sexta-feira, 18 de agosto de 2023


 

 

meteoros I  (2007)

(Anna Heche e Harrison Ford)

 

os deuses dão, mas algo sempre tomam,

segundo a troca lhes pareça justa;

é até possível que penses que mais custa

perder o bem antigo que te assomam;

 

quando te dão poder, amor retomam

e, por amor, a juventude que o degusta;

na mocidade a pobreza embarafusta

e, por riqueza, de toda paz se adonam.

 

caso uma estrela cadente divisares

e a envolveres no que teu coração

desejas mais ainda, sem saberes,

 

e lhe fizeres um pedido, esperes

de tal graça obter a satisfação,

mas a troco do bem que mais quiseres.

 

meteoros II  (10/2/2009)

 

para mim, tua existência é sacrilégio,

que te amo mais que aos deuses de minha fé;

quanto jurei, mantém-se ainda em pé,

a bem do mais antigo sortilégio...

 

mas me olhas com a leveza de um arpeggio

que o arco empreende em brando voltapé;

meu coração no teu não tem a sé,

prendeu-se apenas em teias de amorlégio.

 

assim, vendo teu rosto de relance,

ou te encontrando quase do meu lado,

percebi que em casulo me envolveste.

 

não queres que este amor de ti se canse:

desejas tê-lo sempre assegurado,

sem perceber que de há muito já o perdeste.

 

meteoros III

 

a meu amor por ti toda a minha linfa entrego,

que protegia constante o núcleo do organismo;

meus gânglios esvazio e mando ao ostracismo:

hormônios e as enzimas ao abandono lego!

 

a meu amor por ti, com aspereza esfrego

a cepa de meus órgãos e o inteiro integumento;

não é amor de orgasmo ou amor de sentimento,

mas amor tão concreto que a meu corpo nego

 

a própria nutrição que mais lhe pertencia,

que nunca descurei por outro ideal antigo:

por tal amor cortei da aorta o coração,

 

sem perceber, incrédulo, que assistiria um dia

que naufragasse assim o que sonhei contigo,

no mar feito de espuma do sangue em turbilhão!

 

meteoros IV – 31 julho 2023

 

o tempo já se foi em que apenas de encontrá-la,

meu coração saltava de alegria ao peito.

não fui audaz: pois tratei-a com respeito

e acabei por perdê-la... sem achá-la.

 

porque no amor há gradações de escala,

que vão desde o altruísmo até o despeito.

se morre o amor, o coração refeito

se faz em novo amor, quando se cala

 

a voz do amor antigo, ou se refaz

a cada novo encontro e nos reclama.

mas não mais quis essa emoção mordaz:

 

peguei meu coração, lancei-o ao vento,

para apagar-se o forte sentimento

que nele ardia como viva chama...

 

meteoros V

 

não sei se percebeu: mas sobre ódio

eu raramente falo.  e não sozinho.

raro o poeta que ao rancor mesquinho

permite a honra de subir ao pódio.

 

há o problema da rima.  existe sódio,

com seu cloreto, que o alimento salgadinho

torna e em tal gesto nos faz algum carinho

ao paladar.   e existe ainda o ródio,

 

um elemento bem pouco conhecido...

porém é raro que a emoção frequentem

que tanta morte já causou e horror.

 

este é um enigma bastante perseguido;

contudo, é simples: é que ódio todos sentem,

mas jóia rara é se encontrar amor!... 

 

meteoros VI

 

se queres ser feliz, anda furtivo:

por que enfrentar a vida abertamente?

os deuses não te invejam, certamente,

mas sim os homens, com seu olhar esquivo.

 

pois quando te creem bem, feliz, contente,

é quando buscam, mesmo sem motivo,

te derrubar do pedestal mais incisivo,

que lhes parece melhor que o seu presente.

 

a vida é assim.   quando estiveres mal,

se sentirão felizes teus irmãos,

porque isso, afinal, é o que desejam...

