BEIJOS
VERDES I – 4 JULHO 2023
(Rhonda Fleming, idade de ouro de Hollywood)
Não
gosto de calor, mas sei que a maioria
se
agrada do verão e da plena luz do sol;
quando
contemplo o arauto do arrebol,
sei
me trará depressa suor e agonia;
mas
essa gente toda que ao calor aprecia
pensa
ser um dom gratuito a luz desse farol;
para
mim gratuito será um dia de escol
que
anuncia o inverno e o corpo me resfria.
A
noite vem gratuita com toda a sua magia
e
a chuva cai no rosto e sobre a plantação,
a
luz solar de outono retorna a cada dia
e
nunca precisei dar corda ao coração;
também
é dom gratuito o fácil da poesia
e
o trocar da saudade por gentil aceitação.
BEIJOS VERDES II
Quando eu morava lá fora,
via um pé de angico que crescia
e uma coruja constantemente ouvia,
a pipilar seu gemido toda hora.
A cada entardecer sem mais demora
apreciava a sua gentil melancolia,
lúgubre e triste canção se
afirmaria,
parte integrante desse meu
outrora.
Para mim não parecia nada triste,
só a ansiedade nela percebia,
que a comover-me então insiste,
notas de sino verde e de minha sina,
que em seu direito persistia,
ao sussurrar de cada casuarina.
BEIJOS VERDES III
Contudo, ao que parece , este
verão
não está sendo apreciado como
dantes,
não se encontra alegria nos
descantes
desse Sol de tremenda exaltação;
não acredito haja total razão
no que se afirma, que nos atuais
instantes
seja o verão mais quente dos
restantes
nos catálogos dos séculos que lá
vão.
Mas certamente já não me encontro
só,
tantos milhares em sofrimento os Europeus,
sob o calor que reputam demasiado
e
da vegetação perdeu-se o dó,
tantos incêndios a recobrir os
céus,
enquanto morrem as flores sem
cuidado.
BEIJOS
VERDES IV – 5 JULHO 2023
Quando
uma jóia compramos para dar
ou
se a recebermos, por acaso, de presente,
em
veludo ou algodão frequentemente
se
acha envolta para não danificar;
nessas
caixinhas as deixam cochilar,
até
que um comprador se lhe apresente
e
a adquira, quiçá muito contente,
levando
os brincos, alianças ou um colar.
E
a Naureza, quando nos quer presentear,
envolve
nossas penas em algodão
e
as protege em escaninhos do passado,
tal
como jóia pura a rebrilhar,
cada
dor enveludada ao coração,
como
um conselho apenas esboçado.
BEIJOS VERDES V
As cerejeiras florescem no Japão,
como símbolo nacional,
praticamente,
cachos de flores brancas
anualmente,
resistem os troncos como fardos de
paixão
e em cada templo, aparecem em
botão,
nos parques públicas sob a luz
nascente,
são delicadas como a própria gente
de duro cerne e resistente
coração.
Ali percorrem as alamedas e os
jardins,
flocos de neve esparzidos como
cinza,
outros flutuam nas águas dos
lugares
e como o Fuji Yama, são marfins,
venerados pelas casas e na Ginza,
como presságio da boa sorte nesses
lares.
BEIJOS VERDES VI
Em Washington também gizam
cerejeiras,
todas as mudas um presente do
Japão,
ambos países por venerada
tradição,
em relações comerciais e
hospitaleiras;
contudo, em revoadas bem
certeiras,
por um ataque planejado de
antemão,
Pearl Harbor foi ferido sem
perdão,
mortes de fogo para gentes
marinheiras.
Em vez de pétalas brancas, caiu
fogo,
amarelo e vermelho e o porto calmo
foi injuriado por impiedosas
chamas,
nas explosões alguns morreram
logo,
outros queimados vivos, palmo a
palmo,
do Sol Nascente sob as traiçoeiras
flamas.
BEIJOS
VERDES VII – 6 JULHO 2023
Cinzas
por cinzas, alguns anos após,
de
bombas incendiárias a barragem
destruiu
Tokyo em reluzente aragem:
sem
que as cinzas iniciais deixassem sós,
mas
rodopiassem pelo ar, em baile atroz;
cinza
de gente, em sacos de aniagem,
foi
recolhida por gente de coragem,
sobreviventes
de um ataque tão feroz.
E
depois, as cerejeiras de Hiroshima
e
Nagazaki, em seu tormento atômico,
por
duas bombas somente, individuais,
consumidas
cada rua e cada esquina,
porem
das cinzas se ergueu o povo indômito,
já
acostumado com desastres naturais.
BEIJOS VERDES VIII
As cerejeiras, porém, ainda
florescem
em Washington e em Tokyo e a
amizade
ou convivência com naturalidade
é bem mantida. Só os velhos não esquecem.
Mas os rivais sob o horizonte
crescem,
as flores brotam com vivacidade,
demonstram as gerações
cordialidade,
sobre o passado as brumas também
descem.
E as flores brancas escorrem para
o chão,
em lento rodopio, valsa e
indolência,
também a cinza fertiliza a terra
e nessas nuvens, em capulhos de
algodão,
a paz é lida com pertinaz
frequência,
mesmo ao temor de renovada guerra.
BEIJOS VERDES IX
De modo igual, essas queimadas do
verão
recebem beijos da verde Natureza,
tudo retorna em vegetal certeza,
do tronco negro surge nova
brotação,
pois tudo passa e passará este
verão,
substituído por um outono de
beleza,
depois o inverno, com sua pura
frieza
que a Terra Verde manda beijos com
sua mão.
Eu só lastimo que, chegada a
primavera,
os Europeus se esqueçam da lição
e novamente vão estirar-se ao sol,
que esse desgaste do calor só em
mim impera
e ainda contemplo com receio o
arrebol
e abrigo busco só da brisa em
proteção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário