MUXARABIS I (28 JAN 11)
Ela me lança seu olhar sincero,
com um sorriso velado e cativante.
Até que ponto é viva neste instante
em que ao computador sua foto gero?
Sei que não passa de retrato mero
de sua nudez perfeita, semelhante
à sua beleza de fulgor radiante,
mas minha defesa se desfaz em zero.
Ela me olha assim, diretamente,
recoberta somente com um lençol,
o lado esquerdo totalmente exposto.
e apenas posso apreciar, conscientemente,
que essa visão de nítido arrebol
não será minha, para meu desgosto.
MUXARABIS II
Antigamente, em países
muçulmanos,
costume depois pela
Europa propagado,
era prática ser nas
janelas instalado
conjunto de tijolos ou
cimento sem enganos
ou treliças, ou telas,
mesmo canos,
que impediam a
qualquer passante airado
ver quem de dentro o
havia contemplado,
em proteção contra
olhares mais profanos.
Ali sentavam as
mulheres, nos terraços,
protegidas em total
privacidade,
mas conseguindo os
transeuntes contemplar,
tudo avaliando com
seus olhares baços,
mas sem nada revelar à
humanidade
que lhes pudesse
distrair o caminhar.
MUXARABIS III
Muxarabis chamavam
tais treliças
Ou tijolos de cimento
perfurados,
à discrição da casa
destinados
e nas mesquitas, durante
as próprias missas
já que ficavam
separadas e castiças,
enquanto os homens deitavam-se
prostrados,
para os rituais
diversos combinados
pelo Islam, desde as
mais antigas liças.
Do alto vê-se a todos,
porém ninguém as vê,
protegidas assim em
castidade
contra as setas da
masculina impudicícia.
Elas lêem tudo, porém
ninguém as lê,
ocultas sempre desde a
puberdade,
na ocultação por igual
de sua malícia.
MUXARABIS IV – 15 AGOSTO 2023
Desde o começo eu sei que é uma ilusão,
só destinada a vender uma revista;
para olhares atrair é quanto insista,
mundéu apenas de comercialização.
E nem ao menos eu comprei essa edição,
que apareceu na minha tela como pista,
mas quem nas bancas a figura avista,
pelo mulher-objeto sentirá certa atração.
É modelo muito bela, com certeza...
Não há costume de apresentar-se as feias,
exceto em revistinhas de terror.
Igual que a todos, me atrai essa beleza,
embora conheça as sedas dessas teias,
sob o pretexto de despertar amor.
MUXARABIS V
Guardei a imagem para
inspiração,
tal qual contrata por
modelo um escultor
ou a submete o olhar
de algum pintor,
sem de carinho
aguardar muita atenção.
Não é a primeira de
quem faço a descrição,
diverso é sempre um
poeta do escritor,
só pinto imagens com
minhas letras de pendor,
bem poderia ser rosa
ou mesmo um cão.
Mas nela o que me
atrai mais a atenção
é o que percebo em
suas pálpebras abertas
e contudo
entrefechadas por pestanas,
mais do que o corpo de
tanta exaltação,
beijos e abraços são
mais coisas incertas,
que já causaram na
vida tantos dramas.
MUXARABIS VI
Os olhares femininos
são sagazes,
até mesmo uma menina
em certos casos,
aprende a disfarçar
nos olhos rasos
os sentimentos em que
amor embases.
Os engenhos femininos
são falazes
e assim escondem na
aparência de inocência
essa inocência que não
passa de aparência,
muitos lhe dizem:
“Espero que te cases.”
E assim, quando
percebo a rede fina,
como tocaia nos olhos
da menina,
percebo bem que me
avalia totalmente,
pois de algum modo
está consciente de sua sina,
tornar-se mãe, pois
sua graça um dia termina
e assim se lança à
caça suavemente...
MUXARABIS VII – 16 AGOSTO 2023
Hoje as mulheres ocultam muito pouco
e no entanto, ainda há muxarabis,
as mechas de cabelos são sutis
proteções de seu olhar mais louco
por que as contemples com desejo rouco,
com que provoquem as atrações viris,
na exposição de seus dotes feminis,
nada é importante para o ouvido mouco.
O que importa é ocultar suas intenções,
deixar apenas que adivinhem tudo
ou que imaginem estar tudo a adivinhar,
no mesmo jogo das antigas seduções,
olhar vestido em tal corpo desnudo,
para melhor seus pretendentes avaliar.
MUXARABIS VIII
Por que assim aje essa
mulher tão bela,
com olhos de azinhavre
e de ferrugem,
com lábios de saliva e
de salsugem,
essa modelo que abriu
mão de ser donzela?
