaginar o que eu queria...
Afinal,
eu já conheço cada nuvem
que
percorre o céu, cada salsugem
que
o mar me assopra com sua brisa fria.
Já
atrelei os coriscos que mais rugem,
empregando
como arreios a poesia
e enquanto
me lançava a essa folia,
bebi
as trovoadas que no céu estrugem.
Esse
anjo celestial me contemplou
e
viu até que ponto a alma pura
ainda
conservava, sem nequícia
e
nesse instante, algo se quebrou
nessa
semidivindde de doçura,
breve
laivo de desejo sem malícia...
ANJO CAÍDO X – 10
julho 2023
Ela pensou, ao
ver que me perdia,
correndo após
fantasmas pelo vento,
a cauda dos
cometas meu assento,
nas mil centelhas
de minha fantasia
e num repente, já
se decidia
em me salvar de
meu próprio portento,
não mais querendo
assistir o meu tormento:
em sua pureza,
assim me salvaria!...
Bem pior foi
Eloá, que a Satanás
buscou reconduzir
a Jeová,
na tola perfeição
de sua inocência;
mas esta foi a
mim que quis dar paz...
Demonstração de
amor maior não há
que a desse anjo
a demonstrar-me conivência.
ANJO
CAÍDO XI
E
assim querendo, mostrou real vaidade,
em
sua orgulhosa soterologia,
fugindo
às regras da escatologia,
movida
sempre pelo excesso de bondade,
Anjo
de Guarda a tornar-se de verdade,
nesse
típico esplendor de sua elegia,
quis-me
livrar do mal que me afligia
e
se esforçou, em plena seriedade,
sem
perceber que eram meus defeitos,
a
minha escória e água de lixívia
que
me levavam a tanto versejar;
quis
abraçar-me na doçura de seus peitos,
compartilhar
assim sua pele nívea,
em
seu esforço para me resguardar.
ANJO
CAÍDO XII
E
agora a vejo, seu olhar perplexo,
os
ombros tensos, as costas já sem asas,
as
escápulas rígidas e as rasas
cicatrizes
redundantes desse amplexo,
quando
tornou-se minha até no sexo,
para
furtar-me de alheias casas,
as
penas embrulhadas entre gazes,
pensando
retornar, perdido o nexo.
Sem
nem sequer saber se será aceita,
sua
missão fracassada – eu preferi
minhas
próprias penas a sofrer aqui,
mas
nada fiz por mal, nem por desfeita,
mais
do que amor, preferi a fantasia,
e
mais que a salvação, amo a poesia!...
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