quarta-feira, 16 de novembro de 2022


 

 

A DANÇA DA SOLEDADE I – 12 NOV 2022

(Faye Dunaway, de "Bonnie and Clyde")

 

Amor é forjado por uma solidão

inconformada de permanecer em tal estado,

uma segunda solidão para o seu lado

indo atrair para buscar completação.

O resultado dependerá nessa ocasião

de um solitário ser por outro consolado

ou ao invés disso, sentir-se desprezado,

mas nem sempre irá brotar no coração;

a solitária mais um ombro amigo quer,

o solitário a desejar mais um abraço,

sempre é possível que se queira só amizade,

coisa aceitável entre homem e mulher,

por mais que tantos acreditem simples laço

ser algo fora do comum na realidade...

 

A DANÇA DA SOLEDADE II

 

De qualquer modo, é bem mais que a solidão,

bem mais que pura ânsia pela posse;

há mil razões, porém, qualquer que fosse,

preencher buscam o vácuo da ilusão

e algumas vezes, dessa pálida emoção,

sempre é possível construir destino doce,

amor gentil que a mente até remoce,

fortalecida por suavidades de ocasião

e seguindo antigas regras de um amor,

tantas vezes partilhadas gentilezas,

amor rebrote no vazio do coração,

crescendo aos poucos, alimentado do calor

da solidão em fogueira de tristezas,

metade afeto, metade compaixão...

 

A DANÇA DA SOLEDADE III

 

Mas a que ponto existe desespero

nessa ausência a que chamamos solidão?

Até que ponto se ressente o coração,

após o embate de algum desprezo feio?

Mas nem sempre existiu descaso mero,

sempre há alguém que jamais teve a noção

de ser aceito ou de buscar paixão,

ao trabalho ou profissão voltado o anseio.

Mas o impulso que gera a biologia,

quase todos impulsiona a procurar

alguém que – bem ou mal – se possa amar;

a busca por um par assim se cria,

que amor não dê, por mais que amor se peça

ou que se afaste depois que amor lhe cessa.

 

A DANÇA DA RARIDADE I – 13 NOV 22

 

Um amor puro é coisa rara de encontrar:

se achar algum, esconda num saquinho,

de onde aos poucos retirar, devagarinho,

para com ele o coração emulsionar

ou então para com outros partilhar;

existe amor que é só fruto de carinho,

existe amor de mãe em descaminho,

qual amor físico sobre alguém depositar.

Assim nem sempre o amor ali perdura,

às vezes mofa, se não for usado

ou se resseca, sem achar seu objeto,

mas como é bom se o suprimento dura

e ainda aumenta quando partilhado,

nesse tempero que se mescla com afeto!

 

A DANÇA DA RARIDADE II

 

Amor pode ser a fita de um buquê,

de um chocolate a simples embalagem,

também pode ser empregado com trucagem,

só um polvilho no prato que se dê,

mas amor pode ser o bolo da viagem,

bem misturado na receita que se lê,

farinha e açúcar na mistura então se vê,

como um sabor especial para a carruagem;

ou amor pode ser o perfume de um lençol,

ou a lavanda pingada ao travesseiro

ou até mesmo a proteção de um parassol,

ou ainda a limpeza que se faz no chão

ou o detergente aerossolado no banheiro,

tudo depende de entender a sua intenção.

 

A DANÇA DA RARIDADE III

 

Mas nunca deixes esvaziar-se o teu saquinho,

sempre haverá um momento de tristeza,

o teu amor poderá dele precisar,

deixa pingar em sua cabeça com carinho,

que em teu peito vá deitar devagarinho,

que mal perceba esse polvilho de leveza,

mas se surpreenda no momento de aliviar

a melancolia que ali cravou molesto espinho;

e guarda um pouco para ti também,

sempre haverá um momento de vazio,

quando o podes injetar no coração,

tendo surpresa nesse alívio que te vem,

o pó das fadas a fantasmar teu brio,

por mais que saibas seja apenas ilusão!

 

A DANÇA DA DANÇA I – 14 NOV 2022

 

Dança comigo até o final do amor,

longamente seja pela dança adiado,

dança comigo em passo delicado,

cada compasso um gesto de favor;

dança comigo em passo de louvor,

que seja pelo ouvido inteiro captado,

no corpo inteiro que ser possa escutado,

em concêntricas ondas de calor,

um corpo contra outro ali apoiado,

talvez somente com a máxima ternura,

talvez apenas com desejo controlado,

um rosto apenas contra ombro consolado,

nessa dolência de uma dança pura,

talvez não mais que um sonho inadequado.

 

A DANÇA DA DANÇA II

 

Não se pode ensinar a cor azul para algum cego,

nem para um surdo explicar a sinfonia

ou um sabor a quem nenhum gosto sentia

ou um odor a quem não tem do olfato apego;

não se ensina a calma a quem não tem sossego,

nem o que seja amor a quem não o conhecia,

nem a verdade a quem sempre te mentia,

nem se montar confiança com peças de Lego;

pois mesmo ao demonstrar quem os possui,

não significa que se possa compreender,

nem que por cópia se lhe possa pertencer,

já que só informação não se usufrui

e conhecer quanto a outrem só se enseja

talvez desperte não mais que triste inveja...

 

A DANÇA DA DANÇA III

 

Será inútil lamentar-se para ouvidos

que por tua dor não sentem empatia;

buscam primeiro um sinal de simpatia

ou teus lamentos serão só aborrecidos;

serão consolo e alegria concedidos

somente por alguém que antes sofria,

que de algum modo livrar-se conseguia

desses tormentos individuais e indefinidos.

Pois quem jamais sentiu males de amor,

nunca consegue os de outrem avaliar

e muito menos com tais simpatizar

ou alguém queira em oposto o teu favor,

que te disponhas a escutar o seu lamento,

nessa dança consensual do sofrimento!

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