sexta-feira, 25 de novembro de 2022


 

 

NA TOCAIA DA VIDA I –18 NOV 2022

(Joanne Woodward, época de ouro de Hollywood)

 

não quero ser um anjo: quero a vida

e que possa gozá-la entre teus braços,

diariamente, no espelho de teus traços,

ver o meu rosto em poeira recolhida,

que nos teus olhos só veja refletida

a imagem do sorriso nos abraços,

que em ti preencha todos os espaços

e te acompanhe até a despedida

e que sejam teus cabelos meu laurel,

na estimativa de louca premiação

e que nos meus eu sinta o teu marfim,

nesse colar de espuma, luz de mel,

que assim pendure em torno ao coração

e que pertença unicamente a mim.

 

NA TOCAIA DA VIDA II

 

eu não me curvo ao mundo facilmente,

mas é claro que se impõe, sou impotente

para negar a sua limosa adjacência,

só não me entrego ao dia, simplesmente;

faço ainda planos, mas de teor descrente,

porque os vejo desfeitos, na frequente

devassidão da alheia incompetência,

que me força a nova escolha descontente

e sinto, às vezes, andar num lodaçal,

em que não tenho pé, mas não afundo,

mas que ainda me suga parcialmente,

para perder meu sonho natural,

enquanto nesse ambiente um tanto imundo

eu sobrevivo, passo a passo indiferente.

 

NA TOCAIA DA VIDA III

 

mas como é anã a vida, sem ter sonho!

as quimeras adormecem suas mil flores,

minhas aurículas trabalham estertores

e o som ventricular se faz medonho...

quero a ilusão guardar, mas onde a ponho?

a noite se agiganta, em multicores

devaneios em que idílios são ardores,

que empalidecem se à luz do dia os exponho;

se bem num sonho para tudo ache lugar,

durante a vida acanhada e quotidiana

meus lupanares mentais são enrolados,

tapeçarias a perder seu roçagar,

somente as franjas a captar a luz arcana

de alguns alegres pesadelos rodilhados...

 

NA TOCAIA DO SONHO I – 19 NOV 2022

 

meus sonhos não são bênçãos, são estigmas,

marcados em minha testa, fundamente,

quais promessas que deuses, mansamente,

me tremeluzam em rasgos de querigmas;

meus ideais são medidos em esfigmas,

se expandem por um lado, de repente,

fazem-se veios de esperança transcendente,

refletidas pelas fendas dos enigmas

e a cada vez que vejo a lamparina,

a bruxulear na fímbria do horizonte,

sabem as fadas que corri empós

mas essa luz amarela de estearina

logo se apaga quando chego à fonte

e as parcas riem de meu destino atroz!

 

NA TOCAIA DO SONHO II

 

só me acompanha sempre o meu desejo,

que meu amor eternamente dure,

que essa anuência para mim perdure,

enquanto tiver forças para um beijo;

que se repita diariamente o ensejo,

que essa companheira a mim depure

e de meus males íntimos me cure,

que dos males exteriores me despejo;

que seja assim, amor tão permanente

quantos forem os dias que me restem,

quantas sejam as surpresas que me esperam,

que seja assim, mesmo ilusão frequente,

a despeito dos desgostos que me infestem,

nestes mil versos que os despeitos geram.

 

NA TOCAIA DO SONHO III

 

sempre o perfume perdura no meu peito,

mesmo que seja o abraço descontente,

que amor se faz, enquanto amor presente,

porém se afasta para meu despeito,

mas tenho de aceitar, tirar proveito

desses caprichos de mutação frequente,

sempre seguindo o pêndulo que está quente

de todo esse oscilar que mal aceito;

que a cada vez que se mostra carinhosa,

eu chego a me encolher internamente,

sem saber qual a futura reação

dessa mulher que me corta, deleitosa,

toda a esperança de meu ideal descrente,

nos cem caprichos de seu coração!

 

NA TOCAIA DA SOMBRA I – 20 NOV 2022

 

ela chegou e me causou tristeza,

justamente por se achar tão à vontade,

na miscelânea sensação da liberdade

de estar comigo, mas sem querer me amar;

ela chegou-me em plena gentileza,

como a maré durante a baixamar,

deixando após só um rastro de luar,

na afirmação mais pura da amizade;

ela chegou, deixou-me aberta a veia,

que após o rastro escorre-me em filete

de sangue roxo, tão frio como a saudade,

meu sangue sólido em tantos grãos de areia,

o vento a desafiar, feito um ginete,

enquanto ela se afasta, sem maldade...

 

NA TOCAIA DA SOMBRA II

 

tudo nisso se resume: quando longe,

eu posso imaginar sua companhia,

que me abrace dadivosa numa orgia

de corpos enlaçados sem descanso,

mas quando perto, eu sinto qual um monge

que só quebrar seus votos gostaria,

perante a imagem que tanto lhe sorria,

mas qualquer iniciativa de mim lanço,

pois parece que está perto e se renova,

mas nada está como antes o sonhei,

somos amigos, apenas, sem cuidados

e é quanto finjo, perante cada prova,

sem confessar o quanto desejei,

em meus momentos de sonhos separados...

 

NA TOCAIA DA SOMBRA III

 

parece sempre ver a sombra do meu lado,

seu corpo ainda tão jovem de aparência,

a alma antiga em hibernal frequência,

nessa regência triste de meu fado,

por lembranças noite e dia atormentado,

pelos fantasmas vagos da impotência,

por meus espíritos em circunferência,

na madrugada virente do passado;

porém ficou, na mais plena inocência,

sem chegar a brincar com meus ideais,

ai, como eu gostaria fossem dela!

e no entretanto, tudo aceito em complacência,

eu me queimei em seu olhar demais,

sem perceber quão fogosa era minha estrela!

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