sexta-feira, 25 de agosto de 2023


 

 

MUXARABIS I  (28 JAN 11)

 

Ela me lança seu olhar sincero,

com um sorriso velado e cativante.

Até que ponto é viva neste instante

em que ao computador sua foto gero?

 

Sei que não passa de retrato mero

de sua nudez perfeita, semelhante

à sua beleza de fulgor radiante,

mas minha defesa se desfaz em zero.

 

Ela me olha assim, diretamente,

recoberta somente com um lençol,

o lado esquerdo totalmente exposto.

 

e apenas posso apreciar, conscientemente,

que essa visão de nítido arrebol

não será minha, para meu desgosto.

 

MUXARABIS II

 

Antigamente, em países muçulmanos,

costume depois pela Europa propagado,

era prática ser nas janelas instalado

conjunto de tijolos ou cimento sem enganos

 

ou treliças, ou telas, mesmo canos,

que impediam a qualquer passante airado

ver quem de dentro o havia contemplado,

em proteção contra olhares mais profanos.

 

Ali sentavam as mulheres, nos terraços,

protegidas em total privacidade,

mas conseguindo os transeuntes contemplar,

 

tudo avaliando com seus olhares baços,

mas sem nada revelar à humanidade

que lhes pudesse distrair o caminhar.

 

MUXARABIS III

 

Muxarabis chamavam tais treliças

Ou tijolos de cimento perfurados,

à discrição da casa destinados

e nas mesquitas, durante as próprias missas

 

já que ficavam separadas e castiças,

enquanto os homens deitavam-se prostrados,

para os rituais diversos combinados

pelo Islam, desde as mais antigas liças.

 

Do alto vê-se a todos, porém ninguém as vê,

protegidas assim em castidade

contra as setas da masculina impudicícia.

 

Elas lêem tudo, porém ninguém as lê,

ocultas sempre desde a puberdade,

na ocultação por igual de sua malícia.

 

MUXARABIS IV – 15 AGOSTO 2023

 

Desde o começo eu sei que é uma ilusão,

só destinada a vender uma revista;

para olhares atrair é quanto insista,

mundéu apenas de comercialização.

 

E nem ao menos eu comprei essa edição,

que apareceu na minha tela como pista,

mas quem nas bancas a figura avista,

pelo mulher-objeto sentirá certa atração.

 

É modelo muito bela, com certeza...

Não há costume de apresentar-se as feias,

exceto em revistinhas de terror.

 

Igual que a todos, me atrai essa beleza,

embora conheça as sedas dessas teias,

sob o pretexto de despertar amor.

 

MUXARABIS V

 

Guardei a imagem para inspiração,

tal qual contrata por modelo um escultor

ou a submete o olhar de algum pintor,

sem de carinho aguardar muita atenção.

 

Não é a primeira de quem faço a descrição,

diverso é sempre um poeta do escritor,

só pinto imagens com minhas letras de pendor,

bem poderia ser rosa ou mesmo um cão.

 

Mas nela o que me atrai mais a atenção

é o que percebo em suas pálpebras abertas

e contudo entrefechadas por pestanas,

 

mais do que o corpo de tanta exaltação,

beijos e abraços são mais coisas incertas,

que já causaram na vida tantos dramas.

 

MUXARABIS VI

 

Os olhares femininos são sagazes,

até mesmo uma menina em certos casos,

aprende a disfarçar nos olhos rasos

os sentimentos em que amor embases.

 

Os engenhos femininos são falazes

e assim escondem na aparência de inocência

essa inocência que não passa de aparência,

muitos lhe dizem: “Espero que te cases.”

 

E assim, quando percebo a rede fina,

como tocaia nos olhos da menina,

percebo bem que me avalia totalmente,

 

pois de algum modo está consciente de sua sina,

tornar-se mãe, pois sua graça um dia termina

e assim se lança à caça suavemente...

 

MUXARABIS VII – 16 AGOSTO 2023

 

Hoje as mulheres ocultam muito pouco

e no entanto, ainda há muxarabis,

as mechas de cabelos são sutis

proteções de seu olhar mais louco

 

por que as contemples com desejo rouco,

com que provoquem as atrações viris,

na exposição de seus dotes feminis,

nada é importante para o ouvido mouco.

 

O que importa é ocultar suas intenções,

deixar apenas que adivinhem tudo

ou que imaginem estar tudo a adivinhar,

 

no mesmo jogo das antigas seduções,

olhar vestido em tal corpo desnudo,

para melhor seus pretendentes avaliar.

 

MUXARABIS VIII

 

Por que assim aje essa mulher tão bela,

com olhos de azinhavre e de ferrugem,

com lábios de saliva e de salsugem,

essa modelo que abriu mão de ser donzela?

