janelas nos telhados I – 15 julho
2023
o meu poema se espalha aos quatro
ventos,
como as trombetas que sopraram em
jericó;
como as muralhas que se fizeram pó,
o meu poema terá iguais momentos.
derrubará barreiras, em portentos,
alcançará o coração do só,
despertará em outro pleno dó
contra a maldade e contra os
sofrimentos.
o meu poema irá abrir janelas
pelos telhados de cada centro
urbano
e ventará por todo o milharal
e o meu poema fará luzir
estrelas
no canto escuro do coração humano,
qual tempestade de um canto
sideral.
janelas nos telhados II
o meu poema é um ganso preguiçoso,
que prefere nadar em manso lago
e limitar-se à maciez do pago,
sem a aspereza de um mundo laborioso;
o meu poema é também cisne
orgulhoso,
nenhum rascunho meu jamais apago,
magia pura para um luzir de mago,
condão sincero, embora um tanto
pretencioso.
o meu poema igual é pato, até mesmo
elegante,
entre as marolas de gentil lagoa,
quando caminha, é bem desajeitado
e anda assim sem salto espadanante,
até o momento final em que me voa,
deixando para trás meu desagrado.
janelas nos telhados III
o meu poema é amêndoa descascada,
é noz sem casca que já foi roída,
é o esquilo que a roeu em sua
surtida,
é o predador à espreita da caçada;
o meu poema é avelã acastanhada,
da cor dos olhos de minha mãe
perdida;
o meu poema é a caça perseguida
e a ave de rapina em onda alada.
o meu poema é a pomba e o arganaz,
a ariranha e o gentil caxinguelê,
o meu poema traz o cheiro do gambá,
o meu poema é a lágrima que traz
para dos olhos correr de quem me lê
e que um raio de esperança às vezes
dá.
janelas nos telhados IV – 16 julho
2023
o meu poema é cobra que desliza,
na caça de algum sapo ou de uma
aranha;
o meu poem é a saudade que se ganha
e a dor do vento em machucada
brisa;
o meu poema é a parede que assim
giza
e contra a qual o zéfiro se acanha
o meu poema é mulher cheia de
manha,
é ardente homem que sua pele alisa.
o meu poema é também homossexual,
porque pretende em tudo ser humano;
o meu poema também tem seu
lesbianismo,
que tudo me pertence em seu ritual,
como falou aretino, esse italiano,
como sábio precursor do romantismo.
janelas nos telhados V
o meu poema se metamorfoseia
em toda a natureza, em mil
aspectos;
o meu poema janelas abre em muitos
tetos
para que a luz permita que se o
leia;
o meu poema é caprichosa teia,
mais do que versos, desafios
diretos,
mais do que permissão, ferozes
vetos,
mais do que o vento, é fogo que
incendeia!
o meu poema é semelhante ao rato,
que entra na tua casa e tudo rói,
é blandicioso, talvez, e
pernicioso,
apresentando inesperado fato,
entrando na tua mente, na qual mói
o pensamento mais lento e vagaroso.
janelas nos telhados VI
o meu poema sabe abrir janelas
onde menos se espera – é impenitente:
o meu poema penetra em pura mente
e ali acende a lamparina como
estrelas;
o meu poema tem almotolias
singelas,
que se colocam, em lugar da luz
nascente,
por sobre as prateleiras, tão
somente
para afastar os pesadelos das
procelas.
o meu poema é lâmpada de azeite,
tem minúsculo pavio esse lampião,
nessas mil frases que nem sequer
atino,
mas que recebo em meu humilde
aceite,
deixo que escorram versos pela mão,
que badalem pela vida como um sino.
janelas nos telhados VII – 17 julho
2023
o meu poema é um pente de esmeralda
e cada dente, com sua pontura fina
interfere mansamente com tua sina,
sempre que aceitas a sua estranha
calda;
o meu poema é penhasco e aguda
falda,
a remexer mesmo nos sonhos da
menina
a troçar das lembranças que se
atina,
ao afrontar das certezas que ela
espalda.
o meu poema penetra em teus cabelos
e lentamente desfaz o emaranhado
desses novelos que formam ilusões;
o meu poema renega os teus desvelos
e desconfia de todo amor acarinhado
pelas mais inesperadas emoções.
janelas nos telhados VIII
o meu poema é a precessão dos
equinócios,
os movimentos da terra, a
translação,
seu oscilar em simples libração,
que esse planeta em que vivemos não
tem ócios,
nem meu poema tem qualquer lazer,
mas vive em permanente rotação,
organismo de mil células, que são
cada soneto que te venha a
oferecer.
o meu poema a galáxia percorre
e como o sol, vai em direção a
lyra,
é como a harpa tocada em som
marcial
e a própria vida, embora assim me
borre,
para outros astros por igual me
estira,
como um cometa em trajeto sideral.
janelas nos telhados IX
o meu poema em música se agita,
tal qual se fala em música de
esferas,
o meu poema é triste em mil
esperas,
o meu poema é mudo enquanto grita,
o meu poema se desenrola em fita,
azul e branca quando a mente
alteras,
no interpretar que assim tu mesma
geras,
no meditar a que teu peito incita.
o meu poema ilude a sinfonia,
é música de câmara em quarteto,
talvez um scherzo, talvez só fantasia,
mas meu poema distende-se completo,
ultrapassando as regras da
harmonia,
a revelar de tua alma o dom secreto
janelas nos telhados X – 18 julho
2023
o meu poema ingressa em tua cabeça,
esse órgão de teu corpo que é o
telhado,
para abrir uma janela ao meu chamado,
em sua calda de cores tão espessa;
o meu poema espero que assim cresça
dentro de ti, que em ti seja
espelhado
nas mil ideias dolentes do passado,
nas impressões de um presente que
não cessa.
que se abram ao futuro as tuas
janelas
para essa insídia dos sonhos que
mostrei,
que nelas possas abrir espaço para
o sol,
que não te feches mais às
tarantelas,
nem às farândulas que para ti
dansei,
em claraboias transparentes no
arrebol.
janelas nos telhados XI
o meu poema é o tripudiar da
aurora,
que afasta sem esforço a escuridão,
o meu poema é a negra brotação
que se insinua do por-do-sol na
hora;
o meu poema é o horizonte posto
fora
a cada vez que ultrapassamos o
rincão,
o meu poema é a lua em seu clarão,
quando se move, a luz levando
embora.
o meu poema é o tornado que passou,
transportando consigo a agitação
de todas as espigas nos trigais;
o meu poema é o sepulcro que ficou
de toda aquela ultrapassada geração
que já se foi e que não torna mais.
janelas nos telhados XII
o meu poema é a humanidade inteira,
espalhada pelos sete continentes,
o meu poema são as vítimas frequentes
da droga e embriaguez em
permanência;
o meu poema é a igreja e a
gafieira,
é a ópera e balé das cultas gentes
é o carnaval e o futebol dos
crentes,
na religião do esporte e da
chuteira.
o meu poema é de quem maneja o
malho
e inclui a todos recolhidos à
prisão,
o meu poema é o camponês que vem,
é quem pratica intelectual
trabalho,
de quem dedica à luta o coração,
pois meu poema, afinal, és tu
também!
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