chamada digital i
(24/6/2009)
(Colleen Moore, atriz do cinema mudo,
mas que sobreviveu ao som)
eu venderei amor por dez centavos,
por não dizer que te darei de graça:
amor em gotas negras se repassa,
hoje em dia, por espaços cibernéticos.
essas redes comportam mil escravos
ou carregam consigo, na hora escassa,
contatos e comércio. O amor sem jaça
é reduzido aos quadros inestéticos.
desse modo, se sempre foi difícil
vender poesia, é agora mais barata:
para mostrá-la, é preciso pagamento...
assim eu pago a luz e a banda físsil
e mando pela rede o dom que mata,
naco após naco, meu próprio sentimento.
chamada digital ii
pois venderei poesia no
mercado
e montarei por lá minha
barraquinha:
“vendem-se versos!” – cantarei
em ladainha,
à espera de um cliente
apaixonado,
mas cujo estro encontre-se
emperrado,
mas ainda queira impressionar
a sua rainha;
enfeitarei a sua ideia
bonitinha,
como um poema bem-apessoado
e tão medíocre quanto o meu
freguês,
porque caso lhe escreva melhor
verso,
bem certamente não o
compreenderá
e pior ainda, a impressão me
fez
que o alvo desse amor não é
diverso
e que sua dama tampouco
entenderá...
chamada digital iii
tais versos terão assim
simplicidade,
sem grandes voos de
imaginação,
poucas imagens de original
noção,
“ama” com “cama” a rimar em
saciedade.
ou “vida” com “guarida” em qualidade
ou qualquer outra pobreza de
emoção,
que lhe pudesse sair da
própria mão,
seu é o esplendor da real
mediocridade.
e em meu teclado eu lhe
digitarei
o seu poema de valor chinfrim,
para depois pari-lo na
impressora
e um preço módico então lhe cobrarei,
em minha vergonha de aceitar
assim
a sua aprovação que me
desdoura...
chamada digital iv
mas venderei um retalho de meu peito,
a pele e os músculos, até certa gordura,
para quem desejar sopa mais pura:
até por dois centavos eu aceito,
pois ledo engano! – vender amor não tenho jeito,
posso vender tão somente a sinecura
de me entregar sem esperança dura
e então voltar descarnado para o leito.
a vida fez de mim um vendilhão,
malbaratando o fardo dos talentos,
justamente porque os ganhei demais
e assim desperdicei-me sem paixão,
jogando versos ao sabor dos ventos,
sem que fossem recolhidos nos quintais!
chamada digital v – 16 nov
2022
eu lançarei na praça meus
desvelos
sem grande mágoa – que sejam
pisoteados!
ninguém amou meus sonhos encantados,
foram pesados demais, cubos de
gelos,
tão derretidos, que nem
recordo tê-los,
com suco de limão bem
misturados,
mil aicebergues no oceano
derramados,
sem que tivesse a força de
contê-los!
fiquei neles a remoer os meus
tomaras,
perdido a mastigar meus
oxalás,
apoquentado somente por
recéns,
lembrando o dia antigo em que
encantaras
pelos sorrisos que raramente
dás,
a ruminar-me a saga dos
poréns!...
chamada digital vi
mas nunca sei se haverá quem
se disponha
a comprar os meus poemas e
desvelos,
são transitórios e mal consigo
vê-los,
passam depressa tão rápido os
exponha,
substituídos por essa vasta
ronha
que anseia ser escrita ou vou
perdê-los,
alguns horrendos, outros mesmo
belos,
que vou envolvendo em fraldas
de cegonha
e assim saio a voar, levo no
bico
esses meus nascituros,
natimortos,
que no geral sequer encontram
lar,
mas vou deixando das chaminés
no pico,
expostos ao calor e a
desconfortos,
na vã espera de que alguém os
possa amar.
chamada digital vii
pois nessa digital feira de vaidades
a concorrência é cada vez maior
e meu proclama decerto é bem menor,
tendo receio de quebrar as amizades,
na timidez de velhas inverdades
de tantos sonhos sabidos já de cór
e não me inscrevo assim no longo ror
desses que espalham suas opacidades
tais fossem ideias novas e brilhantes,
a repetir apenas o já-dito
ou mesmo a reduzir o seu alcance,
que a correnteza cortada assim remanse,
enquanto o curso desse rio é infinito,
por mais que o obstruam ignorantes.
chamada digital viii
e deste modo, me limito a
traduzir,
nessa consciência de minha
insignificância,
sonhos alheios escutados à
distância,
ou me assoprados de um alheio
seduzir,
mas os melhoro sempre, a
perquirir
onde se encontra o brilho
dessa instância,
onde se encontra a inocência
de minha infância,
sem autocrítica, ansiosa por
luzir.
mas sem luz própria,
pretensiosa como a lua
a refletir tão somente a luz
alheia,
em sua pálida e transiente
imitação,
mas que a vagar pelo negror
ainda flutua,
sempre a apagar o brilho que
incendeia
dessas estrelas que tão
distantes são!
chamada digital ix – 17 novembro
2022
e embora nunca espere as adquiram,
lanço quimeras ao redor da rede,
talvez alguma a matar alheia
sede
ou lágrimas causar nesses que
viram
essas falácias minhas, que se
atiram,
sem o menor cuidado a quem as
pede,
sem que em penumbra qualquer
uma quede,
depois que os bites e baites
já se estiram;
contudo existem empecilhos e
percalços,
interferências de muitas
entidades,
que atravancam a rede
inutilmente
e assim se embatem sobre
cadafalsos,
linha de frente de novéis
verdades,
em seu combate ao mundo
indiferente.
chamada digital x
sempre seguem por aí, a uns e zeros
espalhadas por satélite e antenas,
talvez amainem quaisquer alheias penas,
talvez apliquem alguns desejos feros,
porque não são imensos, sonhos meros,
a se espalhar por aí, doces verbenas,
talves se aprestem a povoar estranhas cenas
ou estridentes piem, qual os quero-queros!
já que esses versos por igual são sentinelas
a percorrer tais sendeiros digitais,
em fiel busca por tristonhos e aflitos,
num apregoar de cançonetas paralelas,
àqueles que não sabem cantar mais
e se limitam a silenciar seus gritos.
chamada digital xi
também assim eu prantearei nos
meus arquivos
essa inconsútil dor universal,
sem qualqeur busca por um
canto triunfal,
sem os limites de gestos mais
esquivos;
apenas mostrarei os mais
altivos
sentimentos de sabor
filosofal,
sem as promessas do antinatural,
sem criar ouro em alambiques
vivos,
nada mais faço que aquilo que
sussurram
as vozes mortas, quiçá no meu
passado
ou as vozes natimortas do
futuro,
que para a luz sem descansar
se empurram,
a disputar por meu funil
atribulado,
com que meus dedos seu porvir
auguro.
chamada digital xii
porventura me reduzo a tais
retalhos
soltos ao vento, trapos
verdadeiros,
que nem sei se são meus ou de
terceiros,
a desfraldar galhardetes pelos
galhos,
minhalma almofariz, que sob os
malhos
e golpes de pilão os
derradeiros
traços de fé dos sonhos
altaneiros
torna em pequenas luzes de
atos falhos;
porém que seja assim, que cada
verso
que de meu peito retirou
farrapos,
possa grudar-se a nova
fantasia,
que em cada peito seja assim
disperso,
que novos sonhos surjam desses
trapos,
sem que lhes mude qualquer
ideologia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário