SOMBRAS LONGAS I -- 18 DEZ 2017
(Angelina Jolie, Julia Roberts, Glenn Close)
na púrpura almofada do poente,
quando a sombra se alonga e o escuro vem,
meu corpo ali se alongará também,
sobre tua sombra a se fazer presente.
essa tua sombra que me fora indiferente
será abraçada, em lento vaivém,
por essa sombra que de mim provém,
numa emboscada que mal se pressente.
porque verás tua sombra projetada,
sem ninguém mais encontrar-se do teu lado,
porém minha sombra se inclina de mansinho
e mesmo sendo por mágica alongada,
essa tua prenderá, bem apertado,
no surpreendente lusco-fusco do carinho.
SOMBRAS LONGAS
II
hás de pensar: mas como isso acontece?
e minha sombra
afastar num safanão,
mas muito firme
é o abraço em que estarão,
sombra de amor qualquer
sonho enobrece.
esse evento que
a outrem enlouquece
subirá desde
teus pés em invasão.
se for
romântica tua imaginação
e aceitares o
amor que se oferece.
talvez queiras
então acariciar
essa sombra
indolente qual gatinho
que parece quer
apenas se esfregar,
mas que a alma
te conquista de mansinho
e a única ração
que podes dar
é uma tigela
cheia de carinho.
SOMBRAS LONGAS
III
será sinuosa
sombra como cobra,
mas só de amor
será o seu veneno,
a germinar em
ti amor pequeno:
mais do que
sombra é algo que me sobra.
e sobre a
sombra insidiosa se redobra:
só bem de longe
eu te farei aceno,
essa sobra de
mim convite pleno,
e pouco a pouco
tua própria sombra dobra.
como evitar uma
tal curiosidade
quando essa
sombra projetada por magia
só teu olhar de
sombra atingiria
a sobra minha
em tal complexidade:
talvez não
deixes que a ti meu corpo abrace,
mas a sombra
aceitarás que te perpasse.
SOMBRAS LONGAS IV
porque tua sombra se sentirá curiosa.
a se arrastar empós os pés que estão
da sombra minha fazendo a projeção,
sombra grosseira a dominar a sombra airosa.
e nessa varredura preguiçosa
de repente notarás não mais estão
as duas sombras na mesma posição,
mas se moveram; agapanto e rosa,
até se enovelarem a meus pés
e de tua sombra seguirás empós,
até encontrares quem a outra projetou,
tímida ainda, sem me dar-me as fés,
mas nesse instante nos acharemos sós,
e tua sombra escutará a quem te amou.
SOMBRA MUTÁVEL I -- 19 DEZ 2017
depois que te encontrar, vais-me pedir
um leão encantado e sem defesa
eu serei, contra a própria natureza,
o teu leão -- e saberei rugir.
quando eu me levantar, vais-me pedir
uma águia dourada em sua grandeza
e eu serei essa águia, com certeza:
sobre o telhado de tua casa irei dormir.
eu serei tudo quanto me pedires;
dito melhor, a quanto me forçares
em teu desejo ou por teu desespero.
eu serei tudo quanto permitires
e te darei todo o bem que precisares:
só não conseguirei ser o que quero...
SOMBRA MUTÁVEL
II
quando eu te
procurar, me pedirás
um tigre
caçador, branco e vermelho
e eu serei esse
tigre em meu conselho
e os demais
tigres me farejarão.
assim serei, em
transmogrificação,
um tigre-fera
até meus dias de velho
e a ninguém
mais deixarei meter bedelho
na minha vida,
nem cortarem-me ilusão.
pois foi um
erro desejarem-me felino
e me empurrarem
além de meus limites,
todos exigem,
ninguém nunca me dá nada
e se a vida me
tiraram, já menino,
como tigre
viverei, se assim me incites,
mostrando
garras e presas na calçada.