Seus cabelos lhe
protegem a janela
em que os olhos se
ocultam, a penugem,
qual fosse um ninho,
porém feras ali rugem,
nessas vistas de vento
e de procela
e o corpo só coberto
parcialmente
pela brancura gofrada
dos lençóis,
se estende puro e
cálido em convite,
não mais que
pressuposto permanente,
porque seus lábios são
róseos quais faróis,
que em troça apagarão
a quem desejo incite.
MUXARABIS IX
Esses faróis não
pretendem proteger
a qualquer nave que
dali se aproximar,
são recifes de arenito
sob o mar,
não se destinam sequer
a te mostrar
os expostos recifes,
que estão a ocultar
sob a neblina alvinitente
dos lençóis;
está apagada a luz
desses faróis,
luzes vermelhas para
nos prender
e seu sorriso mostra
mais desprezo
que qualquer
deliberada sedução,
pois conhece plenamente
o seu poder
e sobre a mente dos
homens todo o peso
de sua vaidade lança
sem paixão,
em sua completa
segurança de os vencer.
MUXARABIS X – 17 agosto 2023
As longas coxas de beleza pura,
na rósea maciez de sua extensão
e as pantorrilhas que torneadas são,
levando aos pés pequenos em ternura,
a curva sob os joelhos, dobradura
em placas de marfim, pura emoção
que faz aflorar no humano coração
essa loucura perfeita em sua doçura...
Mas como é falsa a luz da maciez!
Já há em seu rosto rugas de expressão,
mesmo que leves, a recortar-lhe a face
e embora hoje perfeita em sua nudez,
tudo isso passará, mas ficarão
as rugas fundas que a vida lhe repasse.
MUXARABIS XI
Ainda assim, o seu
perigo reconheço,
velho mundéu do
mutável feminino,
essa beleza
temporária, brando sino
que ensurdece aos
conselhos, puro gesso,
que se quebra
facilmente, mas me esqueço
de tudo isso, em puro
desatino,
se a tomasse em meus
braços, de sopino...
E a seu perfume então
um beijo eu peço,
nessa ternura de
pós-adolescente,
a apaixonar-se por
fotografia
ou como réplica de
Pigmalião,
preso na estética mais
inconsequente,
que a uma estátua dar
vida não podia,
mesmo com a rega de
seu inteiro coração.
MUXARABIS XII
Mas o que espero dessa
transitória,
gélida imagem de
perpétua fada?
Poderia jamais chamar
de amada
a quem me desse só um
instante de vitória?
Seria somente a mais
furtiva glória,
a passageira e
agridoce estada
entre meus braços numa
única velada,
a rebrilhar nas
entranhas da memória,
como outras tantas,
por mais que essa beleza
fosse atraente num
surto de desejo
e certamente sem
destino a perdurar,
pois um tal ato de
amor, tenho certeza,
seria limitado em
curto beijo
de quem almeja a mil
homens conquistar.
MUXARABIS XIII – 18 ago 23
E até que ponto a posse da memória,
um breve arquivo que fosse de um momento,
me renderia mais que um sentimento
concebido em fantasia transitória?
A mente sempre mais é especulatória
que a realidade ou o correto julgamento,
imaginar possuí-la só um portento
que então se desfaria em pobre escória.
E se tivesse preenchido meu instante
essa mulher de formas curvilíneas,
para depois jamais a reencontrar,
só restaria um orgasmo cintilante,
entre tantas lembranças longilíneas,
muito mais vívidas se as fosse imaginar!
MUXARABIS XIV
Posso afiançar que por
mais que seja bela
essa mulher a
sugerir-me sexo,
sei que não passa
apenas de um reflexo,
que a fotografia tão
só a luz revela
e nem sequer agora
estou a vê-la,
eu vejo o sol apenas
em seu nexo,
luz intangível para o
meu amplexo,
não é importante sequer
para revê-la.
Miro seus dedos de bem
tratadas unhas,
mas a que ponto são
reais ou só retoques?
Não se trata de mulher
de carne e osso,
pois esses dedos são
outras tantas cunhas
a arranhar-me os olhos
em remoques,
por tudo o que já quis
e ainda não posso.
MUXARABIS XV
Desprezo por desprezo,
tem o meu,
meus olhos também
podem ser faróis
muxarabis transpor entre os lençóis,
toda a ambição que seu
olhar me deu
e nessa languidez que
concedeu,
nesses olhos luzentes
de arrebóis,
dois seios imitando
róseos sóis,
ainda percebo o quanto
padeceu
em seus cuidados com a
maciez da pele,
em mil horas de regime
e academia,
para brilhar entre os
lençóis de giz
e todo o desejo que
meu peito assim cancele
ainda revolve ante
essa luz que reluzia
entre as pestanas de
seus muxarabis!
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