A DANÇA DOS NÚMEROS I – 31 OUT 2022
Números primos são indivisíveis,
exceto por si mesmo ou unidade;
assim nada partilham na verdade,
em seu egoísmo, são imperecíveis.
De Fibonacci há outros números incríveis,
eles se somam com generosidade,
são mais capazes de alcançar perenidade,
nesse agregar a si dos mais sensíveis.
Eu nunca fui um primo, sequer par,
meu coração é ímpar até hoje,
porém de amor constantemente bate
e em repartir eu sei me deleitar,
trazendo outros a mim, sem que me enoje,
nessa infinita agregação de Fibonacci!
A DANÇA DOS NÚMEROS II
Números impares de algum amor se afastam,
salvo se encontram qualquer ímpar a si igual,
com algum par sempre somam desigual,
porque a si mesmos na realidade bastam.
Já números pares a outro par arrastam,
bem mais propícios a um amor cardial,
o amor dos ímpares sempre mais casual,
seus sentimentos em breve se desgastam!
Contudo é ímpar este meu coração,
sempre em busca de maior conhecimento,
sempre querendo divisar o Mais-Além
e sendo ímpar, se perde em sua paixão,
na infiel descrição de um sentimento,
quiçá querendo ser um par também!
A DANÇA DOS NÚMEROS III
O par do par tem sempre algo de inquieto,
é demasiado parecido o par achado,
logo o cansaço em tédio transformado,
pouco a existir que em tal par seja secreto.
Porèm o primo raro encontra algo dileto,
cada outro primo por orgulho dominado,
não se deixa dividir quando é achado
por outro primo igual, de igual afeto...
Melhor então ser de Fibonacci um numeral,
que sempre some a si com mais carinho
e que algures se disponha igual a dividir;
meu coração, contudo, é mais casual,
pares e ímpares desejo em meu caminho,
que se disponham a mil sonetos revestir!
A DANÇA DOS DIAS I – 1º NOV 2022
Perdi dois dias no calor de uma semana,
dois dias de cansaço e indiferença,
nem sequer li, perdido em desavença,
apenas grato à brisa que me abana;
o meu ventilador é que se ufana,
meio invisível em sua gira tensa,
as pás comendo insetos em descrença,
vala comum de sua vida desumana.
Eu bem queria ter melhor usado o tempo,
após abandonar minhas lentes de contato,
com meus implantes menos sono a perceber;
e me apressuro a esse contratempo
recuperar, qual novo tempo de recato
pelos dois dias que deixei morrer!...
A DANÇA DOS DIAS II
Dias que morrem são fantasmagoria,
poderia talvez algum ressuscitar?
Existe graça para um dia aquinhoar,
ou a dias finados jamais se referia?
Só a memória recorda cada dia
que foi deixado para trás a agonizar,
não existe pena para o tempo resgatar,
um dia falece nessa hora em que morria.
Que os dias não são meus, filhos do Sol
e nem as noites são minhas nesse acoite,
eles se alternam ao longo do horizonte,
logo se extingue a luz de seu farol,
logo se aclara a mais espessa noite,
mil dias perdidos ao longo do reponte.
A DANÇA DOS DIAS III
Pois nada em mim morreu no baixamar
desse tempo que me foge diariamente,
os dias morrem, mas continuo presente,
abraço a noite em seu breve preamar;
sei que o tempo se desgasta sem me amar,
quando algum dia se enfraqueceu dolente,
nada perco da noite em desgastar paciente:
meu tempo é outro e outro é o meu lugar.
Mas o calor me desgosta totalmente,
não que deseje encontrar somente frio,
meu coração é bem mais equilibrado,
mas o verão se aproxima em tom crescente
e então eu sei que sofrerei por dias a fio,
na espera ansiosa por estação mais temperada.
A DANÇA DOS MORTOS I – 2 NOV 2022
Este ano não ouvi a voz dos mortos,
que se acentua pelo mês de Outubro,
em sua ânsia voraz por sangue rubro,
a multidão desvalida nos seus portos.
E Novembro chegou. Trouxe
Finados,
fui consultar na rua a madrugada,
perscrutei ambos os lados, não vi nada,
os meus vizinhos pareciam descansados...
Muito estranho. Sempre
tive a sensação
de que marchavam famintos por quinzena;
mesmo a janela do banheiro conservava
fechada, quando até o banho tomava,
nesse período vazio da meia dezena
dessas horas de mais plena escuridão.
A DANÇA DOS MORTOS II
Mas este ano eu nada percebi,
talvez porque o tempo foi mais frio
e meus banhos só tomei durante o fio
das horas em que a luz estava aqui.
Mas também as madrugadas percorri,
em sonhos loucos nos quais eu nunca rio,
meus olhos esgazeados como em cio,
procurando divisar quem não mais vi.
Os mortos em suas camas de cimento
permaneceram quietos, sem chamar,
aguardando mansamente suas visitas,
durante o dia de oficial lamento;
talvez nem recordei suas tristes ditas,
talvez tenha morrido sem notar...
A DANÇA DOS MORTOS III
Mais de uma vez eu já me rebelei
contra essa invasão de cemitérios,
as terras de cultivo em despautérios,
sendo ocupadas por quem não mais verei;
muito melhor a cremação, sempre falei,
sejam minhas cinzas espalhadas sem critérios,
sem cercanias sequer de eremitérios,
nada do corpo em meu porvir precisarei.
Mao Tsetung afinal tinha razão,
quando as necrópoles mandara demolir,
que nem os trens podiam perturbar;
há mausoléus que obras de arte são,
mas por que em tais gavetas conservar,
os tristes restos que não irão ressuscitar?
A DANÇA DOS MORTOS IV
Esse costume nos foi trazido lá do Egito
pelos Hebreus, a madeira sendo escassa;
o costume indoeuropeu dessa outra raça
em suas volutas de fumaça mais bonito;
deixou bem claro São Paulo em seu escrito
aos Romanos, que toda carne passa;
é o corpo espiritual que tem a graça
de sua ressurreição no dia bendito.
Mas cemitérios são fontes de dinheiro,
quase sempre obtido pela Igreja,
que assim prefere condenar a cremação,
até o Credo a modificar ligeiro,
em que “Ressurreição da Carne” ali se enseja,
ao invés de aos mortos prometer ressurreição!
Nenhum comentário:
Postar um comentário