SOMBRA MUTÁVEL
III
por ti serei
assim o que quiseres,
mas para
descobrir, por meu desgosto,
que mesmo feito
amor após o mosto,
para o que
espero de ti em nada alteres.
por desfastio,
talvez, o que fizeres,
será ser sombra
mutável ao sol posto.
porém sombras
são negras, não têm rosto
e embora tenhas
de mim o quanto esperes
eu só terei de
ti o que me deres,
a carne e a
sombra irás me controlar,
lançar-me-ei
como risco à tua vontade.
serei silhueta
submissa a teus prazeres,
sem ter jamais
certeza desse amar
poder de ti
recolher em saciedade.
SOMBRA MUTÁVEL IV
ao projetar-me corri um grande risco,
sem saber o que tua sombra desejava,
como esse olhar de sombra contemplava
a sombra minha em parpadear e pisco.
e ao chegares, enfim, girado o disco,
enquanto a carne tua me abraçava,
era tua sombra somente que me amava
e a vida minha tomou-me como o fisco.
não foi minha carne que tua carne amou,
sendo minha sombra amada pela tua,
quando a carne enlaçou-me em zombaria,
porém minha carne para ti se transformou,
mil silhuetas a mostrar a sombra nua,
enquanto a alma inteira te servia.
SOMBRA ENJAULADA I -- 20 DEZ 17
o que me vem às mãos, assim escrevo.
passei anos me iludindo ser idônea
essa mulher que amava, essa begônia
de esplendor a que amar ainda devo.
confesso que eu errei nesse meu frevo
de agradá-la sempre, sua antimônia
intermitência entre mel e amônia,
promessa de um futuro, em que não levo
a menor parte.
garanti o seu conforto
a expensas de mim, que tudo pago
e ainda julga que me pode repreender;
por agradá-la da poesia fiz aborto
por longos anos, em troca de um afago
que seu capricho custava a conceder.
SOMBRA
ENJAULADA II -- 20 DEZ 17
mas como pode
ter sombra uma ilusão?
sobra
intangível, sobra do corporal,
não tenho a
força de um ente material,
sombra vazia do
próprio coração.
quando minha
sombra provocou essa paixão
na sombra dela
e não nela, afinal,
que poderia se
esperar do amor carnal,
somente sombra
a compartir dessa emoção?
e por mais que
o carnal se realizasse
quando juntos
estivéssemos no leito,
nenhuma sombra
existia nos lençóis.
em que apenas
pele branca se mostrasse.
sem sombra
negra em perpétuo ajeito,
feita afinal da
interrupção dos sóis.
SOMBRA
ENJAULADA III
assim a sombra
é apenas testemunha,
abraçada a
outra sombra no seu canto;
extinta a luz,
não têm sequer o pranto,
triste consolo
de quem mais se acabrunha.
no sonho meu
talvez encontrem cunha
e ali se
mostrem como negro manto,
sombra na
sombra, num abraço santo,
logo perdido se
o corpo se estremunha.
contudo, se me
ergo, solitária,
ressurge a
sombra que de mim provém,
mas ela ainda
se abraça ao travesseiro
e sua sombra
não se mostra solidária,
ainda sozinha
esta sombra que me tem
por mãe e pai e
também seu carcereiro.
SOMBRA ENJAULADA IV
e embora a sombra se projete afora,
contra a sola de meus pés acha grilhão
ou algemada na palma de minha mão
e jamais de seu presídio vai-se embora.
por liberdade algumas vezes chora,
quando estou longe da sombra de paixão,
a sombra dela a que deu seu coração
e dela aproximar-me então me implora.
mas no dia em que eu morrer, morre comigo;
eu poderei ascender sobre o jazigo,
mas não me consta que sombra tenha alma
e assim fica essa sombra acorrentada,
tão infeliz porque a fiz enamorada,
na tumba escura sem jamais encontrar calma.
CANTO
DE CISNE I -- 21 DEZ 17
Quando
eu morrer, pedirão do cisne o canto,
meu pescoço estendido na fumaça
de minha cremação, que assim retraça
o
quanto me queimei sem molhar pranto.
