segunda-feira, 21 de novembro de 2022


 

 

SOMBRAS LONGAS I -- 18 DEZ 2017

(Angelina Jolie, Julia Roberts, Glenn Close)

 

na púrpura almofada do poente,

quando a sombra se alonga e o escuro vem,

meu corpo ali se alongará também,

sobre tua sombra a se fazer presente.

 

essa tua sombra que me fora indiferente

será abraçada, em lento vaivém,

por essa sombra que de mim provém,

numa emboscada que mal se pressente.

 

porque verás tua sombra projetada,

sem ninguém mais encontrar-se do teu lado,

porém minha sombra se inclina de mansinho

e mesmo sendo por mágica alongada,

essa tua prenderá, bem apertado,

no surpreendente lusco-fusco do carinho.

 

SOMBRAS LONGAS II

 

hás de pensar: mas como isso acontece?

e minha sombra afastar num safanão,

mas muito firme é o abraço em que estarão,

sombra de amor qualquer sonho enobrece.

 

esse evento que a outrem enlouquece

subirá desde teus pés em invasão.

se for romântica tua imaginação

e aceitares o amor que se oferece.

 

talvez queiras então acariciar

essa sombra indolente qual gatinho

que parece quer apenas se esfregar,

mas que a alma te conquista de mansinho

e a única ração que podes dar

é uma tigela cheia de carinho.

 

SOMBRAS LONGAS III

 

será sinuosa sombra como cobra,

mas só de amor será o seu veneno,

a germinar em ti amor pequeno:

mais do que sombra é algo que me sobra.

 

e sobre a sombra insidiosa se redobra:

só bem de longe eu te farei aceno,

essa sobra de mim convite pleno,

e pouco a pouco tua própria sombra dobra.

 

como evitar uma tal curiosidade

quando essa sombra projetada por magia

só teu olhar de sombra atingiria

a sobra minha em tal complexidade:

talvez não deixes que a ti meu corpo abrace,

mas a sombra aceitarás que te perpasse.

 

SOMBRAS LONGAS IV

 

porque tua sombra se sentirá curiosa.

a se arrastar empós os pés que estão

da sombra minha fazendo a projeção,

sombra grosseira a dominar a sombra airosa.

 

e nessa varredura preguiçosa

de repente notarás não mais estão

as duas sombras na mesma posição,

mas se moveram; agapanto e rosa,

 

até se enovelarem a meus pés

e de tua sombra seguirás empós,

até encontrares quem a outra projetou,

tímida ainda, sem me dar-me as fés,

mas nesse instante nos acharemos sós,

e tua sombra escutará a quem te amou.

 

SOMBRA MUTÁVEL I -- 19 DEZ 2017

 

depois que te encontrar, vais-me pedir

um leão encantado e sem defesa

eu serei, contra a própria natureza,

o teu leão -- e saberei rugir.

 

quando eu me levantar, vais-me pedir

uma águia dourada em sua grandeza

e eu serei essa águia, com certeza:

sobre o telhado de tua casa irei dormir.

 

eu serei tudo quanto me pedires;

dito melhor, a quanto me forçares

em teu desejo ou por teu desespero.

 

eu serei tudo quanto permitires

e te darei todo o bem que precisares:

só não conseguirei ser o que quero...

 

SOMBRA MUTÁVEL II

 

quando eu te procurar, me pedirás

um tigre caçador, branco e vermelho

e eu serei esse tigre em meu conselho

e os demais tigres me farejarão.

 

assim serei, em transmogrificação,

um tigre-fera até meus dias de velho

e a ninguém mais deixarei meter bedelho

na minha vida, nem cortarem-me ilusão.

 

pois foi um erro desejarem-me felino

e me empurrarem além de meus limites,

todos exigem, ninguém nunca me dá nada

 

e se a vida me tiraram, já menino,

como tigre viverei, se assim me incites,

mostrando garras e presas na calçada.

