quarta-feira, 2 de agosto de 2023


 

 

ASITTAWANDAS 2ª SÉRIE

 

Asittawandas I – 29 junho 2023

os olhos me contemplam, olhos cegos,

órbitas lisas sobre seu marfim,

vistas agudas como finos pregos,

quais olhos coloridos de jasmim,

será que podem mesmo contemplar

as suas pupilas voltadas para mim?

poderão tais olhos me avaliar,

com seus rituais esconsos lá no antanho,

será que podem, de fato, me julgar?

Asittawandas II

desmedido dos olhos o tamanho,

a refletir o poder da luz solar,

é natural o seu brilho tão estranho?

olhos que possam, talvez, fotografar

e retirar de minhalma um fragmento,

para fazê-lo do passado retornar?

será que existe ali entendimento,

sem que possam com lágrimas regar

o meu presente como um júri atento?

Asittawandas III

mal sei se os olhos têm calor humano,

a me espiar das laterais de bicos,

olhos egípcios contemplando algum romano

na compreensão aviana os olhos ricos,

que necessitam só de lado me espiar,

nas hieroglíficas figuras de seus picos,

temíveis esses olhos a brilhar,

olhos sumérios, persas ou assírios,

olhos totêmicos em seu suspeitar?

Asittawandas IV

olhos hititas de cerosos cílios,

a multidão das vistas babilônicas,

as divindades já esquecidas pelos sírios.

em hohle fels contemplam-me ctônicos,

de corpos humanos com cabeças de leão,

quem esculpiu tais seres tão agônicos?

por toda parte encontrados são,

até ao esplendo grecorromano,

direta origem da atual civilização.

 

Asittawandas V – 30 JUN 2023

tem ao contrário humanos os semblantes,

mas corpos totalmente de animais...

alguns romanos adoraram elefantes?

mesmo enre os helenos, ditos racionais,

há multidão zoomórfica, composta

por minotauros de feições bestiais;

cada centauro ou fauno nos arrosta,

com expressões sensuais ou de sarcasmo,

em que o humano ao animal se encosta.

Asittawandas VI

ainda os encaro com meu olhar de pasmo,

tantas figuras de asas variegadas,

quais pesadelos revestidos de marasmo.

de onde nos chegam tantas visões sagradas,

seres totêmicos serão tão só imaginários

ou nos perseguem em figurações aladas?

são nossos anjos de idênticos fadários,

assim dotados de poderes sobrehumanos

ou os demônios nas catedrais atrabiliários?

Asittawandas VII

mostram alados a cada querubim,

desde aqueles da arca da aliança,

gentil aspecto mostra cada serafim,

até o ponto em que o zoomorfismo nos alcança,

os santos trazem só auréolas nas cabeças,

não dispõem, porém, da alada segurança,

salvo em modernas figurações de espessas

zombarias dos escarnecedores,

que a salmodia recomenda-te que esqueças!

Asittawandas VIII

a pictórica tradição dos benfeitores

os apresenta quais humanos totalmente

e iguais humanos igualmente pecadores,

porém gárgulas retornam novamente,

que mais não seja para esvaziar as calhas

das catedrais erguidas no ocidente,

figuras deformadas em tais malhas,

lá do alto melancólicas assim,

como avaliando dos cristãos as falhas!

 

Asittawandas IX – 1º julho 2023

qual a razão de tanta persistência?

será somente o imaginar totêmico

ou de visões reais a consequência?

quando surgiu entre nós o epidêmico

propalar de serem deuses astronautas,

esse fenômeno foi tido por endêmico,

as evidências reunidas em suas partes,

através da pintura e da estatuária,

tão facilmente a seduzir mentes incautas.

Asittawandas X

porém não vejo na literatura multifária

dessa real existência a afirmação,

pobres mestiços de aparência pária,

apresentada em majestosa situação

quando não deuses, figurando os reis,

na glória impura dessa miscigenação,

mas se eu consigo imaginar, também podeis

que no passado ocorresse sua existência,

tais semi-humanos a nos impor suas leis.