Quando
eu morrer, dirão que fui um santo.
apesar da zombaria e da pirraça
de que fui alvo, da mordida dessa traça,
qual
é a humanidade em seu encanto...
Pois
de cisne esse canto eu não terei:
o que eu queria é ser igual a Zeus
e
possuir Leda o quanto mais quisesse...
Sei
que não posso; mas em versos eu direi
o meu bom-dia, boa-tarde e meu adeus
a
quantos nadas que a morte me trouxesse...
CANTO DE CISNE II
Quando eu morrer, só quero que me
espalhem
por
sobre o mar ou sobre qualquer serra,
que
ninguém sobre meus ossos faça guerra
nem que meu pobre deeneá então
retalhem...
Até mesmo em galinheiro não me falhem
de
distribuir. Ou no esgoto de minha terra,
que
não se guarde a cinza que me encerra:
se vértebra sobrar, então que a
malhem!...
Quer haja ou não qualquer
ressurreição
ser-me-á
indiferente após a morte:
meu corpo é certo que não se
erguerá,
mesmo da última trombeta em
aclamação:
só
poderá conclamar para essa sorte
esse meu resto espiritual que
sobrará!...
CANTO
DE CISNE III
O
que não quero é a queimação dos versos,
tal qual fizeram com Camilo Rocha,
pobre infeliz, consumido pela torcha
da
"tísica", seus pulmões assim conversos.
Tudo
queimaram, em tempos tão diversos,
como a carne de ovelha que se escorcha
a colocar no espeto em que se enforcha,
de
seu pelego os músculos inversos...
Mal
se sabia que a causa da doença
se transmitia quase sempre pelo ar
e
que os bacilos não viviam no papel;
e
assim eu falo, sem querer causar ofensa:
foi pior bacilo o infeliz que foi queimar
seus
pobres versos num descarte de ouropel...
CANTO
DE CISNE IV
É
natural que não o afirme, porém penso,
vendo as linhas a escorrer tão facilmente
que a morte dele e de outros eu alente,
ao
derramar na folha um verso tenso.
Queimaram
os perdigotos de seu lenço,
a que o sangue corrompera, mas realmente
tuberculose não se faz sobrevivente
nas
muitas laudas de conteúdo denso.
Talvez,
quem sabe, voltejando pelo ar
esses versos transformados em fumaça
só
se acalmaram ao pousar em mim.
Ou
de Lucena ou de Wayne, o seu lugar
perdido sob o Sol ou em sombra escassa
em
meus ouvidos achassem pouso, enfim...
CANTO DE CISNE V
Mas tudo isso não é mais que
fantasia,
como
saber se os versos alma têm?
Ou
que, perdidos, encontrem-me, também
para pousar em quem os acolheria?...
Verdade sendo, não me surpreenderia:
do
inconsciente coletivo é que me vêm;
se
a alguém mais pertenceram é um porém;
se a ninguém mais, não me
desapontaria...
Mas qual é o canto de cisne dos
poetas?
São
os que vivem que o afirmam escutar,
nas finais frases de seu elaborar,
no compilar das obras incompletas...
E
assim me esforço, se tenho uma ocasião,
de a meus rascunhos enfim dar
redação!...
CANTO
DE CISNE VI
Não
que acredite um dia alcançar fama,
acadêmico me tornar ou ser nobel
ou após a morte, enfim, darem quartel
para
meus versos de incontável gama.
Eu
só desejo é que a alma que os reclama
possa das linhas lamber favo de mel,
cada soneto reluzindo no burel
de
um monge puro que seu valor proclama.
Não
para si, mas para distribuir
gratuitamente, pois foi dom gratuito,
quer
pintado de ouro, quer de tisne
e
que no próprio coração possa sentir
uma esperança ou consolo mais fortuito
que
eu te entoar qualquer canto de cisne...
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