 

SOMBRA MUTÁVEL III

 

por ti serei assim o que quiseres,

mas para descobrir, por meu desgosto,

que mesmo feito amor após o mosto,

para o que espero de ti em nada alteres.

 

por desfastio, talvez, o que fizeres,

será ser sombra mutável ao sol posto.

porém sombras são negras, não têm rosto

e embora tenhas de mim o quanto esperes

 

eu só terei de ti o que me deres,

a carne e a sombra irás me controlar,

lançar-me-ei como risco à tua vontade.

 

serei silhueta submissa a teus prazeres,

sem ter jamais certeza desse amar

poder de ti recolher em saciedade.

 

SOMBRA MUTÁVEL IV

 

ao projetar-me corri um grande risco,

sem saber o que tua sombra desejava,

como esse olhar de sombra contemplava

a sombra minha em parpadear e pisco.

 

e ao chegares, enfim, girado o disco,

enquanto a carne tua me abraçava,

era tua sombra somente que me amava

e a vida minha tomou-me como o fisco.

 

não foi minha carne que tua carne amou,

sendo minha sombra amada pela tua,

quando a carne enlaçou-me em zombaria,

 

porém minha carne para ti se transformou,

mil silhuetas a mostrar a sombra nua,

enquanto a alma inteira te servia.

 

SOMBRA ENJAULADA I -- 20 DEZ 17

 

o que me vem às mãos, assim escrevo.

passei anos me iludindo ser idônea

essa mulher que amava, essa begônia

de esplendor a que amar ainda devo.

 

confesso que eu errei nesse meu frevo

de agradá-la sempre, sua antimônia

intermitência entre mel e amônia,

promessa de um futuro, em que não levo

 

a menor parte.  garanti o seu conforto

a expensas de mim, que tudo pago

e ainda julga que me pode repreender;

por agradá-la da poesia fiz aborto

por longos anos, em troca de um afago

que seu capricho custava a conceder.

 

SOMBRA ENJAULADA II -- 20 DEZ 17

 

mas como pode ter sombra uma ilusão?

sobra intangível, sobra do corporal,

não tenho a força de um ente material,

sombra vazia do próprio coração.

 

quando minha sombra provocou essa paixão

na sombra dela e não nela, afinal,

que poderia se esperar do amor carnal,

somente sombra a compartir dessa emoção?

 

e por mais que o carnal se realizasse

quando juntos estivéssemos no leito,

nenhuma sombra existia nos lençóis.

em que apenas pele branca se mostrasse.

sem sombra negra em perpétuo ajeito,

feita afinal da interrupção dos sóis.

 

SOMBRA ENJAULADA III

 

assim a sombra é apenas testemunha,

abraçada a outra sombra no seu canto;

extinta a luz, não têm sequer o pranto,

triste consolo de quem mais se acabrunha.

 

no sonho meu talvez encontrem cunha

e ali se mostrem como negro manto,

sombra na sombra, num abraço santo,

logo perdido se o corpo se estremunha.

 

contudo, se me ergo, solitária,

ressurge a sombra que de mim provém,

mas ela ainda se abraça ao travesseiro

e sua sombra não se mostra solidária,

ainda sozinha esta sombra que me tem

por mãe e pai e também seu carcereiro.

 

SOMBRA ENJAULADA IV

 

e embora a sombra se projete afora,

contra a sola de meus pés acha grilhão

ou algemada na palma de minha mão

e jamais de seu presídio vai-se embora.

 

por liberdade algumas vezes chora,

quando estou longe da sombra de paixão,

a sombra dela a que deu seu coração

e dela aproximar-me então me implora.

 

mas no dia em que eu morrer, morre comigo;

eu poderei ascender sobre o jazigo,

mas não me consta que sombra tenha alma

e assim fica essa sombra acorrentada,

tão infeliz porque a fiz enamorada,

na tumba escura sem jamais encontrar calma.

 

CANTO DE CISNE I -- 21 DEZ 17

 

Quando eu morrer, pedirão do cisne o canto,

       meu pescoço estendido na fumaça

       de minha cremação, que assim retraça

o quanto me queimei sem molhar pranto.