 

ver-te jogado ao nível material

em que se encontram seus pobres corações,

incapazes do bem, por mais que o vejam.

 

 

 

meteoros VII—1º agosto 2023

 

preferem sempre achar motivo de desprezo,

defeito físico em alguém ou falha intelectual;

melhor parecem a seu lado, é natural,

que junto àquele de deficiência ileso.

 

já nas escolas é comum, de passo teso

caminhar garota bela ou artificial

junto da feia ou só furtiva ao tipo ideal,

salienta assim o mais belo de seu vezo.

 

e outros tantos buscam fazer-se amigos

daqueles aquinhoados por riqueza

ou que aparentam a posse do poder,

 

julgando encontrar em tais abrigos

chances melhores, ao agir com esperteza

de no social meio poderem ascender!

 

meteoros VIII

 

é igualmente assim nessas questões de amor:

para o sucesso se dirige a sedução,

um rico, ainda que mau, é alvo da ambição,

pelo homem belo e pobre sempre há certo rancor.

 

não é mais nos músculos que se busca protetor,

que servirá, talvez, como amante de ocasião,

gerando filhos, que seu amo e senhor

julgue serem seus e até ame com ardor!

 

sobretudo, manifesta-se a vaidade,

nessa constante e feminil competição,

ante as rivais manifestar superação

 

nos meteóricos saraus da sociedade,

mil beijos falsos pululando pelo ar,

caindo ao solo, para todos pisotear!

 

meteoros IX

 

são esses beijos tal qual meteoritos,

cintilam contra as faces e mal tocam,

no ar apenas os lábios se colocam;

ao aflorarem faces ou rostos bonitos

 

ou já enrugados, os beijos são aflitos,

não têm sentido e só no ar se embocam,

no ar parado do salão se enfocam

e tombam tontos, envoltos em agitos.

 

na atmosfera não chegam a se queimar,

nem sequer têm velocidade para isso,

apenas os poetas os podem recolher

 

e as algibeiras com beijos estufar

para seus versos de sabor castiço,

com tais ósculos docemente preencher.

 

meteoros X – 2 agosto 2023

 

algum deles talvez até seja chutado

pelos calçados de conviva indiferente

e outro talvez refugiar-se, mais prudente,

contra a parede, no solo parquetado.

 

uns poucos flutuarão ao pátio iluminado,

seja por lâmpadas ou sol alvinitente

e ali perecerão em breve morte indolente:

seu corpo é de saliva e logo evaporado!

 

quão breve a vida do beijo abandonado,

quando mesmo a dor de amor nunca perdura;

só sua lembrança conserva o paladar,

 

nas papilas da língua resguardado,

certo sabor de cortesã impura,

que consentiu sem pejo em nos beijar!

 

meteoros XI

 

e como são vidas humanas, tais os beijos

descartados sobre o solo aladrilhado!

meteóricos amores, ainda que alados,

sonhos perdidos em tais beijos andejos,

 

pequenos asteróides tais ensejos,

na gravidade do amor capturados,

só para serem lentamente requeimados,

mesmo os aceitos por mais sutis adejos!

 

e mais que os beijos que nas nuvens voam

são as ações dos homens, delirantes,

na saga esquiva de quantas ambições!

 

outros tantos meteoros que se escoam,

carregados em ataúdes rebrilhantes

para onde dormem as nossas tentações!

 

meteoros XII

 

sua curta vida qual cadente estrela,

apaixonada, talvez, por um vulcão,

que lá no alto lhe despertou tola paixão,

a sua cratera indiferente ao vê-la!

 

sem longa vida, qual cometa de procela,

nuvem de gás, orbitando em evasão,

para os confins do universo a sua emoção,

nesse obscuro infinito em que se  gela!

 

não somos mais do que somente meteoros,

que quanto maiores, mais se fragmentam,

quando menores, mais fáceis se evaporam!

 

nossa essência a queimar por nossos poros,

que em vão a liquefazer-se se apressuram

nas meteóricas lágrimas que choram!...

 

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