meteoros I (2007)
(Anna Heche e Harrison Ford)
os deuses dão, mas algo sempre tomam,
segundo a troca lhes pareça justa;
é até possível que penses que mais custa
perder o bem antigo que te assomam;
quando te dão poder, amor retomam
e, por amor, a juventude que o degusta;
na mocidade a pobreza embarafusta
e, por riqueza, de toda paz se adonam.
caso uma estrela cadente divisares
e a envolveres no que teu coração
desejas mais ainda, sem saberes,
e lhe fizeres um pedido, esperes
de tal graça obter a satisfação,
mas a troco do bem que mais quiseres.
meteoros II
(10/2/2009)
para mim, tua existência é sacrilégio,
que te amo mais que aos deuses de minha fé;
quanto jurei, mantém-se ainda em pé,
a bem do mais antigo sortilégio...
mas me olhas com a leveza de um arpeggio
que o arco empreende em brando voltapé;
meu coração no teu não tem a sé,
prendeu-se apenas em teias de amorlégio.
assim, vendo teu rosto de relance,
ou te encontrando quase do meu lado,
percebi que em casulo me envolveste.
não queres que este amor de ti se canse:
desejas tê-lo sempre assegurado,
sem perceber que de há muito já o perdeste.
meteoros III
a meu amor por ti toda a minha linfa entrego,
que protegia constante o núcleo do organismo;
meus gânglios esvazio e mando ao ostracismo:
hormônios e as enzimas ao abandono lego!
a meu amor por ti, com aspereza esfrego
a cepa de meus órgãos e o inteiro integumento;
não é amor de orgasmo ou amor de sentimento,
mas amor tão concreto que a meu corpo nego
a própria nutrição que mais lhe pertencia,
que nunca descurei por outro ideal antigo:
por tal amor cortei da aorta o coração,
sem perceber, incrédulo, que assistiria um dia
que naufragasse assim o que sonhei contigo,
no mar feito de espuma do sangue em turbilhão!
meteoros IV – 31 julho 2023
o tempo já se foi em que apenas de encontrá-la,
meu coração saltava de alegria ao peito.
não fui audaz: pois tratei-a com respeito
e acabei por perdê-la... sem achá-la.
porque no amor há gradações de escala,
que vão desde o altruísmo até o despeito.
se morre o amor, o coração refeito
se faz em novo amor, quando se cala
a voz do amor antigo, ou se refaz
a cada novo encontro e nos reclama.
mas não mais quis essa emoção mordaz:
peguei meu coração, lancei-o ao vento,
para apagar-se o forte sentimento
que nele ardia como viva chama...
meteoros V
não sei se percebeu: mas sobre ódio
eu raramente falo. e não sozinho.
raro o poeta que ao rancor mesquinho
permite a honra de subir ao pódio.
há o problema da rima. existe sódio,
com seu cloreto, que o alimento salgadinho
torna e em tal gesto nos faz algum carinho
ao paladar. e existe ainda o ródio,
um elemento bem pouco conhecido...
porém é raro que a emoção frequentem
que tanta morte já causou e horror.
este é um enigma bastante perseguido;
contudo, é simples: é que ódio todos sentem,
mas jóia rara é se encontrar amor!...
meteoros VI
se queres ser
feliz, anda furtivo:
por que enfrentar a
vida abertamente?
os deuses não te
invejam, certamente,
mas sim os
homens, com seu olhar esquivo.
pois quando te
creem bem, feliz, contente,
é quando buscam,
mesmo sem motivo,
te derrubar do
pedestal mais incisivo,
que lhes parece
melhor que o seu presente.
a vida é
assim. quando estiveres mal,
se sentirão felizes
teus irmãos,
porque isso,
afinal, é o que desejam...
ver-te jogado ao
nível material
em que se encontram
seus pobres corações,
incapazes do bem,
por mais que o vejam.
meteoros VII—1º agosto 2023
preferem sempre achar motivo de desprezo,
defeito físico em alguém ou falha intelectual;
melhor parecem a seu lado, é natural,
que junto àquele de deficiência ileso.
já nas escolas é comum, de passo teso
caminhar garota bela ou artificial
junto da feia ou só furtiva ao tipo ideal,
salienta assim o mais belo de seu vezo.
e outros tantos buscam fazer-se amigos
daqueles aquinhoados por riqueza
ou que aparentam a posse do poder,
julgando encontrar em tais abrigos
chances melhores, ao agir com esperteza
de no social meio poderem ascender!
meteoros VIII
é igualmente assim
nessas questões de amor:
para o sucesso se
dirige a sedução,
um rico, ainda que
mau, é alvo da ambição,
pelo homem belo e
pobre sempre há certo rancor.
não é mais nos
músculos que se busca protetor,
que servirá,
talvez, como amante de ocasião,
gerando filhos, que
seu amo e senhor
julgue serem seus e
até ame com ardor!
sobretudo,
manifesta-se a vaidade,
nessa constante e
feminil competição,
ante as rivais
manifestar superação
nos meteóricos
saraus da sociedade,
mil beijos falsos
pululando pelo ar,
caindo ao solo,
para todos pisotear!
meteoros IX
são esses beijos tal qual meteoritos,
cintilam contra as faces e mal tocam,
no ar apenas os lábios se colocam;
ao aflorarem faces ou rostos bonitos
ou já enrugados, os beijos são aflitos,
não têm sentido e só no ar se embocam,
no ar parado do salão se enfocam
e tombam tontos, envoltos em agitos.
na atmosfera não chegam a se queimar,
nem sequer têm velocidade para isso,
apenas os poetas os podem recolher
e as algibeiras com beijos estufar
para seus versos de sabor castiço,
com tais ósculos docemente preencher.
meteoros X – 2
agosto 2023
algum deles talvez
até seja chutado
pelos calçados de
conviva indiferente
e outro talvez
refugiar-se, mais prudente,
contra a parede, no
solo parquetado.
uns poucos
flutuarão ao pátio iluminado,
seja por lâmpadas
ou sol alvinitente
e ali perecerão em
breve morte indolente:
seu corpo é de
saliva e logo evaporado!
quão breve a vida
do beijo abandonado,
quando mesmo a dor
de amor nunca perdura;
só sua lembrança
conserva o paladar,
nas papilas da
língua resguardado,
certo sabor de
cortesã impura,
que consentiu sem
pejo em nos beijar!
meteoros XI
e como são vidas humanas, tais os beijos
descartados sobre o solo aladrilhado!
meteóricos amores, ainda que alados,
sonhos perdidos em tais beijos andejos,
pequenos asteróides tais ensejos,
na gravidade do amor capturados,
só para serem lentamente requeimados,
mesmo os aceitos por mais sutis adejos!
e mais que os beijos que nas nuvens voam
são as ações dos homens, delirantes,
na saga esquiva de quantas ambições!
outros tantos meteoros que se escoam,
carregados em ataúdes rebrilhantes
para onde dormem as nossas tentações!
meteoros XII
sua curta vida qual
cadente estrela,
apaixonada, talvez,
por um vulcão,
que lá no alto lhe
despertou tola paixão,
a sua cratera
indiferente ao vê-la!
sem longa vida,
qual cometa de procela,
nuvem de gás, orbitando
em evasão,
para os confins do
universo a sua emoção,
nesse obscuro
infinito em que se gela!
não somos mais do
que somente meteoros,
que quanto maiores,
mais se fragmentam,
quando menores,
mais fáceis se evaporam!
nossa essência a
queimar por nossos poros,
que em vão a
liquefazer-se se apressuram
nas meteóricas
lágrimas que choram!...
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