PURO REALCE I –27 JUL 23
(Hedy Lamarr, Hollywood cinema mudo)]
Já tenho escrito em demasia
sobre o amor
e até parece que nele me
desfaço,
amor de companhia, amor de
abraço,
amor do belo, amor mesmo do
terror,
amor pela ciência, pela arte,
pela dor,
nessa incessante corrente em
que me agraço,
sem compreender de onde sai
cada pedaço,
nem me importar com honra ou
com louvor.
Escrevo apenas, cada dia
alguma estrofe
que vou acumulando, sem lhe
dar maior valor,
sem me importar que desgaste
ou que se mofe;
meu é o amor por toda a
humanidade,
sem pretender dela jamais
tornar senhor,
ao desfiar os nós de minha
eternidade.
PURO REALCE II
Não te espantes assim, se parecer
que escrevi para ti diretamente,
sem que jamais te encontrasse frente a frente,
que redijo meus versos de amor sem perceber
de onde vieram estas linhas me roer,
nem ter ideia de seu alvo finalmente;
brotam-me os versos de forma independente
e assim será, creio eu, até morrer.
Só de uma coisa terei plena certeza,
não serão apenas minhas tais palavras,
mas terão destino certo que eu nem sei
e deste modo, mesmo ausentes de beleza,
com esse arado me farão rasgar as lavras
e sempre contra um coração me lançarei.
PURO REALCE III
Meu coração tornou-se o teu abrigo
desde esse instante em que pensei em ti,
vazio estava enquanto não te vi,
um pobre coração de amor mendigo;
meu coração será sempre o teu jazigo,
que um bom descanso possas achar aqui,
está saudável, pelo muito que vivi
e será sempre para ti um berço amigo,
por mais que dele tires doravante
algumas fitas de encarnada compleição,
de algum modo não irá se decompor
ou quantas vezes neste mundo delirante
veja motivos para nova inspiração
nesse insondável a que chamam de amor.
PURO REALCE IV –28 JUL 23
A questão é que a maior parte
dos poetas
escreve para si, mesmo em
paixão,
por mais que anseiem atingir
um coração,
esperam ter algum resultado
dessas tretas.
Confesso eu mesmo que às
vezes são diretas
tais assertivas que esvaziam
meu pulmão,
mas em geral, diversa é minha
intenção,
faço versículos à maneira dos
profetas,
destinados totalmente a seus
ouvintes,
como promessa ou como
advertência.
Os meus, por certo, não
possuem igual potência,
mas só procuram despertar o
que já sintes,
sem serem versos para minha
própria glória,
só pretendendo ser a extensão
de alheia história.
PURO REALCE V
Com frequência, minhas musas são diversas,
oscila a inspiração entre Apollo e Dionyso,
se eu estrofo de algum fato, é como aviso,
não na intenção de empreender longas conversas;
se assim fora, acharia ser preciso
publicar livros com palavras controversas,
que facilmente confrontassem almas tersas,
em suas criticas provocando o ódio ou o riso.
Contudo, aqui estou eu e me limito a digitar,
sem me importar se algum ouvido alcançarei
e me conservo tão só nos bastidores,
que subam outros nos palcos para atuar,
com alguma sorte, meus temas ouvirei,
bem escondido, sem palmas ou louvores.
PURO REALCE VI
Essa é a razão por que escrevo para ti,
no eventual achado de mil “tis” alcançar,
não que seja por tis redondos coroar,
mas circunflexos nesta sombra que vivi;
nem sequer penso que acento agudo consegui,
nem acento grave me atrevo a desejar,
que circunflexo sou eu mesmo em meu lugar,
já que o trema simplesmente não mais vi.
Mas esses “tis” a que refiro são “vocês”,
mais empregados pelo centro do Brasil,
embora sejam de raro uso em meu estado
e se destinam a despertar o que já crês,
não sou padre ou pastor de voz viril,
somente alguém que escreve demasiado!
PURO REALCE VII – 29 JUL 23
Mas de algum modo me parece
necessária
a dura faina que me foi
proposta,
que vez ou outra simplesmente
me desgosta,
ao descrever um erro ou uma
teoria nefária,
que vou deixando, de forma
atrabiliária,
milhares de rascunhos pela
encosta,
na longa pilha em que a ideia
foi disposta,
até esquecer sua intenção tão
multifária.
E quando encontro tais
sonetos mais antigos,
algo me leva a lhes dar
continuação,
algumas vezes simplesmente a
os contrariar,
deixando assim abertos seus
jazigos,
da maioria a pôr de lado a
exumação,
por esta ânsia que me impele
a continuar.
PURO REALCE VIII
Contudo, não lhes dou continuidade
por querer minha sapiência demonstrar,
mas por querer em outros olhos despertar
melhores sonhos que os de minha vaidade;
talvez neste momento de continuidade
sejas tu mesmo destes escritos o causar
ou mesmo os leias só para te castigar,
como autopunição ou em temeridade,
mas o que importa é que as palavras soam,
muita vez sem nem passar pela minha mente,
parecem vindas de qualquer boca diferente,
que de algum modo pelo espaço voam
e até suspeito de que, caso não sirvam para ti,
mediante elas, um outro olhar certo atingi.
PURO REALCE IX
Não obstante, não assumir sua autoria
já afirmei cem vezes, talvez mil,
chovem em mim através do céu de anil
e não pretendo insistir no que se cria;
porém às vezes, em momentos de elegia,
fico a pensar de qual ponto do Brasil
possam ter vindo de forma juvenil,
tornar-se adultas o que outrem envia
e quem sabe de tua mente me provêm,
sem que saibas realmente que as envias,
se aos ares lanças as dores que sentias
ou as alegrias que teus ideais contêm
e dessa forma lhes dou a arte final:
para teus próprios sentimentos sou jogral.
PURO REALCE X – 30 JUL 23
E só te peço um momento de
atenção:
teus pensamentos para o
inconsciente coletivo
não se terão projetado em
modo altivo,
buscando pouso em algum
alheio coração?
Existe alguém que não sinta
essa emoção,
transitória e do mais irreal
crivo,
que põe de lado, em abanar
esquivo,
como algo sequer digno de
atenção?
Mas essa emoção em ave se
transforma
e sobe aos ares em busca de
seu ninho
e neste mundo fervente de
estridor
só acha um galho, que
bem-vindo adorna
e nele pousa, julgando achar
carinho
e seja este o meu coração
acolhedor?
PURO REALCE XI
Consulta os versos que te fazem bem,
que pareçam conhecer o teu desejo,
como um espelho em que jaz teu beijo,
ou como sombra a te seguir também...
Quem sabe para mim teus versos vêm
diretamente de ti em leve adejo...
Talvez ao receber, em parte aleijo,
talvez perderam asas nesse além...
Talvez alguma musa os percebeu,
abandonados e a se perder no vento,
buscando em mim um servo cumpridor,
que sem objetar a mariposa recebeu
e a registrou com seu ouvido atento,
não para si, mas em função de teu amor.
PURO REALCE XII
E se qualquer afirmação pareça alheia,
é que partiu do fundo de tua mente,
não de teu cérebro, mas do subjacente
cerebelo a impulsionar antiga veia
e teu consciente ante ela se incendeia
e a rejeitar te parece conveniente:
sai pelos olhos em lágrima candente
e pelas nuvens o seu fulgor ateia.
E aqui estou eu, serei o teu poeta,
se não crês ter o dom de poetar,
nem acreditas que ninguém te vá enviar
versos de amor, por atração secreta:
realço apenas esse amor desconhecido,
do mais fundo de ti mesma concebido.
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