luar de
giz I (2007)
(Maria Caniglia, cantora lírica)
o meu amor por ti
é qual farinha
de maçãs e de
rubis, em torvelinho:
nessas migalhas,
o verso é tão mesquinho
como os favores
de quem jamais foi minha,
que adeja sobre
mim qual avezinha
e somente me
larga, pequeninho
o dom de uma só
pluma de carinho,
que lentamente
ondula e se avizinha.
mas essa pluma
multipliquei, por certo,
com a força do
amor que em mim jazia
e até me
engambelei, tão grande ao vê-lo,
que fosse
retribuído e viesse perto
da potência do
sonho que eu havia
esmerilhado em
toque inútil de desvelo.
luar de giz
II (10/10/2009)
como a concha,
eu peneiro meus pesares
para escrever
meus versos de serragem:
são migalhas de
jóias, em miragem,
maravalhas de
ideias meus cantares
que lanço ao
mundo, tremulando em mares,
merengue de
ondas faz essa contagem:
é doce e leve
em sua pabulagem,
apenas solta ao
vento, em seus azares.
tal como a
concha e forjado em proteção,
groselha e
açúcar-cândi em mim se enleiam,
sem esperar por
aplausos ou por vaia,
nessas camadas
de giz do coração,
que logo
esquecem os que talvez as leiam,
espalhadas nas
areias de uma praia.
luar de giz III
essa concha enterrada
na areia, quais os mares
que me trará a
memória? por onde terá andado?
em que praias
distantes terá se acasalado
o molusco que a
forjou em seus pesares?
de que barcos
ouviu de marujos os cantares
e foi em quais
recifes cruéis dilacerado?
traz visões
derradeiras de cada um afogado
que aos
crustáceos e peixes forneceu manjares?
e agora se lança
essa concha ante meus pés,
dançando
iridescente em branco e madrepérola,
no abismo
interior das volutas, tal caver-
-na no insondável
reluz das mais perdidas fés,
a invocar
pensamentos assomados em pérola:
cada concha na
areia ossos sendo de um cadáver.
luar de giz IV –
7 agosto 2023
vozes ocultas
em cavernas frias
se expressam
por minha boca e me fraturam
os dentes... ao
zunir da brisa rouca,
que feroz sobe
enquanto cantos juram
de amor e ódio,
de paz e de agonias,
em que tantos
sentimentos se misturam:
quando uma voz
se expande, outra se apouca,
mas todas por
minha língua se apressuram.
são vozes
mortas, que nem têm garganta,
apenas me
utilizam... mensageiro
que sou:
receptáculo para mortas vozes
que nem sequer
nasceram... e me espanta
não ser mais
que um navio sem timoneiro,
em busca de
rios secos desde as fozes.
luar de giz V
longe de ti,
não sou... mero protótipo
do homem que
já fui, não um projeto
de vigor, na
plenitude desse afeto,
deixado para
trás, o meu fenótipo
me
condenou. perdi todo o meu genótipo
que não usei
em ti. meu esqueleto
tornou-se frágil
como o desafeto
de atritos e
de espantos. sou andrótipo.
que a ausência
sobre o crânio polvilhasse
fel de
amargura e que esta vida achasse
um nono
acorde, desafinando o hino...
dedicação à
arte é vão trabalho,
ave sem
asas a que sacode o galho
e o abandona à
gravidade do destino.
luar de giz VI
existe em mim o
nono tom da escala,
a sussurrar nos
acordes da trombeta;
que sopre o búzio
de expressão secreta,
nele meu hálito
perdura e não se cala.
existe em mim
cada acorde que se empala
nas quiálteras e
mordentes como agrura,
arpejo solto,
perdida a partitura,
cone calcário que
sob os pés estala.
existe em mim
toda a estalactite
que me ameaça do
fundo da caverna,
junto da alma
retorcida de uma avenca,
na busca eterna
por estalagmite,
secular nas
volutas em que aderna
até tornar-se em
chão, quando despenca.