Asittawandas XI

será que existe aqui só referência

a uma mistura com os neandertais,

numa troca de genética influência,

mencionados depois como animais,

por não mais se recordar a sua aparência

ou até mesmo como seres minerais?

mas não recordo de ver seres vegetais

miscigenados com seres humanos,

ninfas mostradas mais como espirituais.

Asittawandas XII

as hamadríades e silfos mais arcanos

representados em sua encarnação

como seres de algum modo sobrehumanos,

mas que podiam ter real concepção,

seus filhos totalmente antropomórficos,

sempre dotados de heróica carnação,

só imagino se esses seres zoomórficos

em sua mistura de humanos e animais,

existiram de fato em rituais órficos!

 

Asittawandas XIII – 2 julho 2032

eis uma coisa que sempre me intrigou:

por que, ao redor de todo o mundo,

o mesmo tipo de figuras se criou?

igualmente algum monstro furibundo

na escandinávia concebido foi

e entre os ameríndios de igual fundo,

aos quais a luz solar a vida rói

e os transforma em pedra facilmente,

duro processo que por certo dói.

Asittawandas XIV

o mesmo sol que ao vampiro onipresente

faz desmanchar em cinzas ou em poeira,

nessas lendas que conhece tanta gente;

o vento sopra seus restos nesta esteira,

um fenômeno bastante similar:

uns viram pedra, outros em areia...

por que tais lendas podemos encontrar,

sem que partilhem de um recôndito profundo,

elocubrações já de um cunho milenar?

Asittawandas XV

e o olhar da górgona, que em pedra te transforma,

qual estátua de perfeita parecença

tal como se a uma origem mineral voltasse?

mesmo na bíblia de tão vasta onipresença,

fez-se em estátua de sal essa mulher de lot:

por que olhar para trás foi tanta ofensa?

seria outra alusão à mesma mó,

algo de atávico retornando à raça,

gens recobrando por um instante só?

Asittawandas XVI

é realmente curioso que se faça

tanta alusão a um fenômeno prosaico,

mas que cada ciclo de lendas ainda abraça,

tal  qual brotasse desse inconsciente arcaico

qualquer lembrança de cunho secular,

na autocombustão que provocou arco voltaico.

e a mesma ideia volta-me a espantar,

que nunca nas escolas se ensinasse

a evolução lemuriana a relembrar!

 

Asittawandas XVII – 3 julho 2023

e assim retorno ao fac-símile de mim,

que poderia dividir-me em duas metades,

uma animal e outra humana, enfim

e por efeito de tais calamidades,

separaria de mim a face obscura,

capaz de cometer iniquidades,

daquela outra de aparência pura,

que traduziu livros e poesia ainda escreve

e o sumo-bem até hoje procura.

Asittawandas XVIII

algum receio assim me surge breve:

serão do dr. jekyll ou de mr. hyde os escritos?

qual deles vir à tona mais se atreve?

ou talvez qual dorian grey, cujo horror

manifestava-se somente no retrato,

sua figura ainda em puríssimo lavor.

sei lá no fundo de mim convive o fato

de antepassado monstruoso assim,

em mim mostrando o seu pendor ingrato.

Asittawandas XIX

ainda há pouco, entre os povos primitivos,

horror existia ante a fotografia,

que repeliam com os gestos mais altivos.

será que algo ali se achasse temeriam

que algum passado terrível desvendasse

e assim suas faces bestiais libertariam?

de Asittawandas na face se mostrasse,

ao invés de seu sorriso assaz benevolente,

qualquer horror que do arcano se estampasse?

Asittawandas XX

que o antigo rei, na pedra já impotente,

não fosse apenas cópia de um artista,

mas de fato uma fera ali presente,

que aos estragos do tempo ainda resiste

do império hitita perdido o seu passado,

mas que viver neste porvir ainda insiste,

mesmo sem ser em semibesta transformado,

traços humanos conservando vivos

de um rei de fato há milênios sepultado?

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