 

Seus cabelos lhe protegem a janela

em que os olhos se ocultam, a penugem,

qual fosse um ninho, porém feras ali rugem,

nessas vistas de vento e de procela

 

e o corpo só coberto parcialmente

pela brancura gofrada dos lençóis,

se estende puro e cálido em convite,

 

não mais que pressuposto permanente,

porque seus lábios são róseos quais faróis,

que em troça apagarão a quem desejo incite.

 

MUXARABIS IX

 

Esses faróis não pretendem proteger

a qualquer nave que dali se aproximar,

são recifes de arenito sob o mar,

não se destinam sequer a te mostrar

 

os expostos recifes, que estão a ocultar

sob a neblina alvinitente dos lençóis;

está apagada a luz desses faróis,

luzes vermelhas para nos prender

 

e seu sorriso mostra mais desprezo

que qualquer deliberada sedução,

pois conhece plenamente o seu poder

 

e sobre a mente dos homens todo o peso

de sua vaidade lança sem paixão,

em sua completa segurança de os vencer.

 

MUXARABIS X – 17 agosto 2023

 

As longas coxas de beleza pura,

na rósea maciez de sua extensão

e as pantorrilhas que torneadas são,

levando aos pés pequenos em ternura,

 

a curva sob os joelhos, dobradura

em placas de marfim, pura emoção

que faz aflorar no humano coração

essa loucura perfeita em sua doçura...

 

Mas como é falsa a luz da maciez!

Já há em seu rosto rugas de expressão,

mesmo que leves, a recortar-lhe a face

 

e embora hoje perfeita em sua nudez,

tudo isso passará, mas ficarão

as rugas fundas que a vida lhe repasse.

 

MUXARABIS XI

 

Ainda assim, o seu perigo reconheço,

velho mundéu do mutável feminino,

essa beleza temporária, brando sino

que ensurdece aos conselhos, puro gesso,

 

que se quebra facilmente, mas me esqueço

de tudo isso, em puro desatino,

se a tomasse em meus braços, de sopino...

E a seu perfume então um beijo eu peço,

 

nessa ternura de pós-adolescente,

a apaixonar-se por fotografia

ou como réplica de Pigmalião,

 

preso na estética mais inconsequente,

que a uma estátua dar vida não podia,

mesmo com a rega de seu inteiro coração.

 

MUXARABIS XII

 

Mas o que espero dessa transitória,

gélida imagem de perpétua fada?

Poderia jamais chamar de amada

a quem me desse só um instante de vitória?

 

Seria somente a mais furtiva glória,

a passageira e agridoce estada

entre meus braços numa única velada,

a rebrilhar nas entranhas da memória,

 

como outras tantas, por mais que essa beleza

fosse atraente num surto de desejo

e certamente sem destino a perdurar,

 

pois um tal ato de amor, tenho certeza,

seria limitado em curto beijo

de quem almeja a mil homens conquistar.

 

MUXARABIS XIII – 18 ago 23

 

E até que ponto a posse da memória,

um breve arquivo que fosse de um momento,

me renderia mais que um sentimento

concebido em fantasia transitória?

 

A mente sempre mais é especulatória

que a realidade ou o correto julgamento,

imaginar possuí-la só um portento

que então se desfaria em pobre escória.

 

E se tivesse preenchido meu instante

essa mulher de formas curvilíneas,

para depois jamais a reencontrar,

 

só restaria um orgasmo cintilante,

entre tantas lembranças longilíneas,

muito mais vívidas se as fosse imaginar!

 

MUXARABIS XIV

 

Posso afiançar que por mais que seja bela

essa mulher a sugerir-me sexo,

sei que não passa apenas de um reflexo,

que a fotografia tão só a luz revela

 

e nem sequer agora estou a vê-la,

eu vejo o sol apenas em seu nexo,

luz intangível para o meu amplexo,

não é importante sequer para revê-la.

 

Miro seus dedos de bem tratadas unhas,

mas a que ponto são reais ou só retoques?

Não se trata de mulher de carne e osso,

 

pois esses dedos são outras tantas cunhas

a arranhar-me os olhos em remoques,

por tudo o que já quis e ainda não posso.

 

MUXARABIS XV

 

Desprezo por desprezo, tem o meu,

meus olhos também podem ser faróis

 muxarabis transpor entre os lençóis,

toda a ambição que seu olhar me deu

 

e nessa languidez que concedeu,

nesses olhos luzentes de arrebóis,

dois seios imitando róseos sóis,

ainda percebo o quanto padeceu

 

em seus cuidados com a maciez da pele,

em mil horas de regime e academia,

para brilhar entre os lençóis de giz

 

e todo o desejo que meu peito assim cancele

ainda revolve ante essa luz que reluzia

entre as pestanas de seus muxarabis!

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