A
DANÇA DO CIÚME I – 3 NOV 2022
(Claudette Colbert, época de ouro de Hollywood)
Ciúme
é um ferro em brasa avermelhado
que
te enfiaram bem fundo ao coração,
mas
totalmente frio seu aguilhão,
um
ferro em brasa a te queimar gelado;
ciúme
é o teu carinho deslocado,
numa
frígida e morta sensação,
o
teu amor semidesfeito na implosão,
cada
leucócito em linfa desmanchado.
Mas
quando o ferro em brasa é assim cravado,
o
que ele faz é deter a circulação,
primeiro
em baque de súbida emoção,
depois
dor fina no peito atribulado,
enquanto
o rubro em verde se transforma,
e
as emoções inteiras te transtorna!
A
DANÇA DO CIÚME II
O
monstro de olhos verdes que quer representar
esse
conjunto de emoções ditas ciúme,
segundo
alguns, em Shakespeare veio a lume,
mas
é possível possamos antes o encontrar.
Catulo,
ainda em Roma, algo foi empregar
nesse
sentido, sem que à monstruosidade rume,
mas
era verde a sua imagem do perfume
dessa
sua Lésbia que não pôde conservar...
Se
for assim, o ferro em brasa é esverdinhado,
qual
um gume de cobre azinhavrado,
penetra
fundo, mas é de alta corrosão,
contudo
ao peito deixa algo de empedrado,
cristais
de geada que não têm liquefação,
deixando
verde o teu próprio coração!...
A
DANÇA DO CIÚME III
Quer
o ciúme seja verde ou encarnado,
não
te pode trazer conforto algum:
corta
tua alma, qual não faz nenhum
sentimento
outro que a ti tenha empolgado.
Talvez
ciúme seja de fato amarelado,
traz
covardia, por mais seja comum,
ou
talvez seja negro como o assum,
que
para o canto tenha um olho trespassado.
Ou
quem sabe, o ciúme seja azul,
seu
ferro em brasa a encher a alma de frio,
um
sentimento mais de posse que de inveja.
Mas
o que é certo é que te queima qual vul-
cão,
cuja lava faz ferver todo o teu brio,
diante
de outrem que teu ser amado beija!
A
DANÇA DO EGOTISMO I – 4 NOV 22
Que
coisa triste é ver a filha conservada
como
fiel companheira da velhice
de
sua mãe, que naturalmente diz-se
totamente
irresponsável por sua vida cortada!
Mas
certamente pela mãe lhe foi podada
qualquer
tendência que com frequência visse
a
quem uma clara atenção se permitisse,
de
calculadas circunstâncias bem cercada.
Em
geral, nunca é claramente referida,
mas
nunca há aprovação de pretendente,
cada
namoro a ser desencorajado,
até
que o chance totalmente lhe é perdida
e
fica a mãe a se alegrar secretamente,
pois
que tal filha terá sempre de seu lado...
A
DANÇA DO EGOTISMO II
Mais
de uma vez já vi isso acontecer,
em
famílias que conheci bastante bem
e
na minha própria constatei também,
minhas
tias velhas sem carinho receber,
salvo
o que em casa conseguissem ter,
qualquer
impulso independente se contém,
as
iniciativas permanentes se retêm,
que
à própria mãe possam amparo conceder.
E
desse forma, os netos que podia
ganhar
da filha jamais irão nascer,
é
uma disputa, afinal, pelo poder,
treinada
a filha para tornar-se uma titia,
a
fim de tê-la a seu lado ao falecer,
que
às próprias filhas amor nunca daria!
A
DANÇA DO EGOTISMO III
E
o que acontece quando a mãe é morta
e
filha não lhe resta que a possa amparar,
quando
a velhice e decadência lhe chegar,
pois
metade de sua vida assim se corta!
E
dessa forma, seu deeneá se aborta,
não
mais que um ramo da família a ressecar.
Terá
irmãos, talvez para a amparar,
ou
algum sobrinho com quem tanto se importa?
Estará
alguém a seu lado no final,
ou
só lhe resta o destino malfadado,
sem
que casasse ou algum filho tivesse,
mesmo
que fosse sem apoio paternal,
seu
ventre impedido de ser inseminado,
que
se apaga igual que vela se extinguisse?
A
DANÇA DOS ACHADOS I – 5 NOV 22
Uma
mensagem sobre o microcosmos
me
chegou hoje, trabalho extraordinário,
a
definir seu universo multifário,
a
destoar em propoção do macrocosmos;
em
um ponto do centro o humanocosmos,
nem
grande e nem pequeno, por mais vário
que
nos pareça ser o humano itinerário,
a
expressão nada mais que do egocosmos.
Talvez
devesse sentir mais humildade
perante
a pequenez de meus tormentos,
para
que serve redigir tantos sonetos?
Porém
eu sei que existe imensa divindade
da
qual eu faço parte, em mil momentos,
de
que provêm os sonhos mais secretos.
A
DANÇA DOS ACHADOS II
Mas
estes sonhos são mortos insepultos,
será
que alguns se tornam sonhos meus?
Ou
só elaboro alguns conceitos fariseus,
quando
nas ruas saio a colher alheios vultos?
Alguns
sonhos me chegam como indultos,
por
ter querido influenciar os sonhos teus,
provêm
desses que abandonam sonhos seus,
a
tropeçar pelas calçadas em tumultos.
Sonhos
no solo jamais são enterrados
e
nem se banham na água das sarjetas,
ficam
flutuando em nuvens de bafor
e
se acaso por mim são captados,
em
mim só inspiram tristezas incompletas,
em
nostalgias que jamais serão amor.
A
DANÇA DOS ACHADOS III
Eles
se espalham como a maré alta,
quais
ondas de calor pela cidade,
são
fantasmas de uma antiga humanidade,
são
cascarões de quem não mais faz falta;
eu
os encontro e recolho, imensa malta,
a
invejar sua antiga liberdade,
de
tocar, de comer, numa ansiedade
com
que os sonhos de hoje ainda assalta.
Eu
os recebo quais fossem parentes,
amigos,
conhecidos, numa luva
de
plástico de minhalma em despautério,
lembrando
os sonhos de suas mortas gentes
e
no meu sangue os recebo como chuva,
de
tais fantasmas a tornar-me o cemitério!
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