 

Quando eu morrer, dirão que fui um santo.

       apesar da zombaria e da pirraça

       de que fui alvo, da mordida dessa traça,

qual é a humanidade em seu encanto...

 

Pois de cisne esse canto eu não terei:

       o que eu queria é ser igual a Zeus

e possuir Leda o quanto mais quisesse...

 

Sei que não posso; mas em versos eu direi

       o meu bom-dia, boa-tarde e meu adeus

a quantos nadas que a morte me trouxesse...

 

CANTO DE CISNE II

 

Quando eu morrer, só quero que me espalhem

       por sobre o mar ou sobre qualquer serra,

       que ninguém sobre meus ossos faça guerra

nem que meu pobre deeneá então retalhem...

 

Até mesmo em galinheiro não me falhem

       de distribuir.  Ou no esgoto de minha terra,

       que não se guarde a cinza que me encerra:

se vértebra sobrar, então que a malhem!...

 

Quer haja ou não qualquer ressurreição

       ser-me-á indiferente após a morte:

meu corpo é certo que não se erguerá,

 

mesmo da última trombeta em aclamação:

       só poderá conclamar para essa sorte

esse meu resto espiritual que sobrará!...

 

CANTO DE CISNE III

 

O que não quero é a queimação dos versos,

       tal qual fizeram com Camilo Rocha,

       pobre infeliz, consumido pela torcha

da "tísica", seus pulmões assim conversos.

 

Tudo queimaram, em tempos tão diversos,

       como a carne de ovelha que se escorcha

       a colocar no espeto em que se enforcha,

de seu pelego os músculos inversos...

 

Mal se sabia que a causa da doença

       se transmitia quase sempre pelo ar

e que os bacilos não viviam no papel;

 

e assim eu falo, sem querer causar ofensa:

       foi pior bacilo o infeliz que foi queimar

seus pobres versos num descarte de ouropel...

 

CANTO DE CISNE IV

 

É natural que não o afirme, porém penso,

       vendo as linhas a escorrer tão facilmente

       que a morte dele e de outros eu alente,

ao derramar na folha um verso tenso.

 

Queimaram os perdigotos de seu lenço,

       a que o sangue corrompera, mas realmente

       tuberculose não se faz sobrevivente

nas muitas laudas de conteúdo denso.

 

Talvez, quem sabe, voltejando pelo ar

       esses versos transformados em fumaça

só se acalmaram ao pousar em mim.

 

Ou de Lucena ou de Wayne, o seu lugar

       perdido sob o Sol ou em sombra escassa

em meus ouvidos achassem pouso, enfim...

 

CANTO DE CISNE V

 

Mas tudo isso não é mais que fantasia,

       como saber se os versos alma têm?

       Ou que, perdidos, encontrem-me, também

para pousar em quem os acolheria?...

 

Verdade sendo, não me surpreenderia:

       do inconsciente coletivo é que me vêm;

       se a alguém mais pertenceram é um porém;

se a ninguém mais, não me desapontaria...

 

Mas qual é o canto de cisne dos poetas?

       São os que vivem que o afirmam escutar,

nas finais frases de seu elaborar,

 

no compilar das obras incompletas...

       E assim me esforço, se tenho uma ocasião,

de a meus rascunhos enfim dar redação!...

 

CANTO DE CISNE VI

 

Não que acredite um dia alcançar fama,

       acadêmico me tornar ou ser nobel

       ou após a morte, enfim, darem quartel

para meus versos de incontável gama.

 

Eu só desejo é que a alma que os reclama

       possa das linhas lamber favo de mel,

       cada soneto reluzindo no burel

de um monge puro que seu valor proclama.

 

Não para si, mas para distribuir

       gratuitamente, pois foi dom gratuito,

quer pintado de ouro, quer de tisne

 

e que no próprio coração possa sentir

       uma esperança ou consolo mais fortuito

que eu te entoar qualquer canto de cisne...

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário