terça-feira, 15 de agosto de 2023


 

 

OLHOS DE SOL I   (26 JAN 11)

(Isis Valverde)

 

Ela se ajoelha, pronta para o bote:

seu biquíni tem escamas de serpente;

lábios abertos para um beijo ingente

ou já prepara desde já sua glote...?

 

Seu corpo inteiro exuberante dote,

à beira-mar sereia refulgente...

Quem saberá furtar-se a esse fremente

convite aberto que intenção denote...?

 

Porém, quem se arriscar a tais abraços

será aos poucos ou logo devorado:

é uma anaconda essa iara exuberante...

 

Muitas mulheres partilham desses traços,

nessa atração de um corpo assim dourado,

que a fome esconde em uma luz vibrante.

 

OLHOS DE SOL II  

 

Sei muito bem que índole diversa

possuem outras mulheres: não te buscam,

nessa beleza com que o olhar te ofuscam

te devoram inteiro, mas é inversa

 

sua intenção de te enlaçar para conversa;

algumas são até bastante ingênuas

e acreditam nas mentiras mais estrênuas,

não te buscam devorar, mas vice-versa.

 

Porém a maioria quer, ainda,

por mais que se declarem liberadas,

satisfazer o seu instinto para o ninho

 

e tal tendência continuará infinda,

enquanto se souberem cobiçadas

e aos homens enlearem com carinho.

 

OLHOS DE SOL III

 

Ouso dizer que a prostituta airada

demonstra um grau maior de honesidade,

em sua expressão de mercantilidade,

do que a que busca, em solução velada,

 

tornar-se logo uma mulher casada,

que não devora o homem, é verdade,

mas o mastiga devagar, em habilidade,

até tornar-se dele assenhoreada.

 

Tanto a modelo que cobra um alto preço

para fingir que se deixa conquistar,

quanto essa jovem modesta e até sincera,

 

usam seu corpo qual um adereço,

até o momento de ao bote se lançar,

mostrando as garras como meiga fera.

 

OLHOS DE SOL IV – 23 julho 2023  

 

Basta pensar na indústria do divórcio,

em seu esforço por somente conservar

o acervo material que amealhar

custou ao homem tanto tempo e esforço

 

Tal matrimônio não passa de um consórcio

para o majoritário sócio ir espoliar

ou então forçá-lo à sociedade conservar,

para a carne sustentar a recurvar o dorso.

 

É então que até a mulher mais generosa

se esforça por ganhar maior pensão

e da partilha obter a parte do leão,

 

enquanto a prostituta desprezada,

paga já foi por sua união fogosa

e do cliente não espera ter mais nada.

 

OLHOS DE SOL V

 

Vem Anfitrite para sua campanha,

querendo apenas receber veneração

e dela os homens desconfiam, porque são

marcados antes por feminina manha.

 

Tanto aquele que a emboscada mais apanha,

quanto o que pensa ser espertalhão,

de forma ou outra a cair na sedução,

sempre em batalha é a mulher que ganha.

 

Entre os Helenos, tudo era diferente:

às mulheres cabia o gineceu,

podiam os homens ter várias escravas,

 

mas nosso é o mundo da monogamia complacente

e até o nome de Anfitrite se perdeu,

que só se encontra nas mais antigas lavras.

 

OLHOS DE SOL VI 

 

Pobre Anfitrite , com sua noção de vida

para o simples prazer preponderando;

pobre Anfitrite, sua proteção mostrando

sobre essa gente, por ambição movida!

 

Que tudo quer obter, sem qualque lida,

 consumações apressadas realizando,

num mundo sem magia se atirando,

ao material somente a dar guarida!

 

Ah, não, minha deusa, difícil é a tarefa!

Eu juro um grande esforço mostrarei,

mas é difícil expor as minhas razões,

 

como é difícil a rima nesta peça,

rimas toantes só aqui empregarei,

na hipocrisia de minhas próprias orações.

 

OLHOS DE SOL VII – 24 julho 2023

 

Contudo, ao contemplar essa donzela,

que donzela  já não é há muitos anos,

mas se apresenta tal qual velhos arcanos

no suprassumo da mágoa de uma estrela,

 

quando a contemplo, exuberante e bela,

sobre os recifes da margem, escassos panos

a recobrir-lhe a nudez, meus desenganos

afloram todos e a mente se congela.

 

A perfeição de suas coxas é procela,

mas me quero atirar à tempestade

desses mamilos que apenas entrevejo

 

e o sol contemplo além dessa janela

dos lábios entreabertos de ansiedade,

que sei ser falsa, mas mesmo assim desejo.

 

OLHOS DE SOL VIII  

 

Ela se ajoelha, como em homenagem

ou é uma gata à espera de ração?

Nenhuma imagem tem qualquer razão,

são apenas artifícios de voragem,

 

simplesmente a vender sua pura imagem,

para do ideal masculino a sedução,

para a inveja feminina a marcação

de um desafio espiralando pela aragem.