luar de giz VII
– 8 agosto 2023
existe em mim a
oitava cor do arco-íris,
quando em
irídio de puro furtacor,
o sol se
afasta, gemendo do calor
que a terra
exala, qual imenso pires.
existe em mim a
lenta voz de osíris,
no julgamento
final do pecador,
mais que uma
pena pesa cada dor
do coração,
quando arrancado o vires.
existe em mim o
canto da borrasca,
salgado aroma
de toda a maresia,
quando a dolçura
se embate contra a areia
e o vinho pobre
da obscura tasca,
que só ao
marinheiro embriagado
no fígado
corrompido se incendeia!
luar de giz
VIII
existe em mim
o som dos asterídios
de cinco asas,
marinhas borboletas,
que me vieram
abraçar, nada secretas
suas
intenções, famintas como ofídios.
existe em mim
o som dos genocídios
dos pescadores
de arrastão, completas
conjugações
das redes indiscretas,
restos mortais
deixando para afídios
os cem
descartes lançados sobre a areia,
ante as gaivotas
em feroz competição
com tais
formigas de vasta multidão
e mesmo os
caranguejos em peleia,
sem se dar
conta que na briga feia,
muitos acabam
por tornar-se em refeição!
luar de giz IX
existe em mim o
ardor celenterado
ds mães-d’água em
venenosos filamentos,
restos esparsos
de corais pulverolentos
e a fome antiga
do tubarão malvado,
elasmobrânquio
totalmente celerado,
que em tudo pensa
achar mais alimentos;
das baleias e golfinhos
os portentos
que hospeda o mar
por eles navegados.
mas aqui estou, refém
da tempestade
que me lançou à
praia sem alento
e quem me vê,
presume ser vazia,
morto o molusco
que me deu vivacidade,
não mais que
casca e externo tegumento,
caravela de giz
que aqui jazia!
luar de giz X –
9 agosto 2023
mas quando eu mordo a polpa do luar,
cremoso véu nas
noites enuveadas,
crisol de prata
das farpas laminadas,
raios de cólera para me atravessar,
eu guardo em
mim o frescor do verde mar,
dos macaréus os
capelos apressados,
das ondas
mansas os esforços ritmados,
cada marola mil
ventos a enrolar.
conservo em mim
o tridente de netuno,
das espalmadas
patas o marchar
quando seu
carro buscam empuxar
e só a mim
mesmo no final me puno,
na praia rolo
sem me proteger,
até que humanos
me venham recolher.
luar de giz XI
e então me
guardam como seus enfeites
e me encostam
aos ouvidos firmemente,
ouvindo o som
do sangue seu fervente,
embevecidos no
engano dos deleites
e assim eu me
conformo em tais aceites
e finjo ser um
mar sobressalente:
dansei nas
vagas em bailar frequente,
dos tritões
azuis recebi beijos de azeites.
não só o
arauto de posêidon me soprou,
mas sobre as
vagas me tornei escuna,
meus marujos
eram pequenos caracóis,
um hipocampo
meu leme manejou,
a minha vela
cinza alga tece e enfuna,
impulsionada
por auroras de mil sóis.
luar de giz XII
mas é de noite
que mais posso navegar,
presa no cinto
esmeralda das sereias,
de cada peixe a
superar as veias,
o canto delas
provém do meu sonar
e guardo assim
cada gota de luar,
entranhada no
fundo das enleias,
minhas bordas
protegidas por ameias,
castelo de âmbar
no meu crepitar.
calcário e gesso,
com outros elementos,
cada nuance
requerendo a adoração,
em cornucópia
transformar-me quis,
toda a abundância
a distribuir dos ventos,
mas ouro e jóias
não ponho na tua mão,
só as mortas
conchas de um luar de giz!
Nenhum comentário:
Postar um comentário