 

Que esse vento que desfaz os seus cabelos,

uma das mechas cortando o seu pescoço,

como uma foice, talvez como garrote,

 

parece mesmo acariciá-la em seus desvelos,

que o vento é amante, seja velho ou moço,

que as rédeas puxa a lhe impedir o bote!

 

OLHOS DE SOL IX

 

Não obstante, em sua entrega sugerida,

essa mulher perfeitamente transitória,

que emprega a roupa como escudo de vitória,

a mente doma e o peito leva de vencida.

 

Essa garganta, sedentemente erguida,

em que palpíta o sol da antiga glória,

joelhos redondos arranhados contra a escória

dos mil recifes aguçados contra a vida,

 

esses olhos de sol, entrecerrados,

para ocultar seu brilho entrecegante,

os ombros por cabelos entreocultos,

 

a mãe silente de todos os pecados,

eis Antarteia, minha lua dominante,

qual te chamavam em teus antigos cultos!

 

OLHOS DE SOL X – 25 julho 2023

 

Embora te pareça, eu não cheguei

à idade  que mais fala do que faz;

virilidade em mim ainda perfaz,

igual vigor ao que sempre demonstrei.

 

Mas nem por isso, tal mulher eu buscarei,

tão só intelectualmente satisfaz

a minha poética e assim desfaz a paz

com que outras temáticas busquei.

 

Suas faces são cobertas de rubor,

dois outros olhos pálidos de sol,

o rosa pulcro recorda a fraca aurora

 

nos primeiros sinais de seu albor,

mas eu prefiro a glória do arrebol:

findo o poema, a mandarei embora!

 

OLHOS DE SOL XI

 

E se me traz igual inspiração,  

menos por Vênus, sob o poder de Dionyso,

que me desfaz por instantes todo o siso,

não me desperta qualquer perturbação

 

mental ou física e nem transpiração

opressa de desejo e nem preciso

de fantásticas imagens, só a conciso

nestas palavras inflamadas de emoção.

 

Se a descrevo hoje, é porque é bela

e a conservar-me à sua imagem dediquei

um tempo de trabalho, que o lazer

 

transmutei em instantes de procela

e nestes versos tão só justifiquei

o breve tempo que gastei neste prazer.

 

OLHOS DE SOL XII 

 

É assim que presto contas, minha leitora!

Puz o teu rosto no lugar da bela

que nunca conheci, mas foi estrela

para tanto desejo, que assim fora!...

 

Desconhecida, é tua a curta hora

em que contemplo a rua da janela,

em plena madrugada e à luz da vela

que arde em meu crânio desde o outrora!

 

Eu te vejo passar, sem que tu passes,

eu te sinto sorrir, sem que sorrias,

eu me perco a noite inteira nos teus braços!

 

Na espera inútil de que algum dia me abraces

ou que marchemos pelas mesmas vias

em que contemple de teu rosto os traços!

 

OLHOS DE SOL XIII  -- 26 julho 2023

 

E quando olho para essa modelo,

ajoelhada em tal pose artificial,

pequenas dobras na virilha em natural

sinal de seus tendões em forte zelo,

 

de manter tal posição para o desvelo

desse fotógrafo que registra-lhe, afinal,,

não o que é, mas o reflexo carnal

do sol sobre sua pele em claro selo,

 

eu vejo nela a ti, desconhecida,

que já encontrei em outras ocasiões

do passado em talvez reencarnações

 

ou no futuro de minha mente desmedida

ou foi talvez em algum mundo paralelo,

que me ajoelhei a contemplar teu corpo belo!

 

OLHOS DE SOL XIV

 

E não me importo ao imaginar que és feia,

velha demais, ou jovem, ou criança:

toda mulher é o fruto da esperança,

toda mulher parte da alma me incendeia

 

e se agora eu contradigo aquela veia

dos primeiros sonetos desta trança,

é que mantenho contigo esta aliança

ante o encanto da mulher que hoje me leia.

 

Se pareci algo irritado ou irracional

nesses tais versos em que mostrei cinismo,

só descrevi o que na vida já encontrei,

 

porém teu corpo e teu rosto fantasmal,

esculpidos pela força do idelismo,

 cego me tornam para tudo o que falei.

 

OLHOS DE SOL XV

 

Olhos de sol  serão os teus, formosa!

Tão mais formosa porque nunca te verei;

olhos de sol em cada rosto colarei ,

no puro âmago de seu botão de rosa.

 

Olhos de sol eu vejo em dama airosa

ou no rosto que não passou e nem terei;

olhos de sol também contemplarei,

mesmo em face maquiada e enganosa.

 

Olhos de sol também nessa enxergarei,

a mulher simples que traz rosto lavado ,

nessa mulher que passa do meu lado,

 

cujo perfume eu nem sequer respirarei

e em cada uma encontrarei  o seu  farol,

na marcha ansiosa por outro olhar de sol...

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